sábado, 28 de dezembro de 2013

Alzheimer: lembranças que não voltam


Por  
Acadêmico de Jornalismo do CEULP/ULBRA


O que Ronald Regan, ex-presidente dos Estados Unidos e William Hanna, cartunista e criador dos desenhos animados “Tom e Jerry” e “Os Flinstones”, falecidos em 1989 e 2001 respectivamente, tinham em comum? Além, é claro, de serem norte-americanos, foram diagnosticados com uma doença degenerativa: o Alzheimer.
Em entrevista ao (En)Cena, a neuropsicóloga e psicogerontologista, Mayra Dias nos conta com detalhes como esta patologia se desenvolve, quais os sintomas e de que forma pode ser tratada.

Foto: Arquivo pessoal

(En)Cena - Como é ocorre o processo da perda da memória curta, a doença de Alzheimer?
Mayra Dias - Na verdade, o Alzheimer antes de se manifestar, ele já está, digamos, “encubado” de 5 até 10 anos. O processo está acontecendo, tem mudanças, mas clinicamente nós não percebemos. Tem muita gente que fala “Ah de uma hora para a outra apareceram os sinais”. Mas se formos ver nos exames, já está ocorrendo a mudança, no caso a degenerescência que vem muito tempo antes dos primeiros sinais do Alzheimer.

(En)Cena - Quais são esses sinais?
Mayra Dias - Os primeiros sinais todo mundo conhece que é na memória onde, por se tratar de uma degenerescência, o volume do cérebro reduz. A primeira parte a ser reduzida neste processo é o hipocampo, que é a região subcortical e fica do lado temporal que é a região responsável pela memória, ou seja, a primeira a ser atingida.
Há alguns casos que fogem do padrão. Às vezes, a primeira forma do Alzheimer se manifestar não é pela memória, mas pelo comportamento. Então, a pessoa tem um comportamento desadaptado. Por exemplo, andar nua pela casa. Enfim, coisas que chocam. Tem um comportamento desadaptado como ser egoísta demais também.

(En)Cena - Podemos, então, dizer que a doença de Alzheimer desencadeia atitudes não manifestadas anteriormente?
Mayra Dias - Não necessariamente. O egoísmo, por exemplo, pode ser um traço psicológico, mas existem “N” traços. Existem muitas pessoas com Alzheimer que são extremamente dóceis, compartilham o que sentem. Porém, esse traço, com o passar do tempo e a manifestação desta patologia, a pessoa não consegue mais administrar. É involuntário, digamos. Não estou dizendo que uma pessoa que tem Alzheimer é egoísta, mas são traços que se evidenciam.

(En)Cena - Conheço um padre, um senhor já idoso, quetem a doença de Alzheimer. Em todas as ocasiões, ele repete o mesmo discurso do dia anterior ou da semana passada. Por que ocorre essa repetição?
Mayra Dias - Tem algumas regiões que são afetadas com a doença, como a fala, também a compreensão, que é a área burocrática da fala. Mas é algo involuntário mesmo. A pessoa não está refletindo, não tem consciência disso.

(En)Cena - Na hora, vejo pessoas rindo dessa situação...
Mayra Dias - Costumamos dizer que, em um estágio mais avançado, a família sofre muito mais que o paciente, porque no início do Alzheimer, ele tem consciência de tudo. E essa fase é de extremo sofrimento, justamente porque ele se dá conta que está esquecendo, que tem alguma coisa errada acontecendo, que ele sai na rua que ele viu a vida inteira e não reconhece a praça, que ele não sabe voltar pra casa. Então, essa fase inicial é muito angustiante. Mas no caso do padre que repete demais o discurso, ou seja, está em um estágio mais avançado, não há sofrimento porque ele não tem mais a mesma consciência de antes.

(En)Cena - Ainda assim, é possível o paciente com Alzheimer ter uma vida social como as outras pessoas?
Mayra Dias - Esse é um grande desafio, na verdade, porque a vida social e afetiva é abalada. Veja bem, a pessoa que cuida também sofre bastante porque tem que estar sempre com a pessoa, é algo desgastante. As únicas pessoas que se mantém ao lado do paciente são as que têm laços de sangue, porque têm o amor incondicional. Então, a vida social fica muito restrita, geralmente, à familiar. Há outros eventos esporádicos, inclusive há centros que tratam pacientes com Alzheimer, mas já em estágio avançado.

(En)Cena - E nesses centros de tratamento, os pacientes conseguem ter uma vida social mais ativa?
Mayra Dias - Há muito pouca interação porque os diálogos entre os pacientes são, digamos, incoerentes. A qualidade desse diálogo é muito comprometida, assim como toda a vida social de quem tem a doença.

(En)Cena - A doença de Alzheimer é desencadeada por fatores genéticos?
Mayra Dias - Na verdade, tem hipóteses genéticas, mas não há um consenso. Estamos em uma fase de intensas pesquisas sobre a causa, mas ainda focamos mais com o pensamento (como o paciente se comporta) do que com a causa. O que provocou essa mudança? Realmente, fatores genéticos contam. Mas não quer dizer que porque meu avô teve que eu vou ter e meus filhos também vão ter.

(En)Cena - Mas há a possibilidade...
Mayra Dias - Sim, há a uma possibilidade maior. Não significativamente como algumas doenças e síndromes que passam de geração em geração, mas já de forma familiar.

Gráfico: OS SINTOMAS DO ALZHEIMER

(En)Cena - Existe alguma atividade que acelere essa degeneração?
Mayra Dias - Sim. A falta de estímulos ao cérebro. Há estudos de 10, 15 anos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos.Eles já investigaram até casos de irmãos gêmeos, considerados pessoas com perfis muito parecidos, explicando porque um desenvolveu melhor e o outro não. Um irmão tem perfil mais acadêmico, gosta de ler e isso estimula, cria uma rede neural mais importante e pode até tardar o aparecimento da doença. Agora, quem assiste muita televisão, é muito passivo, não gosta de ler, não é curioso e não interage com outras pessoas,somado a outros fatores, como o genético, tem maior probabilidade de desenvolver o Alzheimer mais precocemente. Então, esse é um fator de risco.

(En)Cena - Geralmente, encontramos a doença de Alzheimer em idosos. Há casos em mais jovens?
Mayra Dias - É muito raro. Nós tratamos o Alzheimer como uma doença senil, ou seja, que se manifesta com a idade. Mas tem casos pré-senis que são muito mais raros e, aí sim, estão ligados à fatores genéticos. Se fizermos uma genotipagem, podemos encontrar algum indício, raro, mas possível de encontrar. Um caso pré-senil, geralmente, se manifesta entre os 40 e 50 anos de idade.

(En)Cena - Um trauma vivido pela pessoa também pode acelerar o processo degenerativo?
Mayra Dias - Sim, em casos de acidentes. Um traumatismo craniano, uma queda ou pancadas na cabeça podem acelerar.

(En)Cena - E os hábitos cotidianos, condição física?
Mayra Dias - Sim, o colesterol alto, diabetes. A diabetes influencia em que? Na circulação, ou seja, toda a rede vascular e, isso pode acarretar em uma complicação. Então, quando vamos fazer o exame de avaliação cognitiva já verificamos os fatores de risco: diabetes, colesterol alto, hipertensão arterial, algum tipo de traumatismo, para ver como é o dia-a-dia do paciente.

(En)Cena - Em outros casos, com perda de memória, pode não ser Alzheimer?
Mayra Dias - Claro, existem vários casos que não são Alzheimer. Tem muitas outras demências com sintomas parecidos. Isso precisa ser analisado profundamente, porque um paciente pode ir ao médico, dizer “Doutor, estou esquecendo de muita coisa. Não sei o que está acontecendo. Faz pouco tempo que estou assim” e ser apenas consequência de um trauma que, com certeza, a memória fica abalada. Em pessoas que apresentam depressão, a primeira hipótese é a mais clara: a depressão, mas se os sintomas da perda de memória continuarem, podemos considerar um caso de Alzheimer.

(En)Cena - No aspecto biológico, como se dá essa degeneração da memória?
Mayra Dias - Nós temos os grupos de tratamento em fase inicial que chamamos de “Ansiosos”, depois vem o grupo com pacientes onde já foi diagnosticada nos exames a presença da proteínaTAU. Isso ainda na fase inicial e pode evoluir, porque é uma degeneração. Por isso a importância de ser diagnosticado o quanto antes, para a manutenção do quadro. E a gente controla de que forma? Com medicamentos. Cada fase tem um medicamento próprio para não evoluir. Jamais um médico pode falar que vai melhorar o quadro, porque não melhora, mas pode ser controlado.

Saiba mais:
Primeiro caso de Alzheimer revertido http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=58047&op=all

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