Transtorno Bipolar: é possível vencer?
Por Jéssica Rodrigues Lima
Acadêmica de Jornalismo do CEULP/ULBRA
O Transtorno Bipolar é uma doença caracterizada por episódios de mudança repentina de humor, que vão desde estados de alegria e tristeza, até episódios de euforia e depressão, podendo ocorrer simultaneamente ou não. Em casos mais graves o paciente pode apresentar sintomas psicóticos, como alucinações e delírios.
A causa para o Transtorno Bipolar não é inteiramente conhecida, no entanto sabe-se que questões biológicas, genéticas, sociais e psicológicas formam um conjunto de fatores que podem desencadear a doença.
O Transtorno Bipolar tem grande impacto na vida do paciente, de sua família e da sociedade. Além do sofrimento psíquico, o paciente tem dificuldade em suas relações sociais e pode ter prejuízos em sua vida financeira, em sua saúde e até mesmo em sua reputação.
Para mostrar que com o tratamento correto é possível que o paciente bipolar viva bem, o (En)Cena conversou com Raphael Henrique Travia, Tecnólogo em Gestão Hospitalar e Conselheiro Municipal de Cultura em Joinville-SC. Desde a infância Raphael já apresentava sintomas de transtorno mental. Foi tratado por muitos anos de forma errada e encontrou no CAPS de Joinville o diagnóstico e o tratamento correto, o que mudou sua vida radicalmente.
Foto: Jaksson Zanco
(En)Cena – Como foi sua infância?
Raphael Henrique Travia – Sou uma pessoa com deficiência física devido à paralisia cerebral por falta de oxigênio no meu cérebro no momento do parto. Meus pais se separaram quando eu tinha 5 anos de idade. Aos 7 anos fiz uma cirurgia para corrigir um problema no pé direito (pisava apenas com a ponta do pé). Numa noite, aos 7 anos, acordei de um pesadelo e comecei a enxergar aranhas e cobras coloridas pelo meu quarto. Essas visões desapareciam quando eu acendia a luz. Na escola sempre gostei de estudar, de escrever e odiava educação física. Posso dizer que passei grande parte da infância assistindo televisão, adorava os desenhos japoneses como “Os Cavaleiros do Zodíaco”.
(En)Cena – Em que a paralisia cerebral afetou em sua vida? As aranhas e cobras coloridas que você começou a enxergar depois daquele pesadelo aos 7 anos, foi por causa da paralisia cerebral ou foi o começo dos surtos psicóticos?
Raphael Henrique Travia – As aranhas e cobras que comecei a enxergar aos 7 anos foram o princípio do transtorno mental. Quanto à paralisia cerebral, ela me trouxe a deficiência física e não posso dizer que isso é legal, pois o mundo é cruel com todos aqueles que não se enquadram no padrão da perfeição. Mas posso dizer que tive até sorte, pois as únicas sequelas que tive foram ter ficado manco e com leves problemas de coordenação motora, tenho pouca visão no olho direito e estrabismo, mas para isso existe óculos.
(En)Cena – Quando você foi diagnosticado pelos médicos que possuía um transtorno mental? E psiquiatricamente falando, que transtorno você possui?
Raphael Henrique Travia – Aos 15 anos tive um surto bem forte, enxergava o meu corpo deformado e estava numa forte depressão, pois minha mãe tinha acabado de perder sua fortuna. Passamos de uma situação financeira excelente para a miséria do dia para a noite. Passei 10 anos sendo tratado como se tivesse esquizofrenia, várias internações onde eu só voltava pior. Aos 25 anos quando entrei na faculdade tive um surto de felicidade e daí fui corretamente diagnosticado como Bipolar.
(En)Cena – Você passou 25 anos da sua vida sem saber exatamente o que tinha, sendo tratado de forma errada. Em que isso te prejudicou?
Raphael Henrique Travia – Entrava em cursos que não conseguia terminar porque o surto chegava. Algumas pessoas achavam que eu era perverso, estranho e idiota. Que eu era mau caráter. Um dos psiquiatras que me atendeu dizia que eu não tinha transtorno mental nenhum, que eu era o eterno Peter Pan. Fiz alguns inimigos, e inclusive fui mandado para o manicômio pelo CAPS que frequentei antes de chegar em Joinville.
(En)Cena – Qual o seu grau de bipolaridade e quais os sintomas?
Raphael Henrique Travia – Quando estou em surto, a televisão, rádio e todos os meios de comunicação começam a falar comigo, é como se eu fosse perseguido por eles. Fatos e falas da minha vida aparecem repentinamente em novelas, jornais etc. Quando estou em alta não consigo parar de rir, tenho ideias brilhantes e sou um persuasivo, enfático demais. Na fase baixa não tenho vontade de fazer nada, não consigo dormir e fico perdido como uma criança pequena. Não sei dizer o grau da bipolaridade, sei que agora ela não me incomoda mais e nem incomoda os outros. Faz uns três anos que estou bem.
(En)Cena – Há três anos você está bem. É o tempo que você está em Joinville? Sabemos que você frequentou o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) em Joinville. Foi isso que te ajudou?
Raphael Henrique Travia – Morei um tempo sozinho no meio Oeste Catarinense. Em 2008 minha família (mãe, irmão, cunhada e sobrinhos) saiu do Meio Oeste e veio para Joinville tentar uma vida melhor. Naquele tempo eu estava fazendo curso de aprendizagem em desenho mecânico no SENAI e queria terminar o curso, mas surtei. Fui internado numa ala psiquiátrica do Hospital Geral e não funcionou. Então o CAPS daquela cidade tentou me interditar e me mandou para o manicômio. Quando saí do manicômio vim para Joinville ficar com a família. No primeiro momento o pessoal do CAPS de Joinville não aceitou me atender. Eu estava tão dopado de remédios que eles acharam que eu tinha deficiência mental e eles achavam que eu era uma pessoa ruim devido às informações duvidosas que receberam do CAPS da cidade do interior onde eu morava.
(En)Cena – Mas e depois eles aceitaram te atender?
Raphael Henrique Travia – Me reaproximei do CAPS de Joinville em 2009. Cursava o 1° semestre do Curso Superior de Tecnologia em Mecatrônica Industrial e resolvi escrever um artigo científico para um concurso do CNPq sobre o gênero feminino e a saúde mental. Daí eles puderam perceber que eu não era tão ruim assim. Em 2010 fiz novo vestibular e ingressei no curso de Gestão Hospitalar e quando precisei de ajuda fui aceito.
Raphael presente no 2º Seminário Internacional de Inovação sobre participação e controle social. Foto: Arquivo Pessoal
(En)Cena – E qual foi o papel do CAPS em sua vida? Como você foi ajudado?
Raphael Henrique Travia – Primeiramente em Joinville existe o CAPS III 24 Horas, então eu pude ficar em hospitalidade. Internação nunca mais. E pude entender que algumas características minhas também são frutos da bipolaridade. Pude aprender a exercer liderança sem machucar ninguém e a minha família ao perceber minha melhora começou a aceitar a loucura e a saúde mental. E inclusive fui Conselheiro Municipal de Saúde, me formei na faculdade, pude começar e terminar com dignidade as empreitadas da vida. O CAPS estabeleceu uma grande parceria com a minha faculdade para que eu pudesse me formar, e um dos frutos dessa parceria também é o sitewww.folhadelirio.com.br. O CAPS é parte da minha vida e eu sou mais um dos muitos personagens que dá vida ao CAPS.
(En)Cena – Você ainda frequenta o CAPS?
Raphael Henrique Travia – Não. Recebi alta em setembro de 2011, mas tenho uma grande ligação com eles. Sempre que posso participo dos eventos abertos à comunidade e estabeleci uma amizade tão forte que sempre que preciso desabafar para não enlouquecer, posso contar com eles. E para viabilizar e atualizar o site www.folhadelirio.com.br nossos encontros e conversas são frequentes, mas não estou lá no papel de usuário.
(En)Cena – Tem algo que você gostaria de falar e que eu não perguntei?
Raphael Henrique Travia – Eu gostaria de dizer que é possível vencer sim! Que a saúde mental machuca, mas que precisamos encontrar forças para resistir. Convido a todos a ler o novo artigo que escrevi sobre a folha de lírio http://www.incubadora.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/2384. Gostaria de informar que o site www.folhadelirio.com.br precisa de novo patrocínio para continuar a existir, pois a nova gestão de Joinville não valorizou este trabalho feito por usuários de saúde mental. E-mail: contato@folhadelirio.com.br
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