quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

POLÍTICA NO BRASIL É COISA PARA MACHO!




* Marcelo Eduardo Freitas

Como de costume e por dever de ofício, no fim do ano que se passou e início de 2017, acompanhamos algumas solenidades alusivas à diplomação e posse de candidatos eleitos no último sufrágio, de outubro próximo, destinado à escolha de prefeitos e vereadores.

Confesso que, não obstante a maciça e mais expressiva renovação da história da nova república, senti um certo desconforto ante à incômoda e óbvia constatação: política, no Brasil, é coisa para macho!

Caro leitor, à guisa de introdução ante à perturbante verificação, na macrorregião norte de Minas, a quantidade de mulheres eleitas foi baixíssima, o que é lamentável. Quase não presenciamos vereadoras eleitas, de tão poucas. A legislação brasileira exige, desde 2009, o mínimo de 30% e o máximo de 70% de candidatos de cada sexo em eleições proporcionais, o que inclui as candidaturas ao cargo de vereador, em uma evidente tentativa de estimular a participação feminina na política.

Ocorre que, em todo o país, de um modo geral, o número de mulheres sem nenhum voto disparou após a citada lei. Foram 14.498 candidatas que não receberam nenhum voto para a câmara municipal, apesar de estarem aptas a disputar as eleições. Elas representam 1 em cada 10 candidatas ao parlamento municipal, o que equivale a 10% do total. Sem essas “mulheres de voto zero”, uma em cada quatro chapas de vereadores poderia ser indeferida pela justiça eleitoral.

Como se não bastasse a fraude acima, o Brasil elegeu apenas uma mulher prefeita no primeiro turno, em capitais, nas eleições municipais. No Congresso Nacional, apesar de a participação das mulheres estar em relativa ascensão, ainda não passa de 10%.

A maior representatividade proporcional, nas últimas eleições municipais, foi no Rio Grande do Norte, em que 28% das prefeituras ficaram com mulheres. Em seguida, estão Roraima (27%), Alagoas (21%), Amapá (20%) e Maranhão (19%).

Em situação oposta, com o menor percentual de mulheres eleitas, está o Espírito Santo, onde somente 5% das administrações serão comandadas por mulheres no próximo quadriênio. Em seguida estão Rio Grande do Sul (6%), Minas Gerais (7,3%), Paraná (7,4%) e Amazonas (8,2%).

Há, ainda, um outro dado que nos parece bem mais grave: em regra, as mulheres eleitas para assumir os mandatos eletivos são filhas e/ou esposa de políticos proeminentes, outrora ocupantes dos cargos em disputa. O nosso país é péssimo para cultivar lideranças. Recepcionamos a lavagem cerebral provocada pela propaganda política como algo natural e, com isso, aceitamos - passivamente - a eleição de parentes e aderentes dos “detentores do poder” como se fosse algo natural, o que pode justificar a situação do nordeste brasileiro, acima vista. Deste modo, podemos concluir que, salvo algumas melhoras extremamente pontuais, o quadro ainda é de extrema desigualdade na assunção dos cargos eletivos.

De acordo com o último Censo do IBGE, as mulheres representam 51% da população do Brasil, número suficiente para que o quadro apresentado sofra sublimações. E por que não se altera? A nosso sentir, fruto de uma cultura extremamente machista, que alija as mulheres da participação na sociedade, da tomada de decisões, enfim, de exercer ativo papel nas mudanças que se espera.

Não sem razão, Millôr Fernandes dizia que a “anatomia é uma coisa que os homens também têm, mas que, nas mulheres, fica muito melhor”. Concordo plenamente! Contudo, diante de um quadro como este, não é demais concluir com Sêneca, um dos mais célebres intelectuais do império romano, quando dizia: “Uma mulher bonita não é aquela de quem se elogiam as pernas ou os braços, mas aquela cuja inteira aparência é de tal beleza que não deixa possibilidades para admirar as partes isoladas”. Que a mulher encontre espaço nos diversos ramos da atividade humana, especialmente na política partidária. Que seja admirada não pela aparência que ostenta, mas pelo modo de pensar, pelo que efetivamente é, pela sua inteireza. É tempo de reconstrução de rumos, de renovação de cenários, outrora devastados pela ignorância e pelo machismo. Se queremos um país melhor, é preciso valorizar as mulheres!

(*) Delegado de Polícia Federal e Professor da Academia Nacional de Polícia

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