quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Interdição da Morte e Morte na Interdição


Resumo: A questão que subjaz este trabalho pode ser expressa pela seguinte interrogação: se a morte é um acontecimento natural, então por que na modernidade e na pós-modernidade ela se tornou um acontecimento temido e negado? A partir desse questionamento subjacente, o presente trabalho tem por objetivo discutir a questão da interdição da morte no contexto da sociedade ocidental moderna, sobretudo com o advento do capitalismo, bem como a sua continuação na pós-modernidade. Para alcançar o objetivo proposto, utilizou-se o delineamento de pesquisa do tipo qualitativo, de cunho bibliográfico, através do qual se fez necessária uma abordagem interdisciplinar, visto que, em se tratando das ciências humanas, além de sujeito e objeto de estudo se coincidirem, ambos se fazem presentes em suas diversas áreas, qual seja, o homem. Todavia, vale sublinhar que não se perdeu de vista o enfoque psicológico a que o tema evoca, sobretudo na discussão apresentada no segundo e terceiro capítulos. Nesse sentido, foi de suma importância analisar a questão da finitude, considerando as diversas fases do desenvolvimento humano, bem como, apresentar algumas consequências psicológicas decorrentes do processo de interdição da morte cuja maior expressão pode ser a morte em vida. Por isso, observou-se ao longo dessa pesquisa a necessidade de resgatar a dimensão natural da morte, seja pela autêntica tomada de consciência por cada sujeito da sua dimensão finita ou através de uma discussão aberta sobre o tema, sempre permeada pela questão do sentimento.

1. Introdução

Dissertar sobre a morte é uma tarefa complexa e ousada. Primeiro, porque ela é um fenômeno sobre o qual o pesquisador não tem nenhum tipo de controle, indispensável para que determinado objeto adquira um conhecimento dito científico. Então, do ponto de vista da experiência, pode-se dizer que a morte é um tema totalmente estranho e desconhecido pelo sujeito epistemológico. Em consequência dessa impossibilidade, ao se pronunciar a respeito da morte, o estudioso se depara com um paradoxo sobre o qual, vários autores já fizeram referência, e que pode ser assim enunciado: por ser um acontecimento sobre o qual o homem não tem experiência, qualquer palavra dita acerca da morte, por um lado, será sobre algo que está ausente, e, por outro, quando ela se faz presente, já não se pode mais falar sobre ela, porque não há mais consciência. Destarte, não é possível a construção de qualquer conhecimento a respeito da própria morte. Diante dessa impossibilidade, Rodrigues (1983) afirma que só é possível falar sobre ela em termos de representação.
Nesse sentido, Maranhão (2008) afirma que essa ideia de impossibilidade, de falar sobre a morte já estava presente no pensamento de Epicuro, há 270 anos antes de Cristo. Para esse filósofo grego, jamais o ser humano poderia se deparar frente a frente com a morte, pois quando o indivíduo estiver presente, ela estará ausente e, quando ele estiver ausente, a morte estará presente. Diante desse impasse, resta ao homem procurar viver a sua vida da forma mais agradável possível, “[...] porque a morte não é nada para nós” (MARANHÃO, 2008, p. 66).
Rodrigues (1983) afirma que a morte não é um objeto de ciência por duas razões básicas: primeiro, porque a concepção sobre ela varia de acordo com cada cultura, não atendendo assim, ao princípio da universalidade, indispensável para o conhecimento científico; e segundo, porque a morte não é algo externo ao ser humano, o que, desse modo, impossibilitaria o distanciamento daquele objeto, imprescindível para que lhe seja conferido o status de científico.
Mas, se não é possível um conhecimento científico sobre a finitude humana, por que então há uma vasta produção acadêmica sobre o tema? E mais, porque a questão da morte se constituiu, em todos os tempos, numa das preocupações centrais da existência humana, juntamente com o questionamento sobre o sentido da vida? De acordo com o mesmo autor, a vasta produção acadêmica sobre a temática, não passa de um reflexo do desejo humano de exercer um controle sobre a vida e a morte, o que em última instância traduziria sua obsessão pela busca da imortalidade. Não obstante, ao se implicar nesta tarefa, o homem está, automaticamente, atribuindo dimensão de exterioridade à morte. Em uma palavra, está interditando-a. Desse modo, Rodrigues (1983) acrescenta a ideia de que qualquer tentativa de falar algo sobre a morte, será feito de forma generalizada e limitada, pois se a consciência consegue apreendê-la é porque ela ainda não existe, e, quando ela existe, a consciência não poderá fazê-lo.
Nesse sentido, é que se fazem necessários os seguintes questionamentos: Será que dissertar sobre a morte é o suficiente para lhe devolver o seu caráter de naturalidade, retirando-lhe assim, o estatuto de interdição conferido a ela pelo homem na modernidade e na pós-modernidade? Ou será que é uma forma de mantê-la no mesmo lugar?
A maneira pela qual se deu o questionamento acerca do sentido da vida e da morte, ao longo dos tempos, variou conforme o contexto histórico de cada época. Nesse sentido, pode-se afirmar que a morte, até o advento da sociedade industrial, em meados do século XVIII, era um acontecimento que envolvia vários rituais, os quais possibilitavam uma maior aproximação do indivíduo com aquele acontecimento, tanto em relação ao moribundo, quanto em relação aos seus familiares, independentemente da faixa etária. Esta morte, segundo Maranhão (2008), se dava no âmbito doméstico, e que já havia sido denominada de “morte domada”, por Ariès (1977). Nesse contexto, o próprio moribundo se encarregava de preparar os rituais que lhe dariam o passaporte para a última viagem.
Para Torres (1983), a morte no século vinte tornou-se um sujeito ausente do discurso, embora de uns tempos para cá, as ciências humanas têm se voltado para a questão da sua interdição no sentido de elucidar as suas principais causas, dando assim, a relevância que o tema merece. Essa autora justifica a interdição da morte a partir da constatação da existência de uma contradição inerente ao processo de morrer. Inicialmente, essa contradição é constatada a partir do ponto de vista da biologia, para o qual a morte é natural, dado os princípios de sua universalidade e inevitabilidade. Mas, do ponto de vista de sua natureza, a morte parece não ser natural. Com isso, Torres (1983) afirma que, para a ciência que estuda a vida, o que define o organismo vivo como tal, é a sua imortalidade, pois os seres unicelulares são essencialmente imortais. Nesse mesmo sentido, Morin (1997), observa que a morte tem um caráter equivocado, sendo ela ao mesmo tempo, normal e patológica, porque contrapõe a própria natureza humana. É, pois diante desse paradoxo, que o ser humano vive em um permanente conflito existencial.
Através das afirmações inerentes ao título desse trabalho, “Interdição da Morte e Morte na Interdição”, objetiva-se nesse estudo, suscitar uma discussão sobre a vida a partir do processo de interdição do acontecimento morte, o qual se deu sobretudo, no contexto da sociedade ocidental com o advento da modernidade. Dessa forma explicitado, o objetivo acima exposto, se justifica pelo fato de que o medo da morte é, em última instância, reflexo do medo da vida, segundo a constatação de Becker (2010).
Entretanto, ressalta-se que, embora este estudo possua um viés psicológico, foi de fundamental importância a contribuição de autores da Filosofia, da Sociologia, da História e da Antropologia, que discorreram sobre o tema da finitude, para que se pudesse ter uma compreensão mais ampla sobre o tema em questão, visto que, além de ser objeto comum àquelas diversas áreas do saber, o homem é, ao mesmo tempo, o sujeito que conhece. Mas, de outro modo pergunta-se se a exclusividade de falar sobre a morte em termos de representação, como postula Rodrigues (1983), não teria sentido equivalente em afirmar que a única possibilidade de falar sobre aquele fenômeno seria em termos psicológicos, já que o ser humano vive conforme suas representações?
Embora, se saiba que morte e finitude sejam vulnerabilidades e características ontológicas de todos os seres vivos que estão lançados no mundo e situados num espaço e tempo determinados, submetidos a um processo onde não há volta, no qual se pode incluir o nascer, o crescer o decair e o morrer, os termos morte e finitude, apesar de poderem ser empregados de modos distintos, nesse trabalho, serão empregados indistintamente, como, muitas vezes fizera a filosofia, que considera a morte como parte da finitude.
Nesse sentido, ambos os termos designarão um acontecimento biológico, o qual denota o fim da vida, em relação ao qual o ser humano tem plena.
Todavia, ressalta-se que os termos sociedade pós-moderna, ou pós-modernidade, serão empregados de forma sinônimas, à expressão: sociedade contemporânea.
Além dessa advertência ao leitor, faz necessário ressaltar que ao descrever sobre a interdição da morte não se pretende fazer uma apologia ao pensamento obsessivo na questão da finitude, com o intuito de desinterditar a morte, pois se tal pensamento ocorresse, o ser humano paralisaria diante da vida, como será mencionado, nas páginas que se seguem.
Embora este trabalho pretenda uma discussão sobre a interdição da morte que se deu no contexto da sociedade moderna e que tem na pós-modernidade sua continuidade, considerou-se de extrema importância discorrer, no primeiro capítulo, sobre a relação, homem-morte presente na Idade Média. Esta abordagem histórica se justifica pelo fato de que, a história é um processo, cuja passagem de um momento ao outro não ocorre de modo estanque, mas, de forma interdependente, onde seus fatos se entrecruzam. Nesse sentido, para uma visão mais ampla do fenômeno estudado, foi imprescindível uma abordagem interdisciplinar.
Por fim, no terceiro capítulo, apresenta-se a segunda afirmação do título dessa pesquisa: “Morte na Interdição”, a partir do qual serão abordadas algumas consequências psicológicas em face ao processo de interdição, cuja maior evidência pode ser a morte em vida. Não obstante, nesta seção, será dado um maior enfoque na hipótese que se constituiu na motivação inicial desse trabalho. Para tanto, foi indispensável a contribuição de autores da psicologia e da psicanálise que lançaram um olhar fenomenológico-existencial para o tema em questão. Por fim, nesse capítulo, também será apresentada uma breve discussão sobre o medo da morte, como a resposta psicológica mais comum que o homem apresenta em face da finitude.

2. A Interdição da Morte: uma Abordagem Histórica

Embora se reconheça que a história não seja feita de momentos estanques, mas de acontecimentos que se entrecruzam, ao abordar a interdição da morte sob o ponto de vista histórico, optou-se neste capítulo, por fazer uma distribuição didática das várias etapas que compreendem cada um dos períodos históricos, objetivando uma melhor compreensão dos acontecimentos que possibilitaram a interdição da morte, bem como, daqueles que ainda se fazem presentes nos dias atuais. Nesse sentido, inicialmente discorrer-se-á sobre o tipo de relação estabelecido entre o homem e a morte na Idade Média, e, posteriormente apresentar-se-á a natureza da relação, homem-morte, no contexto da modernidade e da pós-modernidade, respectivamente.

2.1 A Morte na Idade Média

Para Ariès (1977), na Idade Média, a proximidade do homem com a morte expressava a sujeição humana em relação às forças da natureza, bem como, às leis da divindade. Esse comportamento do homem medieval era coerente com o modelo teocêntrico que predominava a época. Todavia, durante este período, apesar de não ser o senhor da vida o homem era o senhor de sua própria morte, bem como, de todas as circunstâncias que a envolviam. Neste contexto, o moribundo tomava consciência da morte que lhe aproximava, ou por ele próprio, ou através da comunicação feita pelo médico, como era determinado por um documento pontifical da época. Mas, com o passar dos tempos, o médico abre mão dessa função se limitando a exercê-la, somente quando era interrogado por alguém, cujas respostas eram cautelosas.
Então, na Idade Média a melhor morte não era aquela que acontecia de maneira súbita, mesmo quando esta era decorrente de acidente ou de guerra. Em consonância com essa ideologia, pode-se pensar que o sofrimento era algo aceito com naturalidade, e porque não dizer que era algo desejado, já que o modelo teocêntrico atribuía a Deus os destinos dos homens? Dito de outra forma, o sofrimento era fruto da vontade divina e o passaporte para a outra vida. Negar essa vontade era o mesmo que decretar a própria condenação.
Essa atitude do homem medieval, diante da vida e da morte, pode ser mais bem compreendida em face de sua crença inabalável na existência de uma vida após a morte, na qual eram recompensados todos aqueles que tinham uma vida correta, ou que no momento da morte, tivessem a oportunidade de fazer alguns ajustes da sua existência. Esta ideologia era fortemente transmitida pela igreja católica, através do discurso sobre a existência do céu e do inferno (ARIÈS, 1977).
Nesse sentido, se em nossos dias, a morte súbita causa menos sofrimento e embaraços, na Idade Média era a forma mais temida, seja porque não possibilitava tempo para que os rituais de arrependimento e de reconciliação com o próximo acontecessem, ou porque, era uma forma de privar o homem de sua própria morte.
Para Maranhão (2008), até a Idade Média, a morte envolvia vários rituais, os quais tinham como principal objetivo viabilizar a passagem do moribundo da vida terrena para a vida celeste. Então, diante da iminência da morte, ele próprio encarregava de se preparar para a sua última viagem. Não obstante, os rituais da extrema unção e da confissão visavam a purificação do indivíduo tornando-o apto para a última viagem. Era um momento de despedida, de abdicação das coisas terrenas para abraçar as celestes. Esses rituais ocorriam no âmbito doméstico e o luto era vivido como expressão de uma ferida que gradativamente ia cicatrizando. Por se dar no âmbito doméstico, os rituais possibilitavam uma proximidade maior e mais tranquila do homem para com a morte. Ela fazia parte do cotidiano das pessoas. Mas, essa proximidade do homem com a morte não era sinônimo de ausência de angústia, a qual era canalizada para os rituais, bem como, para a vivência irrestrita do luto, como muito bem afirma Ariès (1977).
Outro importante fator a ser considerado, quando se fala da proximidade homem e morte, cujo oposto vai ser o principal fator de interdição da morte a partir do século vinte, é a escassez dos recursos tecnológicos daquela época quando comparados à sua abundância nos dias atuais. Consequentemente, relacionado com a insuficiência, e muitas vezes, com a inexistência de recursos, a expectativa de vida era muito baixa, ocasionando desse modo, um elevado número de óbitos, além do fato de que, os cuidados dispensados aos moribundos, eram realizados na sua própria residência, tornando assim, a morte um acontecimento mais próximo do cotidiano. Para Papalia e Olds (2006), esse é o fator que justifica a morte ter sido, até o aperfeiçoamento das ciências, um acontecimento natural.

2.2 A Morte na Idade Moderna

Ariès (1977), ao estudar o comportamento humano, do ponto de vista histórico, ressalta que em meados do século dezenove a atitude do homem para com a morte no campo das ideias e dos sentimentos se transformou radicalmente, ainda que de forma gradativa. Ele relata que nesta mesma época já era uma prática comum a ocultação ao moribundo sobre a gravidade de seu estado de saúde, sobretudo por parte dos seus familiares. Nesse sentido, o referido autor já aponta para a tendência que vai predominar no comportamento do homem em relação à morte no período moderno, bem como, sua continuidade na pós-modernidade. Fala-se aqui da atitude de ocultamento e a tentativa do banimento da morte da realidade humana. Essa tendência encontra respaldo no fato de o ser humano querer poupar o enfermo de assumir a sua provação, evitando, desse modo, seu sofrimento diante da possibilidade de suportar a falta do outro, assim como, de evitar abalar a confiança que o moribundo depositava em todo aparato que o cercava.
Ao longo dos tempos, o ocultamento da morte iminente, vai sendo ampliado para toda a sociedade, pois os rituais, que em tempos remotos marcava a dinâmica da morte, vão gradativamente ficando mais escassos, bem como, ficaram represadas a expressão das emoções uma vez que na modernidade o homem é movido, sobretudo, pela busca incondicional da felicidade, a qual não é compatível com a vivência do sofrimento. Desse modo, ele não convive bem com as emoções fortes decorrentes da experiência com a morte. (ARIÈS, 1977).
Para ilustrar a supressão dos rituais, Ariès (1977) afirma que com o advento da sociedade moderna, as visitas aos túmulos diminuíram significativamente. Em contrapartida, a prática da cremação vem se expandindo, fazendo assim valer a lógica impressa pela modernidade, qual seja, de desaparecer da maneira mais radical com o corpo do morto, que nada mais vai contribuir para o progresso do capitalismo, bem como, para a felicidade humana. Mas, ao contrário, passa a ser o motivo que faz gerar sofrimento e embaraços para a vida daqueles que ficam.
Tanto para Ariès (1977), quanto para Maranhão (2008) e Rodrigues (1983), foi no contexto da sociedade moderna e industrializada, que o acontecimento “morte” foi transferido da casa para os hospitais. O deslocamento da morte, juntamente com a supressão do luto, se constituem, na visão destes autores, nas maiores evidências da interdição da morte. Maranhão (2008) assevera que a
transferência do local da morte foi impulsionada pelos avanços da ciência médica, que com seu aparato técnico científico tende a prolongar a existência humana. Não obstante, ao mesmo tempo em que a ideologia dos hospitais é a de curar e salvar vidas, eles se transformaram no local por excelência onde a morte deve ocorrer.
Desse modo, as instituições hospitalares, denunciam a fragilidade dos recursos tecnológicos desenvolvidos pelo homem para controlar a vida e a morte. Para Boemer (1986), esse se constitui no principal motivo de vários rituais serem utilizados para ocultar a morte no hospital. Então, mesmo quando circunscrita no âmbito hospitalar, a morte tende a ser dissimulada a todo e qualquer custo, desde a maneira em que é verbalizada até pelo modo que o morto é literalmente encoberto por brancos lençóis nas macas, como se ali estivesse alguém vivo, e com quem, muitas vezes, se finge estar conversando. Lá não se diz que alguém morreu, mas expirou. A morte no hospital é um acontecimento solitário do qual os familiares e amigos não mais participam com a mesma intensidade, quando comparado com o mesmo acontecimento em épocas remotas. (ARIÈS, 1977). Esta morte solitária, mecânica, desumana e impessoal, que se dá no contexto hospitalar, se constitui na concepção de Kubler-Ross (1998), uma das mais significativas razões para não se conceber a morte como um acontecimento natural.
Em relação a essa questão, Rodrigues (1983) e Kubler-Ross (1998), afirmam que uma vez inserido no contexto hospitalar, o indivíduo perde a sua individualidade, porque além de alienar-se da sua condição de sujeito, ele também passa a ser gerenciado pela máquina. Nesse âmbito, a morte de um acontecimento natural passa ser um fenômeno de ordem técnica, no qual cabe ao médico colocar ou não um ponto final na vida. Desse modo, tanto a família quanto o indivíduo ficam alienados de sua própria morte, pois por um lado, a desagregação da família faz com que ela não queira saber mais nada sobre a morte, e por outro, o indivíduo a entrega aos médicos e às máquinas. “O momento final não existe mais. A morte deixou de ser um processo, e se transformou em notícias, que o poder médico pode manipular em grau cada vez mais considerável”. (RODRIGUES, 1983, p. 190). Como um evento artificial, ela pode ser declarada pela impossibilidade de realização de qualquer procedimento terapêutico, o que definitivamente, lhe retira a sua dimensão de naturalidade, isto é, de algo que faça parte da existência humana diante da qual o homem, muitas vezes, nada pode fazer.
Do mesmo modo que a sociedade moderna tende a ocultar a morte, ela faz com os sentimentos daqueles que sobrevivem, não devendo os mesmos, expressarem as suas emoções. Essas, segundo Ariès (1977), só são permitidas de modo particular como se fossem uma verdadeira masturbação. Mas, a lógica de contenção dos sentimentos, de acordo com o pensamento do mesmo autor, poderá agravar ainda mais o traumatismo diante da morte, tendo em vista que o ser humano tem a necessidade de partilhar suas angústias com seus semelhantes.
De acordo com Maranhão (2008), os laços afetivos, tão fundamentais e inerentes ao ser humano, diante dos processos de nascer e de morrer, não são experenciados na sua plenitude nos hospitais. Lá não se cria vínculos dos médicos para com os pacientes devido ao quantitativo de doentes, bem como, pelo fato de a equipe técnica temer à sua própria morte. Por isso, matêm um distanciamento em relação aos seus pacientes. Para Maranhão (2008), isto é uma auto defesa que objetiva evitar o seu envolvimento afetivo com o enfermo. Desse modo, o moribundo não encontra, nos hospitais, o mesmo afeto que outrora dispunha no âmbito doméstico.
Sobre esta questão Kubler-Ross (1998) considera que, no contexto do hospital, o sujeito passa por um processo de desumanização, uma vez que lá, de sujeito, ele é transformado em objeto para o qual não são desferidas manifestações afetivas. Diante desse fato, a autora mencionada, supõe que essa atitude, desumana em relação a um determinado paciente, pode encontrar sua justificativa no fato de que a atenção, porventura dispensada a ele, poderá significar perda de tempo, o qual poderia estar sendo utilizado para salvar a sua vida.
Similarmente a Maranhão (2008), Kubler-Ross (1998) questiona se esta justificativa não seria também uma forma de manter o tratamento mecânico, que é dispensado ao paciente, bem como, um instrumento de repressão da dificuldade do profissional para lidar com a ansiedade que um paciente pode suscitar nele? E, desse modo, não se estaria rejeitando a morte que se aproxima, visto que, ao voltar sua atenção para as máquinas salva-vidas, as quais estão mais distantes do ser humano do que seu semelhante, os técnicos estariam deixando de prestar atenção para a falta de onipotência, limitações, falhas e na própria mortalidade?
A morte, no contexto do hospital, vem apenas ratificar a ideologia do capital, na qual tudo tem um valor mercantilista, por isso, o paciente, que se encontra em fase terminal, é marginalizado por que deixou de ser funcional, isto é, produtor e consumidor na sociedade capitalista. E, sem dúvida, essa é a forma selvagem da negação da natureza humana essencialmente caracterizada pela finitude. O moribundo e o morto são improdutivos para a sociedade cuja, dinâmica é o capital. Nesse sentido, evita-se, na prática hospitalar, que a morte mostre sua face, pois quando o paciente está em fase terminal muitas vezes ele é retirado da enfermaria para morrer em um quarto privativo ou ainda pode-se fingir estar conversando com um morto enquanto empurra-o numa maca para o necrotério do hospital, como dito anteriormente. Tudo isso são práticas utilizadas para evitar a morte (MARANHÃO, 2008).
Nesta sociedade, em que o homem foi reduzido à mera coisa, ele só pode ter status, ainda que negativo, na esfera hospitalar, pois lá ele não se volta para a suaatividade funcional, mas se coloca na condição de quem espera. A agonia no hospital é ocultada por uma negação prévia, isto é, pessoa alguma morre nele, e por uma camuflagem retrospectiva, o que significa dizer que no hospital há uma forte tendência de anulação do acontecimento morte, bem como, de utilização de estratégias de ocultamento desse acontecimento, conforme acima mencionado (TORRES, 1983).
Ao considerar o deslocamento da morte, Papalia e Olds (2006), pontuam que o homem passa a se comportar de maneira diferente quando diante da questão da finitude. Ressalta que o primeiro impacto dessa mudança, foi devido ao fato de os moribundos, além de serem transferidos para um local especializado, já não são mais cuidados pelos familiares, mas por profissionais de saúde. Não obstante, esta mudança também é um elemento que simboliza o processo da interdição da morte.
Nesse sentido, Papalia e Olds (2006) afirmam que ao se implicar nesse projeto o ser humano passa a viver na inautenticidade porque, negar a própria morte significa negar a si mesmo. Seguindo essa mesma linha de raciocínio, pode-se falar do impacto possivelmente vivido pelos pacientes terminais, no sentido de que, apesar de os hospitais disporem de recursos técnicos para o prolongamento da vida ou para amenizar o sofrimento, eles não dispõem, por parte dos seus profissionais, do mesmo afeto, que muitas das vezes o moribundo carece na sua fase terminal, e que encontrava no âmbito da “morte doméstica”. Nesse sentido, para se pensar na questão da humanização da morte, torna-se indispensável resgatar a dimensão do afeto, através de uma atenção mais humana e menos técnica direcionada ao paciente terminal possibilitando-lhe uma maior participação do seu processo de morte, como é hoje uma proposta inerente aos cuidados paliativos [1], ainda pouco difundida no Brasil.
Diante da impossibilidade de recursos para lutar contra a morte, o discurso do aceitável, e da conformidade, passa a ser aceito por aqueles que sobrevivem (ARIÈS, 1977). Nesta perspectiva, a morte mais bem aceita na modernidade, é aquela que acontece de modo súbito, porque minimiza o sofrimento, tanto do sujeito que morre, quanto dos sobreviventes. Esta ideia está em fina sintonia com a dinâmica da ideologia capitalista, para qual a busca da felicidade deve ser a meta a ser atingida por todos os mortais.
Desse modo, Ariès (1977) afirma que o ideal é o sujeito permanecer na ignorância de sua própria morte. Nesse sentido, ele aponta para a existência de uma inversão de valores, pois comunicar ao moribundo sobre a proximidade do seu fim era até algum tempo, um dever moral. Entretanto, na sociedade moderna, o dever moral se constitui no fato de não comunicar ao doente sobre a morte iminente. A esta inversão pode-se se atribuir ao fato de que, numa sociedade cuja dinâmica é a busca da felicidade e bem estar, não há lugar possível para o sofrimento, a dor e a morte.
Como Maranhão (2008), Ariès (1977) ilustra de forma brilhante a inversão de valores auferida pela modernidade no que se refere ao processo de interdição da morte no século vinte ao dizer que, a morte se tornou um tabu cujo status era conferido, até então, às questões relativas ao sexo. Hoje, no entanto, procura-se evitar que as crianças tenham qualquer tipo de contato com a morte sob o pretexto de que, por mais insignificante que seja a sua relação com as questões relativas à finitude, esta poderá causar-lhes algum trauma, ou ainda, como algo que seria em demasia para elas, de acordo com o pensamento de Kubler-Ross, (1998).
Em conformidade com esse pressuposto, os adultos tendem a dissimular a questão da morte, de várias maneiras, a fim de evitar um possível trauma. Quando acontece de alguém muito próximo da criança morrer, como por exemplo, o pai, comumente se ouve dizer para a criança que este foi fazer uma viagem, e como se essa atitude não bastasse, muitas vezes a criança é levada para a casa de outrem, evitando assim, que na mais tenra idade, ela estabeleça uma relação de proximidade com as questões relativas ao fim da vida. Mas, ela não passa imune por essa dissimulação, pois, em algum momento perceberá que houve uma mudança no contexto familiar, bem como poderá sentir “[...] um pesar irreparável, retendo esse incidente como uma experiência pavorosa, muito traumática, com adultos que não merecem sua confiança e com quem não terá mais condição de se entender”. (KUBLER-ROSS, 1998, p. 11).
Em contrapartida, as crianças são iniciadas, muito precocemente, nas questões relativas à sexualidade. Nesse sentido, a morte se tornou pornografia, sobre a qual nada se fala, bem como, pouco se expressa, a não ser de forma bem discreta ou solitária, como se realmente tratasse de uma masturbação, conforme acima mencionado. Sobre essa inversão de paradigma, Maranhão (2008) observa que, na medida em que a interdição relativa às questões da sexualidade vai se afrouxando, a morte gradativamente, vai ocupando o lugar da interdição.
Ainda, sob o ponto de vista sociológico, Torres (1983) afirma que ao transformar a morte em um tabu, a sociedade capitalista, tem por objetivo encobrir o sistema de desigualdades inerente à sua ideologia. A afirmação de que a morte é um processo natural, e que diante dela os seres humanos são iguais, nada mais é do que uma tendência ao ocultamento das desigualdades da vida, porque daria a aparência de natural e inevitável, a um sistema essencialmente causador das desigualdades. De acordo com essa concepção, falar sobre a morte significaria em última instância, denunciar uma sociedade que produz a desigualdade social. Assim sendo, pode-se pensar na interdição da morte, como um instrumento de manutenção das assimetrias sociais [2].
Nessa perspectiva, Torres (1983) afirma que para a lógica do capital, o homem vivo pode quase tudo, mas, em contrapartida morto ele já não pode mais nada. A morte é um sinal vermelho para um ser, cuja meta é a transformação do mundo. Sobre essa questão Torres (1983), ainda diz:
A linguagem tende, pouco a pouco a hipertrofiar-se em relação ao homem que vive; vai progressivamente, calar-se sobre o homem morto e sobre o homem que morre,chegando-se assim a esta sociedade atual, que envolve em proibição, tabu e silencia, todo o debate sobre o evento tanático, não proporcionando o homem meios de compreender sua morte e de controlar a angústia por ela gerada. (TORRES, 1983, p. 10).
Sob o ponto de vista da interdição da morte pode-se afirmar que a dinâmica capitalista é avassaladora, pois para ela, não basta privar o ser humano de sua agonia, luto, sofrimento ou da consciência em relação à sua finitude. Ela não se satisfaz em conferir o status de tabu às questões pertinentes à morte, de patologizar a velhice e anular os antepassados, de recusar algum status àqueles que estão na iminência da morte, porque são improdutivos para o sistema, tanto no sentido de produtores, quanto de consumidores dos objetos, que lhe proporcionariam felicidade suprema. Como não satisfeito com todos esses feitos, o sistema capitalista vai mais além, ao reduzir a experiência tanática a um resíduo irreconhecível. Nesse sentido, a morte para a dinâmica do capital, representa o nada. (TORRES, 1983).
O conteúdo semântico da morte desapareceu, porque ela já não é mais um atributo do destino, mas, só existe em relação ao sistema de produção, de troca e de consumo de mercadorias. O ser foi reduzido à condição de mercadoria. Logo, a morte se tornou o estado de não-consumação, de não produção. Desse modo, ao retirar a dimensão de destino inerente à morte, isto é, à sua função de acontecimento-obstáculo, a sociedade do mercado produz a reificação do homem (TORRES, 1983).
Numa sociedade cuja tônica é a produtividade e o consumo, até a utilização da palavra morte é evitada a todo e qualquer custo. Não obstante, utiliza-se de vários signos para designar o mesmo fenômeno. Assim sendo, numa linguagem hospitalar dize-se que o paciente expirou ou que veio a óbito. Já no contexto de guerra, quando há perdas no contingente militar, é dito que os soldados foram baixados ou afirma-se que eles tombaram no campo de batalha; para o meio da segurança pública, o disfarce é ainda mais dissimulado, porque o morto é qualificado como presunto. Desse modo, ao despersonalizar, desencarnar a morte ou coisificando o sujeito que morre, o homem moderno nega a realidade morte. (MARANHÃO, 2008).
A evidência da negação da morte e sua relação com o sistema capitalista transcendem os limites físicos dos hospitais, e inscrevem no âmbito das funerárias, as quais, tanto se colocam na condição de espaços especializados de preparação do morto, quanto se constituem em um poderoso comércio da morte na medida em que oferecem seus planos para morrer. Assim sendo, nossa sociedade vai se edificando sobre o paradoxo vida e morte, porque há, além dos planos de morte, os planos em favor da vida. É pois, através da aquisição de um plano funerário, plano de saúde, ou ainda, pela compra de uma fração de terra nos cemitérios que o homem moderno tende a afastar a morte da realidade da vida, quando muito, objetiva evitar embaraços futuros para aqueles que sobreviverão.
Segundo Maranhão (2008), nesta sociedade, os enterros são simples e rápidos, os cortejos nos centros urbanos são disfarçados e a prática da cremação está sendo cada vez mais utilizada. Da mesma forma o luto e o sofrimento tendem ser ocultados. Nesse contexto, o ser humano não sabe lidar com as questões relativas às perdas, porque estas contrariam a lógica da equação capitalista, a qual se baseia na acumulação do capital para ser feliz e, consequentemente, de jamais perder para não sofrer. A vivência do luto muitas vezes não é experimentada na sua dimensão natural, uma vez que se observa ser muito comum pessoas procurarem ajuda psicológica para vivenciar a fase que sucede a morte. Nesse sentido, pode-se afirmar que também existe um movimento, por parte da sociedade moderna, para desqualificar a dimensão do luto como parte da existência humana. Sobre o luto,
Maranhão (2008, p. 19), ainda diz que ele “[...] associa-se à ideia de morte. O prantear equivale às excreções de um vírus contagioso. O enlutado deve doravante ficar isolado, em quarentena”.
Sobre a relação da morte com o sistema capitalista Maranhão (2008) afirma que:
A morte é um resíduo irreconhecível. Ela não é mais um destino. O que existe é sua relação negativa com o sistema de produção, de troca e de consumo de mercadorias, é o estado de não produção de não consumação. Ao negar a experiência da morte e do morrer, a sociedade realiza a coisificação do homem. (MARANHÃO, 2008, p.19).
Na modernidade o homem também tende a negar a morte, na medida em que estabelece uma relação de causalidade entre ela e os atrasos da ciência, ou ainda, como consequência da imperícia médica. Nesse sentido, o homem moderno necessita encontrar uma causa particular para o acontecimento da morte, ou ainda,
de sempre buscar uma explicação alegando ser a causa da morte uma agressão vinda do exterior e que por isso, talvez pudesse ser evitada, como se evita qualquer outra enfermidade. Esta forma de negar a morte encontra sua justificativa no fato de o homem buscar, cada vez mais, exercer o controle sobre a vida e a morte, através do desenvolvimento tecnológico. Porém, quando ocorre uma falha desse controle consequentemente há uma denúncia da sua falibilidade, bem como, de sua impotência. Nessa perspectiva, a interdição da morte pode ser entendida pelo fato de o seu acontecimento possibilitar a abertura de uma ferida narcísica, no sentimento de onipotência do homem.
O desejo de controlar a vida e a morte, de acordo com o pensamento de Rodrigues (1983), está relacionado ao fato de que nas sociedades industrializadas há uma tendência no humano em supervalorizar as dimensões aleatórias da morte, isto é, em atribuir-lhe sempre uma causalidade, e suprimir o seu aspecto determinístico, e universal. Desse modo, a dimensão de fatalidade em relação à morte é cada vez mais exacerbada. Consequentemente, sua probabilidade tende a diminuir se esforços controladores forem despendidos para controlar os fatores aleatórios. Sob esse ponto de vista, ganha cada vez mais espaço, na sociedade modera e pós-moderna, a ideologia relativa aos cuidados que o homem deve ter com a preservação de sua saúde. Nesta lógica, os cuidados com o próprio corpo, o controle periódico da saúde, bem como, a observação das regras de segurança, são indispensáveis para a redução da probabilidade de morrer.
Destarte, a prática de congelamento dos corpos, utilizada nos dias atuais pelo homem na esperança de uma futura ressurreição para Maranhão (2008), quer evidenciar a obsessão humana em tornar o homem um ser imortal, bem como, o seu desejo de controlar a morte [3]. Nesse sentido, vimos o conhecimento humano a favor da repressão da morte junto à consciência do homem.

2.2.1 A Repressão Consciente da Morte

Sobre essa repressão em nível de consciência que o ser humano apresenta diante da morte, Kastenbaun e Aisenberg (1983) afirmam que sempre haverá uma lacuna, no sentido de que o homem jamais poderá construir uma imagem mental da morte. Esta impossibilidade, segundo eles, se deve sobretudo  ao fato de que sobre a morte o homem não tem nenhuma experiência a partir da qual possa falar. Nesse sentido, eles dizem que é muito mais fácil para o homem construir a imagem mental de um bicho papão, porque é mais acessível para a mente humana combinar e selecionar certos atributos de animais, com os quais ele teve a experiência, do que criar uma imagem mental da morte, porque ela é essencialmente uma não experiência. Ainda segundo os autores anteriormente citados, os nossos processos mentais naturalmente estão equipados para “[...] interpretar a vida ou os processos vitais melhor do que o estranho e o vazio”.
Apesar da existência dessa impossibilidade, os autores acima citados admitem que em alguns momentos o homem possa formar uma imagem mental da morte que se aproxime do real, na medida em que se depara com a morte de outrem ou de algum outro animal. Mas, segundo eles, isto não é suficiente para o preenchimento da lacuna existente, pois nesse caso a morte percebida foi a partir de uma perspectiva externa.
Contrapondo a essa ideia da morte como algo externo ao homem, Maranhão (2008) cita a concepção existencial do filósofo Martim Heidegger [4], o qual nos apresenta outro lugar ocupado pela morte. Para esse filósofo a morte faz parte da existência humana, é sua companheira inseparável, e, portanto um fenômeno inerente à experiência da vida. Por isso, ela jamais é um apêndice da existência humana, isto é, não é algo que vem de fora e muito menos é consequência de um acidente. De acordo com essa perspectiva o ser humano vive lado a lado com a morte basta nascer para torná-la sua companheira inseparável. Nesse sentido, assim que o homem nasce já tem a idade para morrer. A morte é condição necessária para a existência além de ser a única experiência que jamais pode ser transferida para outrem. Cada indivíduo tem de viver a sua própria morte [5].
Para aquele filósofo, a autenticidade do homem reside no fato de encarar a realidade da morte como algo intrínseco a ele e de viver em consonância com essa possibilidade. Vivendo assim é que o ser humano pode se lançar no mundo como projeto de ser. Não obstante, essa perspectiva heideggeriana também corrobora com a hipótese inicial desse trabalho, pois ao não negligenciar essa possibilidade o homem dá sentido à sua vida, uma vez que vive a convicção de que não tem tempo a perder mediante seus projetos de vida e que a cada dia o tempo consome um pouco de sua existência. Nessa perspectiva, o ser humano se lança na realização de seus projetos existenciais os quais só se concretizam em sua plenitude, na possibilidade da morte. Entretanto, diante dessa possibilidade, o homem se angustia. Esse sentimento invade o mais íntimo do ser humano, uma vez que, ao pensar na possibilidade de deixar de existir, pois nem sempre existiu, está implícita àquele sentimento, a seguinte interrogação: porque existe algo ao invés de existir o nada? (MARANHÃO, 2008).
Mas, Maranhão (2008) relata que para Heidegger, uma parte significativa dos homens tende a fugir da realidade da morte perdendo-se no anonimato das massas, alienando-se no medo de uma morte transformada num acontecimento impessoal. Em última instância, pode-se afirmar que esta fuga empreendida é relativa à angústia que por vezes lhe causa a sensação de um vazio existencial. Essa fuga é direcionada quase sempre para as ocupações do dia-a-dia através da busca ilimitada pelo prazer. Dessa forma, o homem pode esquecer que a única maneira de se realizar de modo autêntico é assumindo a responsabilidade decorrente do processo de viver.
Nesta mesma perspectiva existencialista, Maranhão (2008) apresenta outra visão sobre a morte cuja característica principal é a sua perspectiva externa representada pelo então filósofo Sartre. Esse pensador é taxativo quando fala da morte uma vez que para ele, tanto a morte quanto o nascimento, são da ordem do absurdo. Sob essa ótica não faz sentido que o homem viva. Ele nasce sem razão, prolonga-se por fraqueza e morre por acaso. A morte representa a impossibilidade de realização de qualquer projeto existencial, ela o interrompe de modo radical e violento, bem como, finda todo o sentido da existência enquanto aniquila as nossas possibilidades de ser. Ela é então uma alienação total e permanente de qualquer possibilidade humana. Nesse sentido, é algo que está fora de nós. Ela é a vitória definitiva do ponto de vista dos outros sobre o eu. É uma alienação fundamental porque não existe possibilidade alguma para superá-la [6].
Opondo-se ao paradoxo biológico da ideia de morte e à visão existencial, já mencionados, Torres (1983) diz que a morte é essencialmente contrária à natureza humana e que a angústia só se torna inteligível na medida em que o homem conta com o postulado de que existe outro lado em direção ao qual ele tende a afirmar a si mesmo, o que por sua vez revela o seu desejo de transcendência. Nesse sentido, essa estrutura ontológica pode ser comprovada na medida em que se considera a necessidade humana de sobrevivência. Do contrário, se a morte é interpretada como negação da existência, isso não passa de um reflexo de uma profunda descrença e negação da pessoa por ela mesma.
Continuando o seu raciocínio, Torres (1983) afirma que a consciência da morte caminha paralelo com o processo de individualização, entretanto, reconhece que embora a sociedade moderna seja rica em individualidades, está imersa em uma profunda crise no âmbito delas. Não obstante, é justamente essa crise que faz do tema da morte um tabu.
Similarmente ao pensamento acima explicitado, Morin (1977) também afirma que a consciência da morte advém na medida em que ocorre o processo de individualização e que o horror sentido pelo homem moderno em relação à morte está intimamente relacionado com o processo de putrefação e decomposição do corpo. Logo, o horror sentido pelo homem é em última instância o sentimento ou a consciência da perda de sua individualidade que se impõe como um evento traumático.
É justamente a perda da individualidade, pelo processo de putrefação, que Morin (1977) vai denominar de traumatismo de morte o qual se situa entre a consciência de morte e a aspiração da imortalidade, que por sua vez se fundamenta pelo reconhecimento da realidade biológica. Desse modo, quanto mais o homem toma consciência da perda de sua individualidade, mais ele ficará traumatizado. Todavia, ressalta que a mesma individualidade, que se revolta diante da morte é aquela que se afirma contra a morte.
A consciência da morte, o traumatismo dela e a crença na imortalidade, para Morin (1997) é um processo dialético e que se dá de maneira global, sempre sob o comando da afirmação da individualidade. Por um lado, a consciência da morte é responsável pelo traumatismo da morte, que por sua vez necessita da imortalidade, e por outro, é o traumatismo da morte que torna a consciência da morte mais real, assim como torna mais real o apelo da imortalidade, pois para Morin (1977, p. 35)
“[...] a força da aspiração à imortalidade é função da consciência da morte e do traumatismo da morte”.
Ainda de acordo com o pensamento moriniano a consciência da morte advém do mundo exterior por isso, é sempre surpreendido por ela. Nesse sentido, o ser humano abdica de seu caráter de necessidade para fazer dela um fato acidental. Desse modo, o mais importante a ser considerado é o fato de que a consciência do homem continua a ser assombrada pela inelutabilidade da morte. Em outras palavras, o autor está se referindo no sentimento de impotência que atormenta o homem quando este é colocado diante da morte. Mediante esse tormento, o ser humano vive uma cegueira diante da finitude que em ultima instância pode ser entendida como a repressão consciente da morte. Desse modo, ele vive como se não fosse morrer e qualquer atividade vital tem por finalidade eliminar todo o pensamento de morte tornando-a ausente do campo da consciência.
Nesse sentido, ao se mergulhar no presente o homem reprime o que ainda não está presente. Logo, quando o ser humano está imerso no processo de vida é que ele vive a cegueira da morte. Vive-se como se não fosse morrer, pois diante de uma vida de hábitos, de trabalho e cercada de atividades, não há espaço para a morte. Este espaço só é reconhecido na medida em que ele se volta para si mesmo. Mas, Morin (1997) ressalta que a inadaptação do homem em relação à consciência da morte é um tanto quanto relativa pois se o indivíduo não for capaz de suportar a ideia da morte ele morreria por ter de morrer, “[...] já que a morte, no mundo da vida, é a sanção de qualquer inadaptação absoluta”.  (MORIN, 1997, p. 76).

2.3 A Morte na Pós-Modernidade

A ideologia inerente ao processo capitalista, segundo Silva (2008), tem como meta incondicional a realização dos desejos individuais. Nesta perspectiva o indivíduo se orienta pela dinâmica do ter cada vez mais em detrimento do ser cada vez menos. Impulsionado por essa dinâmicaa crença do homem em sua imortalidade, atinge proporções imensuráveis.
Considerando a lógica inerente à ideologia do capital, pode-se afirmar que na sociedade contemporânea a relação do homem com a perda e a falta, não está isenta de uma intolerância às frustrações decorrentes daquelas. Então, se o desejo não for satisfeito, o sofrimento daí decorrente é da ordem do insuportável. Dando sequência ao seu pensamento, Silva (2008, p.12) afirma que “[...] sofremos aquilo que não temos, não dominamos, não compreendemos. A morte por vezes aponta-nos todos esses dados”. De outro modo, o autor mencionado pontua a existência de uma relação dialética inerente ao processo de interdição da morte. Por um lado, ao empreender esforços para interditá-la, o homem está revelando sua incapacidade de lidar com suas frustrações, e por outro, ao não sublimar suas frustrações é que ele produz o fenômeno da interdição da morte. É, pois, somente diante de uma impossibilidade de realização de um desejo, que muitas vezes o homem contemporâneo se depara com a sua própria finitude. Todavia, é pela experiência da morte que a finitude se apresenta como tal, colocando o homem frente ao sofrimento.
Diante de sua realidade finita o homem se sente impotente para transformar esta mesma realidade. Mais um paradoxo se apresenta a ele na medida em que é também um ser dotado de vontade e inteligência, mas, que em relação à experiência da morte, nada pode fazer além de aceitá-la como um acontecimento inexorável. Para Silva (2008) é justamente pelo fato de não admitir a sua impotência diante da morte, que a relação do homem para com ela, é de negação. Mas, em última instância, o que é negado nessa impossibilidade é o desejo humano de ser imortal. Todavia, ao negar a morte consequentemente o homem se distancia dela, causando-lhe assim, sofrimento e solidão. Pois, é justamente no momento da morte que o indivíduo se vê na necessidade de se expressar, de se reconciliar consigo e com os outros, como acontecia na “morte domada” na Idade Média, o que por vezes devia ter seus benefícios psicológicos para o moribundo.
Papalia e Olds (2006) afirmam que apesar da sociedade contemporânea ter trazido um aumento da expectativa de vida, graças às contribuições no campo da medicina, afirmam que esta mesma sociedade trouxe também vários outros problemas nas esferas, econômica e social. Dessa forma, possibilitou que a morte retornasse ao cenário do cotidiano, tornando-se assim, um fato a não ser negado. Epidemias como a AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - a violência, o alto consumo de drogas e a pobreza começam a fazer parte desse novo contexto. Entretanto, esse cenário traz um elemento importante para a consciência humana que vai interferir na relação homem-morte. O autor supracitado se refere ao fato de que os problemas advindos com a sociedade pós-moderna, têm como principal agente causador o próprio homem, cabendo-lhe inovar seus conhecimentos para prolongar a vida. Mas, ao se implicar nessa tarefa, o homem continua a interditar a morte.
Assim sendo, a morte, ainda que ocorra de forma escancarada não se desvencilha do adjetivo interdição pois, abordá-la como um acontecimento natural, seria como compactuar com a abertura de sua própria ferida narcísica, uma vez que foi o próprio homem o responsável pela sociedade, do progresso. Em uma palavra, desinterditar a morte significaria a realização de um movimento do ser humano contra si próprio. Desse modo, persiste a lógica de que a morte é sempre causada por um agente externo, que além ser identificado precisa ser erradicado mantendo-se a morte distante de sua dimensão natural e, por isso, se mantêm interdita.
Consequentemente ao aumento da expectativa de vida, a baixa incidência da morte na população jovem, é outro aspecto importante a ser considerado, na sociedade contemporânea. Este fenômeno possibilitou a consciência de que nessa fase da vida, a morte seja considerada algo obsoleto, ao mesmo tempo em que ratifica a consciência de que ela é um acontecimento restrito àquelas pessoas que se tornaram velhas. Sendo assim, predomina nessa sociedade, a ideia de que morrer jovem não é natural, logo, as mortes não naturais são automaticamente associadas à juventude. (KASTENBAUN, 1983).
Sobre a negação da morte no nível pessoal, Maranhão (2008) reconhece que na atualidade ela recebe dos meios de comunicação, sobretudo da televisão, o reforço de que necessita para se manter no plano da impessoalidade. Nessa mesma perspectiva, Verdade (2008) diz que, apesar de a morte ser apresentada de modo escancarado e recorrente, através de sucessivas cenas de morte e de violência, por aquele meio de comunicação ainda causa um impacto muito grande nos indivíduos. Devido ao grande volume de informações e imagens veiculadas por aquele instrumento num ritmo muito acelerado, não há tempo para se digerir o que se vê e nem o que se houve a respeito da morte. Assim sendo, essa maneira de apresentar a morte em nada contribui para a realização de uma reflexão mais profunda sobre o tema da finitude. Diante desse cenário percebe-se que ao mesmo tempo em que a temática da morte não é discutida entre as pessoas, o acontecimento morte se faz companheiro do seu dia-a-dia, através das imagens que invadem seus domicílios atingindo a todos indistintamente. Mesmo, convivendo indiscriminadamente com a morte, percebe-se uma grande dificuldade para se falar sobre ela, bem como em comunicá-la a uma pessoa próxima.
Continuando nessa linha de raciocínio, pode-se inferir que o fato de a morte ser assistida contribui para que permaneça a ideia de que em relação a ela o homem não passa de um mero espectador, reforçando assim, a consciência de que a morte é algo que está fora do ser humano, bem como, a ideia de que ela só acontece com os outros e do outro lado da tela.
No decorrer da história percebeu-se que a mudança de atitude do homem para com a morte, mudou conforme os paradigmas instaurados paulatinamente ao longo do tempo. Assim sendo, na Idade Média diante do modelo teocêntrico, da crença na vida pós-morte e da ausência de recursos nas áreas médicas, o homem e morte tiveram uma relação de maior proximidade, porém não menos angustiante. Todavia, na Idade Moderna perante o paradigma antropocêntrico, à secularização e aos avanços das ciências médicas, a relação do homem para com a morte passa de natural e próxima, para algo que lhe é estranho e distante. Como se não bastasse a era pós-moderna continua o projeto antropocêntrico da modernidade, levando-o às últimas consequencias.

3. A Interdição da Morte no Processo do Desenvolvimento Humano

Nesse capítulo a morte será apresentada para além de uma concepção realística, isto é, numa perspectiva simbólica que ocorre em razão da transição de uma à outra fase do desenvolvimento, uma vez que sua vivência faz-se necessária para que o sujeito não fique estagnado na fase anterior. Não obstante, será também apresentado nesse tópico, o modo pelo qual o processo de interdição daquele fenômeno ocorre nas várias etapas do desenvolvimento humano. Para tanto, esta seção também se encontra organizada didaticamente. Em primeiro lugar, serão abordadas algumas situações de vulnerabilidade pelas quais o ser humano passa em face da sua existência, e, posteriormente, discorrer-se-á sobre a concepção da morte na infância, na adolescência, na vida adulta e na velhice, em cujas passagens, se constatou a vivência do luto tal como é experimentada diante da perda real.
Kovács (1996) afirma que, no processo do desenvolvimento humano, as experiências perdas pelas quais o indivíduo passa em virtude das vivências de separação, desemprego, doença, podem ser comparadas àquelas vividas em face da morte. Todavia, ressalta-se que nesta ocorre uma perda real, enquanto naquelas não. Além dessas experiências Alves (2008) menciona que o término ou a interrupção de um projeto também traz a dimensão de perda, visto que, ao fazer escolhas, consequentemente o ser humano decreta a morte da outra possibilidade que não foi escolhida.
Sobre a separação, Kovács (1996) escreve que ela é uma experiência universal, totavia, reconhece que cada um a experimenta de modo singular. Entretanto, entre a perda real e a separação vividas pela criança em relação à mãe, ou diante daquelas vividas por casais, existe um elemento comum, qual seja, a vivência do luto. Segundo Combinato e Queiroz (2006), na vivência da separação há sempre a possibilidade do indivíduo perder o sentido da vida juntamente com o perdido. Diante dessa possibilidade faz-se necessária a reconstrução da vida sem o outro. A doença como sinônimo de fraqueza e punição é também outra forma de morte, pois coloca o indivíduo frente à sua fragilidade e finitude.
Nas diversas etapas que compreendem o desenvolvimento humano, o homem convive simultaneamente com a questão da vida e da morte. Na passagem de uma etapa da vida para a outra (infância - adolescência - adulta - velhice), ocorre uma forma simbólica de morte, pois em cada uma das travessias, há de se perder algumas das características da fase anterior para iniciar a fase subsequente atingindo assim, uma nova vida. Sobre esse processo, Silva (2008) diz da existência de uma lógica própria do desenvolvimento humano, cujo cerne é perder para ganhar.
Kovács (1996) também reconhece a presença simbólica da morte nas várias etapas do desenvolvimento humano e, por isso afirma a necessidade do ego em abdicar-se da fase anterior para iniciar a nova porque só dessa forma a estagnação poderá ser evitada, ou seja, a morte em vida. Para ilustrar esta questão, Silva (2008) utiliza-se da imagem do nascimento no qual para ganhar a vida, o bebê necessariamente, tem de perder o útero passando para um mundo totalmente desconhecido a ele. Em uma palavra, vida e morte fazem parte de um mesmo processo.
O fato de a morte ser um acontecimento desconhecido em termos empíricos, como já mencionado no início desse trabalho, é o que talvez lhe possibilite uma vasta gama de representações. Cada um de nós traz a representação de sua própria morte atribuindo-lhe personificações, qualidades e formas. A essa concepção, Kovács, (1992) acrescenta a ideia de que o comportamento do homem, ao longo de sua existência poderá ser determinado por essa representação. É a partir desse princípio que a autora mencionada pensa na questão da morte como um acontecimento múltiplo, que se dá durante todo o processo evolutivo. Dito de outra maneira, é como se a morte pudesse advir à presença do homem em pequenas doses. Consequentemente pode se pensar que com o passar dos anos, a representação que cada pessoa tem da morte vai se transformando, bem como o seu comportamento diante da vida vai se adequando às transformações.
Nesta perspectiva, vida e morte estão intimamente relacionadas. Logo, os indivíduos que pensam que a morte é um acontecimento que se encontra lá no final da vida estão completamente equivocados. Segundo Kovács (1992) pode o homem até tentar assassinar a morte, como tentou fazer a filosofia e a maneira de viver ditada pelo século vinte, mas que não lograram êxito algum.
Similarmente a esse pensamento, Kastenbaun e Aisenberg (1983) ao considerarem a questão da morte numa perspectiva da cognição, apontam para a relativização desse conceito em função do processo de desenvolvimento humano.
Mas, ainda que considerada sob o ponto de vista da cognição a relatividade do conceito de morte está presente de diferentes modos em cada fase da vida. Além da perspectiva do desenvolvimento, o conceito sobre a morte também varia conforme o contexto. Mas, o fato é que para os autores as proposições sobre a morte vão se relacionar diretamente com o tipo de comportamento que o indivíduo apresentará.

3.1 A Criança e a  Morte

Desde a mais tenra idade a criança começa a experimentar o sentimento de morte ainda que os dispositivos de sua cognição não estejam prontos para compreendê-la. É, pois, diante da ausência da mãe que o sentimento de perda, e, portanto, de morte, se inserem no universo psíquico do pequeno vivente, pois sente que ela não é onipresente. Diante desta ausência a criança se percebe só e desamparada mesmo que suas necessidades biológicas sejam supridas por outrem que venha minimizar o tempo dessa ausência. Mas, são estas pequenas ausências impressas no psiquismo infantil que conferem uma das mais fortes e significativas representações da morte pelas quais o ser humano vive, pois o sentimento de ausência, perda, separação, e, consequentemente, a vivência da experiência de aniquilação e de desamparo, é que estão impressas nas representações que o homem tem em relação à morte vivida como o fim da vida (KOVÁCS, 1992).
Além dessa forma de impressão psíquica, a autora menciona que a representação de morte também pode ser inscrita no psiquismo infantil, considerando que a relação mãe-bebê tenha sido caracterizada por uma simbiose [7] permanente. Desse modo, aqueles sentimentos proporcionados pela ausência materna, não são experimentados pela criança. Em consequência dessa não falta, o indivíduo que se encontra em processo de crescimento não adquire as habilidades necessárias para lidar com as situações da vida que, porventura possam lhe causar frustrações. Esta forma de representação da morte é comumente encontrada em indivíduos que tentam suicídio diante de situações insuportáveis. De acordo com o pensamento de Kovács (1992), o modo pelo qual se processou a relação mãe-bebê, é que possibilitará, a representação que o futuro adulto terá dá morte e, consequentemente, poderá influenciar no tipo de comportamento que apresentará no curso da vida, bem como, na sua maneira de relacionar-se com a morte.
Similarmente à concepção de Kovács, acima exposta, Kastenbaun e Aisenberg (1983) afirmam que a criança tem como referencial de apreensão da morte, o seu quadro perceptivo. Nesse sentido, as ausências da mãe estão diretamente relacionadas com as categorias espaciais e temporais. Sendo assim, a ausência da figura materna tem seus efeitos no senso de segurança da criança, no qual predomina o sentimento de abandono. Além de ter a consciência da ausência de uma figura essencial para ela, tem também a sensação do sentimento de desconforto. Conjugados, ausência e sentimento de abandono, contribuem para o senso de separação. Esta, por sua vez, não tem limites visto que a criança ainda não tem desenvolvida a noção de curto e longo espaço de tempo, pois para ela o tempo tem por referência a satisfação ou não de suas necessidades instintuais. Então, o que se percebe é que as experiências de separação estão em um conflito constante com os ritmos psicobiológicos da criança.
Mas, fato importante a ser percebido, é que o estado psicobiológico é sempre transitório, bem como, o ambiente no qual a criança está inserida. Por isso, não há como esperar um quadro de referência durante um período prolongado. Esse funcionamento cíclico infantil faz a criança “[...] antecipar que todo fim tem um novo começo, assim como todo começo tem um fim”. (KASTENBAUN; AISENBERG, 1983, p. 7). Considerando a impossibilidade de abstração própria da cognição infantil até uma determinada faixa etária, associada ao seu funcionamento biológico cíclico, pode-se pensar que foi dessa forma, que a noção de irreversibilidade da morte se inscreveu na psiquê infantil.
Sob o ponto de vista da cognição, a criança até os dois anos de idade, não tem uma compreensão racional da morte, devido à sua incapacidade de abstração. Neste ponto os psicólogos do desenvolvimento estão de acordo com Piaget [8], para o qual o pensamento infantil passa por diversos estágios [9]. Nesse sentido, afirmam Kastenbaun e Aisenberg (1983), que só no período da adolescência a criança consolida a sua capacidade de abstração. Estágio este é denominado por Piaget, de “operações formais”. Mas, apesar de reconhecerem que a capacidade de abstração da morte, só se dê na adolescência, Kastenbaum e Aisenberg (1983) consideram essencial que as crianças aprendam algo sobre ela, pois entre os pólos de não compreensão e a capacidade de abstração, há segundo eles, várias maneiras para que a mente humana possa se haver com a morte.
Desse modo, mesmo em termos da linguagem coloquial utilizada pelos adultos, a palavra morte quando presente na construção de alguma metáfora, como, por exemplo, “morto de fome”, poderá causar confusão para a criança que está procurando compreender a morte, uma vez que essa formulação dá um sentido de ambiguidade para a questão. Além disso, o contato que a criança possa vir a ter com a morte pode contribuir para o surgimento de algum distúrbio, tanto emocional quanto comportamental, sobretudo, quando os adultos decretam silêncio diante daquele acontecimento (KASTENBAUN; AISENBERG, 1983).
Entretanto, apesar de não ter a capacidade de adquirir um conhecimento abstrato sobre a questão da morte, a criança na mais tenra idade é afetada pela questão da finitude humana transformando-a num dos mais importantes desafios intelectuais, em torno do qual ela empenhará todos os esforços na tentativa de desvendar o mistério. É bastante comum quando uma pessoa próxima à criança morre, que ela tema que outras pessoas, também próximas a ela, deixem-na também pela morte. Logo, o medo da separação pode aumentar e perguntas sobre o destino humano podem emergir. Mas, sobre a questão do medo da morte, nos ocuparemos no último capítulo desse trabalho.
Diferenciando-se do pensamento de Kastenbaun e Aisenberg (1983) no que diz respeito ao aspecto cronológico, Becker (2010) considera que a criança não tem conhecimento da morte até por volta dos cinco anos de idade. Segundo ele, até essa idade ela não tem a consciência do que seja desaparecer para sempre, pois ao seu redor está o mundo repleto de coisas vivas. Ao analisar a proposição de Freud, de que para o inconsciente a morte não existe, Becker (2010) afirma que o fato de os bebês terem sido bem atendidos em suas necessidades básicas, pode ter influenciado o criador da Psicanálise, a fazer a referida afirmação. Pois, na visão de Becker (2010), nutridas em suas necessidades fisiológicas e afetivas, as crianças desenvolverão o sentimento
[...] de onipotência mágica, de indestrutibilidade, de poder comprovado e de apoio seguro. Ela pode imaginar-se, lá no fundo eterna. Poderíamos dizer que a sua repressão da idéia da morte lhe é facilitada porque ela, a criança, na sua vitalidade muito narcísica, está fortalecida contra tal idéia [...]. Seja como for, sabemos que o narcisismo básico é aumentado quanto às experiências da infância do indivíduo são apoiadoras da vida e reforçam afetuosamente o sentimento do eu, de ser realmente especial, verdadeiramente o Número Um na criação. (BECKER, 2010, p. 43).
Mas, apesar de fazer uma belíssima análise da proposição freudiana, Becker (2010) não a considera como única maneira de analisar o processo de interdição da morte. Não obstante, segundo ele para os psiquiatras, a intensidade do temor da morte vivida por cada sujeito varia de acordo com processo de evolução de cada pessoa, durante o qual, esse sentimento passa por algumas transformações. É Nesse sentido que o autor acima mencionado se refere ao processo de identificação dos filhos em relação aos pais, como um forte aliado para a criança reprimir a morte. Portanto, se ela foi bem cuidada pelos pais, não terá dificuldades para se identificar com eles e, consequentemente, identificará com o mesmo triunfo que porventura, seus pais tenham conquistado em relação à morte.
Entretanto, em conformidade ao pensamento de Kastenbaun e Aisenberg (1983), Becker (2010) também afirma que a criança não está equipada cognitivamente para lidar com a questão do paradoxo da existência humana, qual seja, ser metade animal e metade simbólico, uma vez que, sua forma de apreender o mundo é pelos sentidos onde o corpo é o interposto desse aprendizado. Diante da impossibilidade, de compreender as questões que a circunda, continua a cair sobre o corpo do pequeno ser, durante o seu processo de desenvolvimento, todas as impressões, bem como, continuam a brotar sensações diante das quais seu corpo continua a ser inundado. Mas, de alguma forma ele tem que entender tais impressões, sobrepondo-as. No entanto, tal tentativa é vã, uma vez que é muito criança para compreender o dilema existencial. As crianças, segundo Becker, (2010)
[...] se sentem assombradas por símbolos cuja necessidade elas não entendem, ordens verbais que parecem desprovidas de significação, e regras e códigos que as afastam de seus prazeres, expressão direta de suas energias naturais. E quando tentam dominar o corpo, fingir que ele não existe, agir “como um homenzinho”, o corpo subitamente as domina, afunda-as em vômitos e excrementos – a criança chora de desespero por ver desintegrada a sua pretensão de ser um animal puramente simbólico. (BECKER, 2010, p. 51).
Devido ao fato de a criança ser muito observadora é que se torna indispensável conversar com ela sobre o processo de separação, pois dessa forma, as questões suscitadas pela morte poderão ser mais bem trabalhadas na infância. Kovács (1992) afirma que a atitude de evitar falar sobre a morte com a criança poderá exacerbar o sentimento de angústia e de desamparo. De outro modo, falar sobre a dor da perda contribui, significativamente para que a criança elabore o seu luto, pois na visão de Kubler-Ross, (1998)
O fato de permitirem que as crianças continuem em casa, onde ocorreu uma desgraça, e participem da conversa, das discussões e dos temores, faz com que não se sintam sozinhas na dor, dando-lhes o conforto de uma responsabilidade e luto compartilhados. É uma preparação gradual, um incentivo para que encarem a morte como parte da vida, uma experiência que pode ajudá-las a crescer e amadurecer. (KUBLER-ROSS, 1998, p.10).
Não obstante, para Kovács (1992) faz-se necessário a realização de um trabalho de desidentificação e desinvestimento de energia, a fim de que o objeto perdido seja introjetado na forma de lembrança, de palavras, ou ainda, de atos, bem como, a possibilidade de investimento de energia a fim de que outro objeto possa emergir. Quando isso não ocorre a criança pode se sentir culpada pela morte do outro como consequência de seus impulsos destrutivos. Em decorrência disso pode surgir a necessidade de se reunir com o objeto perdido, a fim de que possa reparar os seus erros, ou ainda, como uma forma de punição. Segundo Kubler-Ross (1998), essa possibilidade pode se tornar real, visto que, para o inconsciente, desejo e realidade se confundem. Assim sendo, a criança não distingue entre o desejo de matar alguém em função do impulso raiva, por exemplo, e o ato de tê-lo praticado.
Por isso, ela poderá se culpabilizar, a qualquer tempo, pela morte daquele que foi o alvo do seu impulso destrutivo.
À medida que a criança se desenvolve afetivamente é inevitável que ela se depare com a morte efetivamente, e que, se esforce para compreender o que se passa. É comum que as crianças ao se depararem com a morte de algum ser vivo percebam qualquer mudança nesse ser, quando comparado à época em que estava vivo.
Acompanhando o seu desenvolvimento afetivo, gradativamente a criança vai percebendo a diferença entre a morte, que ela presencia de alguém da família, em relação àquela que assiste no desenho animado. Neste, é muito comum que o personagem retorne, enquanto naquela, essa possibilidade é remota. Estas formas de morte podem causar confusão no imaginário infantil, tornando assim a morte um acontecimento reversível. Desse modo a criança vive sobre o prisma de uma contradição que lhe causa uma grande confusão. Mas, segundo Kovács (1992) esta confusão vai, gradativamente, sendo desfeita e tem como mola mestra a explicação e as emoções decorrentes do acontecimento morte. Assim sendo, a autora, acima citada enfatiza a questão do sofrimento e do processo de luto vividos pelas crianças, como experiências que vão contribuir para a compreensão da morte. Nesse processo de luto, ela percebe uma mudança de comportamento por parte dos adultos, através da qual poderá expressar a sua dor.
Mas, diante do pensamento mágico e da onipotência infantis, sempre fica um questionamento para a criança no sentido de que, se os outros seres humanos morrem ela também morrerá. Nesse sentido, reproduz a história da humanidade que sempre desejou, lá no seu íntimo combater a morte, tornando-se assim um super-homem.
Por outro lado, quando a criança se coloca diante de seu adormecer ela se depara com outra realidade que a amedronta. Sonha com monstros, dragões e com seus fantasmas ameaçadores. Desse modo, a morte passa a adquirir o contorno de algo totalmente desconhecido e mal, que pode lhe acontecer. Ao olhar para o mundo à sua volta a criança passa a perceber as várias faces inerentes à morte tais como, a violência que vê nas ruas ou que assista pela televisão. Além disso, passa a notar que a morte pode dar-se de modo repentino e casual. É também em função da sua crença de que a morte só acontece com os outros, que a criança encontra proteção doravante ao perigo da morte. Desse modo, pode-se entender que ela dispõe de mecanismos para interditar a morte afastando-a para bem longe de si.
Torres (1983) ao analisar o desenvolvimento humano a partir de uma abordagem psicanalítica existencial, afirma categoricamente que as diversas fases que o compreendem, são uma forma de protestar contra o acidente da morte. Considerando o pensamento mágico e onipotente presentes na infância, como se acaba de verificar, a criança tende a manipular o mundo de forma que este esteja em favor do seu próprio engrandecimento. Antes mesmos de ter uma compreensão sobre o fim da vida, a criança já não mede esforços para se proteger contra a vulnerabilidade da morte. Destarte, essa busca por proteção se dá a nível inconsciente.
Ao se utilizar da teoria do desenvolvimento psicossexual freudiana [10], Torres (1983) afirma que, desde a fase oral, a criança se esforça por controlar, magicamente, o mundo que está à sua volta, mantendo-se assim, a sua onipotência. A título de ilustração, esta tendência pode ser visivelmente constatada através do choro emitido por ela a partir de uma situação de desconforto, através qual objetiva a satisfação de uma necessidade fisiológica. Considerando esse comportamento, pode-se constatar seu empenho, inconsciente, para exercer um controle sobre o mundo à sua volta.
Mas, segundo Torres (1983), o projeto narcisista infantil não para por aí. Ele se estende para a fase anal e fálica. Em relação à primeira, a posse e a dominação do mundo exterior, são alcançadas através do autocontrole. Em relação à fase anal a criança revela o dualismo humano, porque descobre que seu corpo é falível e estranho, e que tem sobre ele, uma ascendência definitiva devido às suas exigências. Nesse sentido, o ânus além de representar um determinismo físico, também simboliza o destino de tudo aquilo que é físico, decadência e morte. Esta fase do desenvolvimento representa então, a proteção dos acidentes da vida, bem como dos perigos da morte.
Em relação à fase fálica, Torres (1983) diz que o “Complexo de Édipo” [11] é o centro do desenvolvimento infantil, porque é a partir dela que está traçado o seu projeto de vida. Nesta fase se apresentam as possibilidades pelas quais o sujeito vai se posicionar frente à vida. Tanto ele poderá se colocar no mundo de forma passiva quanto de forma ativa de modo a ser sujeito ou de estar sujeito ao seu próprio destino. Mas, em última instância, é através daquele complexo que o futuro adulto, tem a possibilidade se esquivar da passividade. Nesse sentido, a criança visa a conquistar a morte ao se projetar para o desejo de ser o pai de si mesmo, bem como, o de tornar-se criador e responsável por sua própria vida. Ao lançar-se neste projeto de ser o pai de si próprio, há pois, o desejo de exercer um controle sobre a vida e de domar a morte.

3.2 O Adolescente e a Morte

Na fase da adolescência é natural que o curso do amadurecimento deixe para trás os pensamentos, o corpo, as ideias e os pais infantis. Por isso, pode-se dizer que este é um momento em que o adolescente vivencia vários lutos. Nesta fase da vida seu propósito é ascender-se na busca pelo conhecimento, tornar-se adulto, rumo à construção de sua identidade. Sua personalidade está implicada com as diversas situações desafiadoras. Entretanto, se sente mais forte e poderoso do que aquela criança que foi um dia. Ele se vê diante de um complexo de possibilidades de criação e execução, onde os limites são restritivos de sua razão e de sua maturidade. Esta ideia é muitas vezes reforçada pelo mundo das representações figurativas, no qual os heróis são geralmente representados por pessoas jovens, fortes e belas, não havendo assim lugar para o fracasso, a derrota e a morte (KOVÁCS, 1992).
Desse modo, pode-se constatar que nesta etapa da vida a morte é uma possibilidade remota. Assim sendo, a adolescência é a fase do desenvolvimento humano que melhor retrata a relação de negação do homem para com a morte apresentada nesse trabalho, visto que, na sociedade moderna e pós-moderna, a morte é entendida como fracasso, derrota e incompetência. Nesse sentido, Kovács (1992) denomina estas sociedades de adolescentes.
Sob o ponto de vista do desenvolvimento cognitivo, o adolescente já é capaz de fazer abstrações como dito anteriormente, e por isso, está preparado para compreender tanto a característica da irreversibilidade, quanto da universalidade da morte. Porém, sob a ótica emocional o tema da finitude não faz parte da sua dinâmica de vida (KOVÁCS, 1992).
Movido pela construção de sua identidade o adolescente volta toda sua energia para o mundo exterior, cuja construção necessita de poder e força. Assim sendo, enquanto possibilidade pessoal a morte é vista à distância. O espírito heróico, que confere o sentimento de onipotência ao adolescente, ao mesmo tempo em que não dá espaço para a morte, o coloca diante da iminência dela. É, pois no ato de desafiar a vida, que a morte tanto do outro quanto de si próprio pode estar ali bem próxima. (KOVÁCS, 1992). Diante desse fato iminente torna-se indispensável um estudo futuro sobre o tema da morte, no qual possa ser realizada uma análise mais aprofundada sobre esse acontecimento na adolescência, visto que, muitas vezes, as mortes decorrentes desse espírito heróico podem ocultar a morte por suicídio.
Mesmo assim, a morte continua a ser uma possibilidade quase inexistente, não pelo fato de que o adolescente ainda não tenha superado a ideia infantil da reversibilidade, mas, por considerar, o acontecimento morte, como consequência da falta de habilidade ou imperícia, decorrentes do espírito heróico. Desse modo, para o adolescente, a morte só acontece com alguém na medida em que, não for habilidoso o suficiente, para manejar uma situação de risco, diante da qual uma pessoa possa se deparar. Partindo desse pressuposto, ele próprio acredita que não morrerá, porque não vai incorrer no mesmo equívoco. Implícito a essa questão está também o desejo ontológico de ser imortal. Para Kovács (1992), esta onipotência adolescente só é vivida na sua exterioridade, porque, lá no mais íntimo de seu ser, ele se pergunta pelo próprio fim. Nesse sentido, é comum da personalidade adolescente, a existência de uma ambiguidade, a qual pode ser expressa pela atitude em exteriorizar as suas forças e a camuflar ou interiorizar, as suas fraquezas.

3.3 O Adulto e a Morte

Em termos cronológicos, torna-se complexo demarcar os limites de quando começa e quando termina a fase adulta. Então, cabe afirmar que ela se inicia após a adolescência e termina com o advento da velhice. Na fase adulta o ser humano tende a volta-se mais para o social, para o qual empreende esforços em prol do seu desenvolvimento, bem como, para a consolidação no campo dos relacionamentos afetivos, expresso, sobretudo, pela construção da família, para os quais um quantumsignificativo de energia é despendido. Diante desse empreendimento poderá não haver espaço para a morte na consciência do indivíduo adulto (KOVÁCS, 1992).
Nesta fase da vida é comum que os indivíduos façam um balanço de suas vidas. Nesse sentido, os acontecimentos ao longo da existência possibilitam uma avaliação visando a perceber o que foi alcançado em termos de profissão, de posses, família, filhos, etc. Na fase adulta ocorre uma transformação interna a respeito da consciência da morte, que pode ser traduzida pela percepção de que, aquele acontecimento, além de ocorrer com os outros também está susceptível a ocorrer com ele. Em decorrência da consciência dessa nova possibilidade é que o indivíduo tende a resignificar a sua vida. Esta ressignificação pode ser expressa pela ideia de que não se tem muito tempo pela frente e, por isso, cada momento tem de ser bem vivido. Assim sendo, os limites não mais são extrapolados, mas são vividos na forma de conhecimento e aceitação. Não obstante, nesta fase da vida, a morte tem o significado de mistério, poder e força (KOVÁCS, 1992).

3.4 O Velho e a Morte

Ao afirmar que na sociedade moderna a morte é sujeito ausente do discurso Torres (1983) confere, semanticamente, àquele acontecimento, status diferente ao que confere para a expressão, “velho”. Segundo ela a palavra velho de sujeito, passa à categoria de adjetivo, em relação ao qual a ordem social é o silêncio, assim como ocorreu com a morte na modernidade e pós-modernidade. Além disso, para Kovács e Vaícíunas (2008, p. 97), “A palavra „velho‟ carrega a conotação de antigo, gasto e sem valor, perdendo a qualidade que existia em outros tempos e culturas de valor e sabedoria”.
Entretanto, ainda que seja feita essa diferença semântica entre os termos, morte e velho, muitas vezes a velhice é associada com a questão da morte, porque assim como para a sociedade capitalista o corpo do morto é coisificado, o velho também deixa de ser funcional para se tornar um peso para a seguridade social. Assim sendo, ele já não é mais capaz de contribuir para a tão obcecada felicidade humana. A ele é atribuído “[...] tudo que é decaído, feio, inútil, improdutivo e pejorativo”. (TORRES, 1983, p. 7). Este olhar para a terceira idade, na concepção da autora citada, só faz por desqualificar o idoso, além de reforçar a existência das limitações, decorrentes do aspecto biológico.
Ao invés de promover o resgate da condição de sujeito inerente ao idoso procurando identificar o quanto ele foi importante para as gerações que o sucederam, a sociedade contemporânea torna cada vez mais complexa a relação da velhice com a morte, pois através do tratamento infantil que muitas vezes é dispensado aos idosos no âmbito familiar, e pela atitude de depositá-los em Instituições de Longa Permanência [12], decreta a sua desqualificação de sujeito. Não obstante, esta sociedade adotou para com a velhice comportamento similar àquele conferido à morte, isto é, retirou-a do espaço público e a confinou nos limites do espaço privado, além de direcioná-la a especialistas (Ó, s/d) [13]. Estas atitudes para com o velho podem ser a causa de muitos suicídios e depressões, nesta fase da vida. Para Kovács e Vaícíunas (2008), o estado depressivo pode ser uma forma de morte simbólica, que por não ser devidamente tratada, pode ser entendida como sendo algo típico da velhice.
Segundo Ó, (s/d), o homem moderno parece saber cada vez menos de si próprio e, consequentemente, está mais dependente de saberes especializados tanto para viver quanto para morrer. No entanto, esse parece ser o instrumento através do qual a sociedade racionalista mantém sua estrutura hierárquica e de desigualdades sociais além de manter controle sobre as emoções dos indivíduos em nome do ideal de civilidade. Ademais, o referido autor considera que os instintos individuais foram subjugados à cultura inerente àquela sociedade, bem como, a felicidade se constitui em satisfação e em gozo permanentes do indivíduo como prática de individualização. Consequentemente restaram aos velhos a culpa pela sua decadência e o isolamento em instituições especializadas, retirando-lhes assim o direito de conviver socialmente. E assim sendo, as gerações mais novas vão se tornando cada vez mais insensíveis em relação às gerações mais velhas.
Com o aumento da expectativa de vida além de não ser possível precisar um limite cronológico para o término da velhice, ela deixa de ser a última etapa do desenvolvimento humano para ser a fase pela qual o homem passa a maior parte da sua vida, embora se saiba que seu fim é a morte. (SANTANA, 2008). Esta ideia de que a velhice é só mais uma fase da vida e não a última está em plena sintonia com a ideologia dos cuidados paliativos. Mas, por ser esta uma fase onde as perdas reais são visivelmente perceptíveis, (corporais, financeiras, produtividade, o exercício da sexualidade, a identidade profissional, as economias, o lazer e a perspectiva de futuro), é também o momento da vida em que se encontram os estigmas mais negativos.
Além das perdas visíveis Kovács e Vaícíunas (2008) asseveram que durante o processo de envelhecimento, o sujeito se depara com a perda de si expressa sobretudo, pela morte de uma pessoa da mesma faixa etária, ou ainda, pela perda do cônjuge, com o qual partilhou uma parte significativa de sua vida. Desse modo, pode advir o sentimento de que um pedaço de si foi-se embora, e de que continuará a jornada sozinha.
Mas, apesar das limitações inerentes ao processo de envelhecimento e, de ser o período da vida em que a morte se constitui numa possibilidade pessoal, é nesta etapa do desenvolvimento humano que se torna propício fazer um balanço da existência, bem como se constitui num momento propício para ressignificar a vida, como afirmam Kovács e Vaícíunas (2008). Nesse sentido, Rosenberg (1992) [14] constata que nessa fase do desenvolvimento a pessoa está mais realizada e livre para escolher. Desse modo, é na velhice que a busca de sentido para existência humana atinge o seu apogeu, além de se constituir num tempo de preparação para a morte.
Em contrapartida, considerando o fato de que dentro de cada um de nós existe sempre a possibilidade de ser, Rosenberg (1992) observa que ao fazer um retrospecto de vida o idoso poderá vivenciar uma angústia em decorrência do sentimento de culpa por não ter realizado todo o potencial que lhe era singular. De outro modo, esse mesmo sentimento não ocorre uma vez que for constatado através de uma avaliação, que ele fez bom uso de seu potencial. Sendo assim, esta segunda constatação, relativa às vivências anteriores, pode ser comparada com a ideia reichiana de orgasmo [15], pois, segundo a autora supracitada, a sensação de que lhe foi roubado algo, não existe. Não obstante, esta avaliação também possibilita a consciência de que, quanto mais plena for vivida a vida, maior é a aceitação da finitude.
Sobre a possibilidade que tem o idoso de fazer um retrospecto de sua vida pregressa, ao discorrer sobre as diversas crises pelas quais passa os seres mortais em seu processo de desenvolvimento, Erikson (1976) afirma que é através da vivência da oitava crise, a saber, “Integridade do Ego versus Desesperança”, que o indivíduo tem a possibilidade de viver a maior realização de sua vida na fase da velhice, ou como queiram, na terceira idade. Esta realização se atualiza pela face positiva vivida diante da resolução daquela crise, qual seja a “Integridade do Ego”, que por sua vez é qualificada pelo referido autor, como um estado de mente [16].
Para Papalia e Olds (2006) esse estado de mente tem como virtude sabedoria, a qual pode ser compreendida como sendo um mecanismo a partir do qual o individuo avalia a sua vida tendo como resultado, a aceitação de tudo que viveu, sem, no entanto se lamentar por aquilo que poderia ter sido realizado e não o fez. Em uma palavra, a sabedoria consiste em poder fazer uma avaliação positiva do passado para que se possa viver melhor o presente e se preparar para o futuro.
Nesse sentido, avaliar a vida na perspectiva da aceitação dos fatos tal como se sucederam através reconhecimento das limitações de si mesmo, dos pais e da vida, é um importante recurso psicológico para que o idoso possa aceitar sua própria morte “[...] como fim inevitável de uma vida vivida tão bem quando pôde ser vivida.”
(PAPALIA; OLDS, 2006, p. 527). No entanto, se ao fazer uma avaliação de sua vida o indivíduo tiver uma leitura negativa das vivências passadas voltada para a perspectiva do que e do como poderia ter sido feito, esta constatação segundo Erikson (1976), faz com que o indivíduo experimente a face negativa da oitava crise, isto é, a desesperança, a qual pode simbolicamente ser expressa pelo temor sentido pelo idoso diante da morte.
Além de o ser humano passar por diversas experiências de vulnerabilidades, assim como, por várias mortes simbólicas que o remetem à morte real, desde a tenra idade, ele se mostra reticente a conviver com o paradoxo de sua existência:
ser metade animal e metade simbólico. Mas, enquanto existir, jamais poderá libertar-se desse fardo, pois esta constituição, é que o torna singular ante aos demais seres viventes.

4. Morte e Interdição: Algumas Consequências Psicológicas

Neste capítulo serão apresentadas algumas consquências psicológicas inerentes ao processo de interdição da morte, as quais muitas vezes, podem ser descritas pela ausência de equilíbrio no conflito, entre as dimensões, simbólica e animal, que compreendem o paradoxo existencial. Para tanto, abordar-se-á num primeiro momento a importância de se resgatar a dimensão de naturalidade da morte como possibilidade de viver intensamente. Posteriormente, considerou-se indispensável tratar da questão do medo da morte como a resposta psicológica básica e a mais comum, que o ser humano apresenta diante consciência de sua finitude.
Frankl (1989) atribui fundamental importância ao fato do homem estar consciente de sua finitude, porque além de ser essencial para a vida é esta consciência que confere sentido a ela. Em outras palavras, para ele se o homem viver de modo a colocar à margem a questão da sua finitude negando a sua própria morte, ele tenderá a adiar seus projetos existenciais para o infinito, caindo assim, num vazio existencial, o que segundo ele, seria a morte em plena vida.
Nesse sentido, ressalta que o homem tem um prazo de validade, e por isso, torna-se fundamental que ele viva com intensidade cada momento que a vida lhe proporcione, tendo em vista a realização de seus projetos existenciais. Cada instante da vida é irrecuperável, e por isso, deve ser aproveitado do modo mais pleno possível. Desse modo, o sentido da vida para Frankl (1989) está no seu caráter irreversível.
Considerando o pensamento do referido autor, pode-se observar que, implicitamente, ele enfatiza a dimensão de responsabilidade que o homem deve ter para com a sua existência, porque só se vive uma única vez. Não obstante, para Frankl (1989) o tempo de duração da vida não faz diferença, pois o que conta é o momento presente ofertado para o ser humano.
Todavia, sobre esse aspecto Maranhão (2008) diz que:
A clara consciência da nossa condição de mortais não nos leva a depreciar a vida como muitos imaginam. Muito pelo contrário. Só podemos viver intensamente e apreciar realmente a vida se nos conscientizarmos de que somos finitos, contingentes, vulneráveis, mortais. (MARANHÃO, 2008, p. 63-64).
Nesta mesma perspectiva, Maranhão (2008) afirma que ao ter consciência da própria morte e aceitando-a como um acontecimento que faça parte da existência, o homem é conduzido a fazer uma revisão de suas prioridades, bem como, dos valores que norteiam a sua dinâmica de vida, sempre buscando relativizar o que até então absolutizava.
Sobre essa mesma questão, Rosenberg (1992) apresenta o processo vida e morte, em termos de uma equação causal ao afirmar que:
Quanto mais satisfatória sua vida, menos você se preocupa com a sua morte. Quanto mais insatisfatória é a sua vida, mais você se agarra a essa vida [...], quanto mais a pessoa está ligada à vida, menos ela se importa com o que vai acontecer depois; mais ela vive o presente, mais ela vive intensamente (ROSENBERG, 1992, p. 75-76).
Em seu texto, “A Vida que há na Morte”, Carvalho (1996), ao se referir sobre a importância de o homem não negar a morte, assevera que se assim o fizer, estará mergulhando na esfera do desconhecido, onde reside a largueza do ser humano. Para ele ao se pensar na morte daquelas pessoas com quem se teve um contato de maior proximidade, é inevitável que o homem reflita sobre alguns aspectos de sua própria existência, tal como o envelhecimento e a morte. Ainda, sob o ponto de vista do referido autor, a morte é onipresente e esta consciência favorece o tipo de relação que o ser humano estabelece com o viver, sempre motivado pela dinâmica da ressignificação.
Para Kovács (1992) embora a espiritualidade [17] não seja a melhor maneira de o ser humano lidar com a questão da morte, uma vez que este sentimento não é comum a todas as pessoas - pois nem todos acreditam na vida após a morte - acredita que ela contribua para que a relação homem e morte seja vivenciada de maneira mais tranquila, uma vez que se constitui em fato, de que a crenças das pessoas na existência da vida pós-morte, tenham uma maior aceitação da morte. Sobre essa questão, Kubler-Ross (1998) assevera que em épocas mais remotas a crença incondicional a Deus, bem como, numa vida para além da morte justificava a questão do sofrimento além de possibilitar uma relação menos traumática do homem para com a finitude. Entretanto, Kubler-Ross (1998) observa que nas sociedades moderna e pós-moderna são poucas as pessoas que ainda mantêm a crença na vida depois da morte, na qual haveriam de ser recompensadas pelo sofrimento vivido. Desse modo, afirma que essa mudança seria por si só uma forma de negar a própria mortalidade, pois o homem estaria se isentando da crença na sua imortalidade.
Não obstante, Freud (1927), em “O Futuro de uma Ilusão”, ao analisar a necessidade da religião por parte do ser humano frente ao desamparo, postula que com o advento da ciência, a religião não mais responderia sua angústia frente ao destino e às forças da natureza. Consequentemente o número de crentes em uma vida depois da morte, haveria de reduzir significativamente.
A consciência da própria finitude remete o ser humano à consciência de que não faz sentido o apego às posses materiais, bem como, a certos cuidados vividos pelo homem no seu cotidiano, pois estes podem se transformar em empecilhos dificultando-o a viver o momento atual como um pre-sente [18] Nesse sentido, pensar sobre a morte não significa transformar tal pensamento em uma obsessão, o que causaria efeito contrário à proposta de Maranhão (2008) e Frankl (1989). Não obstante, estar sempre consciente de sua finitude, poderá tornar o homem moderno mais cauteloso no sentido de não absolutizar os valores líquidos preconizados pela sociedade pós-moderna [19] .
Ocupando-se de uma visão psicanalítica existencial, Torres (1983) e Becker (2010) apontam para a existência de um paradoxo inexorável à constituição da natureza humana, o qual se traduz pelo fato de o homem ser, metade animal e metade simbólico. Becker (2010, p. 48) vai designar esse paradoxo de “[...] condição de individualidade dentro da finitude”. Por um lado, por ser simbólico, o homem tem uma história pessoal, tem poder de abstrair e de criar, o que lhe confere uma posição de destaque em relação aos demais seres da natureza, isto é, um pequeno deus. Mas, por outro lado enquanto ser animal, o homem está na condição de verme, é um alimento para os vermes. Eis aí o grande paradoxo da existência: o homem está simultaneamente, fora e dentro da natureza. Ao mesmo tempo em que tem o poder de estar nas estrelas está alojado em um corpo que algum dia já foi de um ser inferior. É este mesmo corpo, estranho a ele, que um dia vai desaparecer, isto é morrer. Então, o paradoxo se traduz pelo fato de que, o mesmo homem que se sabe como um pequeno deus é o mesmo que retornará ao interior da terra, onde apodrecerá e desaparecerá para sempre. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que o ser humano sabe-se finito, ele traz dentro de si a ideia de infinito. Nesse sentido, ele está diante de um dilema torturante uma vez que pela sua dimensão simbólica, ele vive sua vida tentando se esquivar do seu destino animal.
Similarmente ao pensamento de Morin (1977), o qual afirma que diante do impasse em solucionar o enigma existencial, o homem vive como se fosse um cego diante do seu destino, Becker (2010) fala de uma loucura vivida pelo ser humano, ao tentar fugir do seu mais temível destino, a qual segundo ele é experimentada na medida em que a pessoa se entrega cegamente ao esquecimento, e utiliza dos,
[...] jogos sociais, truques psicológicos, preocupações pessoais, tão distantes da realidade de sua situação, que se constituem em formas de loucura – loucura admitida pelo consenso, loucura compartilhada, disfarçada, digna, mas ainda assim loucura (BECKER, 2010, p. 50).
Ainda de acordo com uma perspectiva psicanalítica existencial, Kovács (1992) ressalta que vida e morte são partes de um mesmo processo portanto, uma reflexão sobre a morte é, em última instância, uma reflexão sobre a vida.
Nesta mesma lógica de raciocínio, Boss (1977) afirma que vida e morte são inseparáveis e que, uma pertence essencialmente à outra. Pois, por um lado não há vida terrena que não morra e, por outro, não há morte sem que haja vida que a preceda. Logo, a compreensão de um desses fenômenos implica, necessariamente, na compreensão da dinâmica do outro. Então, qualquer conhecimento a respeito da vida diz respeito ao conhecimento da morte, e vice-versa.
No entanto, quem desejar se empenhar nesse empreendimento não basta lançar mão dos conhecimentos científico-naturais, porque em nada contribuem para ampliar o conhecimento humano a respeito da vida e da morte. Pois se fizer uso deles o homem estará reduzindo a si próprio, à categoria de um ser inanimado, bem como, restringindo-se a uma dimensão meramente biológica. Então, para lançar um olhar sobre a existência humana, o estudioso tem de se apoiar num outro método de investigação, com um olhar cuidadoso e imparcial, deixando de lado todas as prerrogativas daqueles métodos. (BOSS, 1977).
Então, inicialmente é preciso compreender o homem como possibilidade de relacionamento, a qual se realiza quando é solicitado pelo que ele encontra. Diferentemente de alguns seres inanimados, como por exemplo, a fruta que ao atingir a sua possibilidade última, isto é o amadurecimento, fecha-se o seu ciclo, o homem não se fecha, pois além de conservar a possibilidade com a qual ele se deparou e respondeu, tende a torná-la mais perfeita, exercitada, treinada e adequada.
Dentre as possibilidades inerentes ao homem destaca-se a existência do poder-morrer. Essa possibilidade é a mais extensa e não ultrapassável. Sua realização é intransferível e tem como implicação direta, o fato de não mais poder-estar-aqui. É ela que além de constituir a essência do existir humano, torna o homem um singular na hierarquia dos demais seres viventes, pois nenhum outro ser vivo tem de conviver de forma a conciliar a possibilidade última com as demais possibilidades que vêm ao seu encontro, pelo menos de modo consciente. (BOSS, 1977).
Diante do conhecimento em relação à sua última possibilidade, a maneira mais coerente, livre e digna do homem estar frente a ela, é mantendo-se sempre cônscio dela conservando-a sempre diante de seus olhos. Para Boss (1977) esta atitude em nada se identifica ou se assemelha a uma postura de caráter pessimista frente à existência, mas ao contrário, esta consciência presentificada da finitude permite que todas as outras possibilidades de relacionamento com as quais o ser-ai se depara, sejam colocadas no seu lugar em conformidade com a sua categoria.
Para Boss (1997, p. 72), “[...] o continuar consciente da nossa mortalidade nos impede de nos fixarmos numa das provisórias e precedentes possibilidades de procedimento, nos impede de torná-las absolutas”. Diante da natureza finita do ser humano, esse autor afirma que, o acúmulo de posses seria algo da categoria do ridículo se for tomada em seu caráter absoluto. Mas, ao contrário, se o homem for suficientemente capaz de conviver com a consciência ontológica, isto é, de que ele é um “ser-para-a-morte” [20], então será livre o suficiente para possibilitar, seus semelhantes, a vivenciarem as possibilidades vitais, bem como, de que eles possam continuar na direção da realização de seus projetos existenciais.
Em consonância ao pensamento de Boss (1977), Rodrigues (1983) diz que:
[...] a boa morte passa a ser a do indivíduo que tendo pensado durante toda a sua vida em sua morte física, soube se preparar para ela e pôde enfrentá-la tranquilamente, com a consciência leve. A preparação para a morte exige que toda vida seja impregnada de morte, bem viver é viver com o pensamento da morte. (RODRIGUES, 1983, p. 134).
Além disso, a consciência atualizada da morte torna o ser humano mais apto a perceber que cada momento de sua vida é irrecuperável e que, por isso, necessita de ser bem aproveitado. Faz-se necessário então que o homem responda à altura, a possibilidade que lhe é ofertada no presente. Para tanto é importante que ele esteja aberto aos apelos que vêm em direção ao seu encontro, e que também os responda adequadamente. Do contrário, se o homem continuar a negar a morte como um fato, isto é, viver como se fosse um ser imortal, jamais poderá se arrepender das possibilidades com as quais se deparou, pois poderá a qualquer tempo, recuperar as perdas. É pelo fato de ser finito, que cada momento conta como se fosse o último para cada ser humano em particular. Por um lado, ao se haver com as possibilidades que, ora se lhes apresentam, o homem as experimentará como libertação e realização, do contrário caso ele ao não responda às possibilidades que lhes são ofertadas, sua experiência será de falta. (BOSS, 1977).
Mas, para Boss (1977) a sociedade possessiva e competitiva em que se vive, configura-se como um entrave para que um relacionamento mais aberto possa ser vivido na sua plenitude, pois segundo ele, “[...] nossa visão dos fatos no mundo geralmente é tão reduzida, que aquilo que encontramos só pode aparecer como possibilidade de produção e promoção do próprio poder”. (BOSS, 1977, p. 73). Assim sendo, os indivíduos vivem suas vidas como se fossem um dado permanente.
Então, no âmbito do conhecimento a morte pessoal, num primeiro momento, passa a ser negada. Desse modo, o homem tende a ver somente a morte dos outros, conforme também nos escreve Freud (1915), em seu texto, “Reflexões Para os Tempos de Guerra e Morte”.

4.1 O Medo da Morte

O medo é a resposta psicológica mais comum que o homem apresenta diante da finitude, conforme os pensamentos de Kovács (1992), Kastenbaun e Aisenberg (1983). Estes consideram de fundamental importância admitir esta resposta, uma vez que ela poderá influenciar o modo pelo qual o ser humano enfrentará as situações adversas da vida. Segundo Kastenbaun e Aisenberg (1983) a morte é um estímulo aversivo, e como tal, é a origem de outros estímulos da mesma natureza, diante dos quais o homem tende a se esquivar.
Em relação ao medo, Kastenbaun e Aisenberg (1983) afirmam ser importante considerar a morte sob dois aspectos; primeiro, o medo da morte pode estar relacionado com a morte do outro, o qual, em última instância pode ser descrito como o medo da separação e da ausência. E, segundo, o medo da morte pode também estar relacionado com a consciência da morte de si mesmo. Sob este aspecto os autores supracitados, dizem que o medo da morte pode estar relacionado com a incerteza do que virá no pós-morte; bem como, com o próprio acontecimento da morte, ou ainda, o medo pode estar relacionado com a consciência de deixar de existir. Além disso, considera que cada um desses medos tem origens e efeitos comportamentais distintos.
Considerando o medo da morte do ponto de vista pessoal, Kovács (1992) afirma que o temido em última instância é o sofrimento, e o sentimento de indignidade. Já em relação à morte do outro, o medo se relaciona ao sofrimento e desintegração do outro, o que muitas vezes pode causar o sentimento de impotência em relação ao acontecimento morte. À luz desse último aspecto, constata-se que a interdição da morte na modernidade e pós-modernidade pode ocorrer em função da impossibilidade de exercer controle sobre ela por parte do homem. Ainda, Segundo Kovács (1992) o medo da morte do ponto de vista do pós-morte, pode ser traduzido pelo medo do julgamento, do castigo divino e da rejeição.
Para Kastenbaun e Aisenberg (1983), a consciência de aniquilamento, isto é, deixar de ser, se constitui no medo básico da morte, devido à complexidade de sentir, pensar ou falar sobre a não existência como potência de ser. Para a consciência humana, o medo de morrer equivale à ideia da possibilidade de padecer fisicamente. É, pois, essa equivalência que faz da morte um acontecimento tão aversivo, e por isso, tende a ser negada pelo ser humano. Inerente à possibilidade de padecer fisicamente, o indivíduo tem a consciência de que poderá se tornar dependente do outro, como a única possibilidade de ter suas necessidades atendidas. Este tipo de medo está diretamente relacionado com a questão da indignidade, o que nesse caso, torna o medo algo bem específico. Sob este aspecto, para Kovács (1992) a extinção traz à tona a questão da vulnerabilidade, em decorrência da sensação de abandono.
Sobre o processo de morte do outro, Kastenbaun e Aisenberg (1983) falam da possibilidade do sofrimento vicário [21], pois o processo de aniquilamento do outro pode paralisar o indivíduo, uma vez que o sofrimento alheio nada mais é do que um aviso do que poderá ser o futuro de si mesmo. Por isso, é que o medo diante da decadência do outro, pode repercutir no medo da própria morte.
A esse pensamento, os autores supracitados acrescentam a ideia de que o temor da morte encontra sustentação no fato de ela representar o fim ou ainda, como a possibilidade real de perda da consciência. Além disso, o medo da morte pode estar diretamente relacionado ao medo da solidão, do desconhecido, do julgamento pelos atos terrenos, o medo em relação aos vivos que ficaram dependentes, bem como, o medo diante do fracasso da impossibilidade de realização dos projetos de vida. Não obstante, o medo da morte pode conter também, o medo da separação daqueles a quem se ama (KOVÁKS, 1992) [22].
O fato de muitas vezes as pessoas não terem contato com a morte no cotidiano é o que, segundo Kovács (1992), pode levá-las a viver como se não tivessem medo da morte. Contudo, esse medo pode se manifestar na forma da insegurança diante do perigo. Além disso, o temor da morte tem um aspecto importante, ora relacionado ao fato de muitas vezes ser a expressão do instinto de conservação da vida, sobrepondo-se assim aos instintos destrutivos. A negação e a repressão da morte são elementos que também nos protegem do medo da morte, ainda que ineficazmente.
Ao analisar esta afirmação, a referida autora tem por fundamento certo heroísmo do qual o homem sempre lançou mão. Para ela, esse heroísmo pode representar uma forma de defesa contra o seu sentimento de medo. Em termos dos mecanismos de defesas freudianos [23] pode-se dizer que a pessoa utiliza-se da formação reativa pois nesse caso, o heroísmo seria uma forma de ação que apaziguaria o sentimento de medo. Mas, por outro lado, se o ser humano viver o tempo todo pensando na morte ficaria paralisado diante da vida. Então, vive-se como se não fosse mortal e de que suas ações são perenes, bem como, vive a ilusão de que suas obras garantirão a imortalidade. Em uma palavra, vive uma espécie de “mentira virtual” [24].
Mais do que qualquer outra coisa, a ideia da morte e o medo dela decorrente são perseguidores do homem. As sociedades mais primitivas celebravam a morte numa cerimônia acompanhada de júbilo e festejos, pois era uma promoção suprema. Entretanto, este comportamento não eliminava o medo e a angústia sentidos pelo ser humano em face da morte, mas ele não era tão evidenciado como o é na sociedade ocidental contemporânea, visto que, o homem atual tem dificuldades para crer que a morte é a elevação para uma vida superior, o que consequentemente faz, do medo, algo a ser destacado na configuração psicológica (BECKER, 2010).
Dentre os vários artifícios de que o homem se utiliza, na tentativa de afastar a morte, a religião assume um papel de destaque, talvez pelo fato de ser a forma mais primitiva do ser humano se relacionar com aquilo que sua razão não pode alcançar. Além disso, o homem também faz da procriação uma forma de transcender a morte, pois através dela os pais encontram uma maneira de permanecerem vivos (BECKER, 2010).
Além desses artifícios de caráter mais pessoal, o homem também encontra, segundo Kastenbaun (1983), meios de caráter mais social com o intuito de se sobrepor à questão da morte, os quais podem ser verificados, quando, por exemplo, alguém tem o seu nome escolhido para nomear uma fundação, nomes de rua, ou a qualquer outra instituição que tenha um caráter social. Não obstante, observa-se que no Brasil, nos dias atuais, artifícios dessa natureza, são comumente utilizados, sobretudo, quando a pessoa já morreu.
Assim como Kovács (1992), Becker (2010) ilustra, de modo genérico, o projeto da imortalidade empreendido pelo homem em todos os tempos, ao afirmar que toda ação humana tem como fim último, o desejo de ser herói. Todavia, observa uma dificuldade humana em reconhecer que suas ações tendam a esse fim.
Entretanto, Frankl (1989) não compartilha com a ideia de que seja possível transformar os artifícios acima mencionados em aliados da busca pela imortalidade, pois para ele, a consciência da finitude é que dá sentido à existência humana, que por sua vez, é única e deve ser vivida com responsabilidade. Ao considerar em específico, o aspecto da procriação ele afirma categoricamente não ser possível eternizar-se, pois nossa existência não pode se prolongar até o infinito, visto que as linhagens acabarão por morrer e a humanidade desaparecerá pela morte.
Do ponto de vista existencial, uma discussão acerca da finitude implica necessariamente numa reflexão sobre a vida, que por sua vez, apresenta um caminho inverso àquele inerente ao projeto de felicidade trazido pela ideologia da modernidade capitalista e levado às últimas consquencias pela pós-modernidade globalizada. Esse projeto pode ser traduzido em face do constante apelo ao consumo de bens materiais, que atualmente, o sistema capitalista faz ao ser humano. Nesse sentido, quem desejar fazer, de fato uma reflexão sobre a vida, terá que aceitar o desafio de percorrer na contramão dessa vertente ideológica.
No entanto, esse caminho não implica que o ser humano estará isento do sentimento de medo em relação à morte, pois como dito anteriormente, por ser uma resposta psicológica básica diante da morte, este sentimento se constitui na força dinamizadora do existir humano, cujas ações visam à própria transcendência. Para tanto, faz-se necessário que esse medo seja expresso em palavras, rompendo assim, com a crença de que ao falar da morte o homem esteja atraindo-a.

5. Considerações Finais

Por um lado, pode-se afirmar que a história da humanidade se traduz por sua incansável luta para domar e negar a morte. No entanto, sabe-se que esta meta jamais poderá ser atingida devido à complexa constituição biológica do ser humano, quando comparada com a dos organismos unicelulares. Entretanto, pode-se caracterizar a sua história, pelo seu desejo ontológico de ser imortal, que por sua vez vai se constituir no caráter dinâmico da história. O artifício que o ser humano encontrou para promover esse dinamismo foi manter-se cego diante da possibilidade de morrer, isto é: vive-se como se fosse imortal. No entanto, essa cegueira pode lhe custar um alto preço: sua morte em plena vida, visto que, estes dois processos - vida e morte – estão, intimamente, implicados.
Destarte, apesar de a literatura tender a apresentar a morte na Idade Média como um acontecimento natural, ou porque era um evento público, ou ainda, porque a ciência não dispunha dos recursos dos quais hoje lança mão em favor da manutenção da vida, o temor e angústia vividos pelo homem diante da morte iminente, desde sempre perscrutaram a psiqué humana, visto a sua constituição paradoxal: ser metade animal e metade simbólico. O que torna indispensável observar é o fato de que, naquela sociedade o homem era regido pelas leis divinas e pelas leis da natureza, diante das quais não havia uma explicação racional para entender o sofrimento. Mas, esse fato não isentava o ser humano do sentimento de desamparo diante das forças avassaladoras da natureza, como bem descreveu Freud (1927) em “O Futuro de Uma Ilusão”. Todavia, a angústia e o medo sentidos pelo homem em face da morte eram canalizados para as emoções, as quais podiam ser expressas sem restrição alguma, tal como hoje ocorre com as questões relativas à sexualidade.
Não obstante, constatou-se que a interdição da morte teve, nas sociedades modernas e pós-modernas, sua maior evidência, visto que ela foi transformada num acontecimento privado, seja em decorrência do fato do homem ter se instrumentalizado, racional e tecnicamente, e por isso a confinou no âmbito do hospital, ou ainda, pelo fato de que a dinâmica capitalista, presentes nessas sociedades, os sujeitos foram levados a vivenciarem suas emoções na esfera privada, uma vez que o sofrimento não condiz com a proposta de felicidade inerente à ideologia do capitalismo por elas proposta. Constatou-se então que a morte nesses contextos, foi interditada em nome de certo narcisismo visto que, seu projeto racional, bem como, a tão sonhada felicidade, de fato, não lograram êxito. Em uma palavra, não foi possível manter o equilíbrio inerente ao conflito entre as dimensões constitutivas do paradoxo existencial, isto é, entre a dimensão simbólica e a animal.
Todavia, constatou-se que a dificuldade em lidar com o referido conflito, perpassa pelas várias fases do desenvolvimento humano, seja de modo consciente ou inconsciente, sem também lograr nenhum êxito, pois, é condição sine qua nom, que de uma fase para a outra, o indivíduo passe pela experiência de várias mortes, e, consequentemente, pela vivência do luto, inerentes ao processo de morrer. Embora simbólicas, as diversas experiências de mortes, vividas no percurso da existência, causam vivências reais de sentimento no ser humano, cuja dimensão, está diretamente relacionada com o medo da morte real.
Mas, de acordo com alguns autores mencionados no decorrer desse trabalho, justamente o medo da morte que aparentemente pode paralisar o homem diante da vida, é ao mesmo tempo, o que vai mobilizá-lo frente a ela. Nesse sentido, essa resposta psicológica básica, como foi caracterizado o medo, deve ser considerada em sua positividade. Entretanto, o ser humano só paralisará diante da vida se estiver motivado pela crença pueril, de que se falar sobre esse medo, poderá estar atraindo a morte para si. No entanto, observou-se que falar sobre a morte, ou retorná-la para o âmbito doméstico, não é o suficiente para desconstruir o processo de sua interdição - até porque esse não se constituiu o objetivo desse trabalho - pois, este desafio não passa somente pelo campo da racionalidade, mas, sobretudo pela dimensão do sentimento.
Considerando esse desafio, dentre várias outras temáticas, a tanatologia propõe, hoje, uma discussão acerca dos cuidados paliativos como forma de humanizar a morte. Por se tratar de uma proposta relativamente nova é bastante comum a utilização da expressão “morte pós-moderna” ou ainda, “morte contemporânea” - para marcar a diferença em relação à “morte moderna” [25] na qual os pacientes, em fase terminal e seus familiares, eram excluídos do processo de morrer - para designar a mesma filosofia dos cuidados paliativos.
Tomando a expressão paliativo, constata-se implicitamente, que a filosofia desses cuidados, não visa em primeiro lugar a cura do paciente em fase terminal, mas, a assistência a esse paciente, tem por objetivo primeiro o cuidado e o aplacamento do seu sofrimento, com o intuito de que ele tenha uma morte mais humana. Nesta nova proposta de morte, o paciente terminal tem uma diferente maneira de viver o seu processo de morrer, uma vez que participa, decide, juntamente com os médicos e familiares sobre a melhor forma de estar nesse processo. Ao possibilitar um diálogo mais aberto com os sujeitos envolvidos no processo de morte, a proposta inerente aos cuidados paliativos, além de resgatar a condição de sujeito do paciente, consequentemente, tende a restabelecer o status de naturalidade à morte.
Avançando ainda mais na perspectiva dos cuidados paliativos, alguns autores já preconizam a ideia da “boa morte” ou “morte natural”, com a qual se faz uma analogia ao nascimento, cujo principal argumento se baseia no fato de que se é possível uma preparação para a parturiente através de exercícios físicos. Defendem a ideia de que deveriam ser desenvolvidas técnicas visando à redução da ansiedade, daquele que está em fase terminal [26].
Diante dessa nova proposta discutida pela tanatologia, faz-se necessário repensar na estrutura dos hospitais. Se de fato o objetivo for um trabalho que vise humanizar a morte, torna-se indispensável que além de oferecer aos pacientes terminais, recursos técnicos de que necessitam para se manterem vivos, é indispensável que profissionais técnicos dos hospitais também possam se instrumentalizar de artifícios a fim de melhor ajudarem o enfermo a ser autenticamente ele mesmo, animando-o a prosseguir em seu próprio crescimento até o último alento.
Nesse sentido, é imprescindível que as instituições de ensino, além de se ocuparem em oferecer uma qualificação técnica para o seu corpo discente que vise exclusivamente curar e prolongar a vida, possam também lhes dar uma formação ancorada em instrumentais psicológicos e humanos, direcionados sobretudo, aos pacientes que estão fora das possibilidades terapêuticas. Nesse sentido, é urgente que as escolas de saúde implantem em seus currículos disciplinas que instrumentalizem o profissional técnico “[...] para lidar com o humano em seu processo de vida e morte; isto inclui a cura, o cuidado, o conflito, a perda, a dor e a morte” (MAUÉS, s/d)29.
Assim sendo, os cuidados paliativos trazem um avanço significativo no que se refere ao tratamento dispensado aos doentes terminais, pois além de garantir o seu bem estar, devolve-lhes a sua dignidade, sempre pautado no respeito pela sua autonomia e no seu não abandono à própria sorte, favorecendo desse modo, sua própria morte.
Vida e morte são laços da existência humana, onde, cada um desses momentos se faz representar pelos elos que, concomitantemente se formam a partir do nó que os interpõem. Este, por sua vez, além de representar a dinâmica do próprio tempo, representa também as vivências de situações de vulnerabilidade, inerentes ao processo de existir. Desse modo, ao mesmo tempo em que ele denuncia a fragilidade da existência humana afirma a íntima relação entre a vida e a morte, de modo que ao se tentar desfazê-lo ainda que de modo sutil, através de qualquer uma das pontas que se formou, o elo oposto será afetado.

Sobre o Autor: 
Lázaro Rodrigues Silva - Formado em Filosofia pela UFJF. Formado em Psicologia pelo CES ( Centro de Ensino Superior) Atualmente faço formação em Psicanálise na Sobrap.

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