Postado em 25 Dec 2013
Se você está com problemas emocionais, reflita bem se é o caso de consultar um psiquiatra: as chances de você sair da consulta com uma receita de antidepressivo são enormes, quase inevitáveis. Não necessariamente por que precise disso.
“Estamos vivendo uma epidemia de doença mental”, diz o pediatra Daniel Becker, uma das vozes mais ativas contra a prescrição crescente dessa medicação. “Pela primeira vez na história há um aumento paralelo do número de medicamentos e do número de doenças, quando deveria haver uma redução”, diz ele.
A indústria dos antidepressivos é uma das mais prósperas no Brasil. Aqui, a venda da medicação subiu 48% nos últimos cinco anos, segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) com base em dados do IMS Health, instituto que faz auditoria do mercado farmacêutico. Em 2012, foram vendidas 42,33 milhões de caixas, o que significa que, em média, um em cada cinco brasileiros consumiu uma caixa por ano.
Muitos médicos denunciam o que se chama de “medicalização da vida” — uma tendência de tratar com remédios qualquer tipo de emoção humana. Há um comportamento generalizado, às vezes dos próprios pacientes, em recorrer aos antidepressivos para tratar qualquer tipo de sintoma “da alma”, como enxaqueca, obesidade, fibromialgia, ejaculação precoce, síndrome da fadiga crônica e até tristezas que podem ser consideradas absolutamente comuns. Essa tendência seria, para alguns médicos, o fruto de uma relação promíscua entre psiquiatras e laboratórios, chamada de biopolítica, ou, de maneira mais dura, ”farmacopornografia”.
A questão repercutiu na reformulação do DSM (Manual de Estatísticas e Diagnósticos), da APA (Associação Psiquiátrica Americana), a publicação mais importante da psiquiatria, que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los. Um grupo de trabalho da instituição, conduzido por Lisa Cosgrove, eticista da Universidade Harvard, concluiu que 69% dos pesquisadores responsáveis pela edição do manual estão comprometidos com a indústria farmacêutica.
“Há uma tendência a catalogar os comportamentos e afetos humanos e através de um conluio sutil, talvez não tão consciente, entre a indústria farmacêutica e a psiquiatria, e desenvolver uma medicação adequada a cada um deles”, diz Becker. Em 2012, os antidepressivos faturaram R$ 1,85 bilhão no Brasil.
A GlaxoSmithKline, uma das maiores multinacionais farmacêuticas, decidiu recentemente não pagar mais viagens e palestras a médicos para a promoção de seus medicamentos. É uma decisão inédita, que contraria uma prática conhecida e adotada por todos os laboratórios. O motivo principal dessa deliberação do laboratório britânico são as investigações realizadas na China em torno de remunerações feitas a doutores para conferências e palestras que nunca ocorreram.
É verdade que os antidepressivos são fundamentais para o tratamento de quem realmente sofre da doença — calcula-se que um milhão de pessoas se suicidam por ano em todo o mundo, o que poderia ser evitado com a medicação correta. Mas não se pode “curar” com remédios aquilo que é da natureza humana. Está na hora de deter a farmacopornografia.
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