Imagem Publicada - A capa do livro "Eu Tinha um Cão Negro - seu nome era depressão", escrito e ilustrado por Mattew Johnstone, onde desenhado em fundo avermelhado está projetada a sombra de um cão que se estende a partir de um homem sentado sobre uma pedra, uma sombra que atravessa uma faixa mais clara em tons cor creme. Um homem que medita, apoiando a cabeça com as duas mãos, ele em tons cinza, como a pedra que o sustenta e se projeta com sua sombra que o assombra por muito tempo...
Andei com dificuldades para escrever estes dias. Muitos sonhos, muitos pesadelos obscuros e, em contraponto, muitas horas poéticas ensolaradas. Talvez meu último encontro com, como missivista, a Dona Morte tenha me deixado com um certo alívio de sua companheira: a outra Senhora de todos, a Dor. Mas, hoje me senti compelido a escrever sobre um tema que nos pertence a todos e todas. Reabri e reli o livro de Mattew Jonhstone. As depressões que tomam formas de animais ou de ''nuvens''. As mesmas que se usam para denominar as quedas dos impérios econômicos na história, as ''depressões'' que vem no rastro das falências sócio-econômicas mundiais: os dias ''negros''.
Mattew aborda de forma criativa e ilustrada o tema difícil e complexo da Depressão. Eu já havia pensado sobre sua abordagem não-clássica,humanizada e vivenciada na forma de belos desenhos que apontam o Cão Negro com uma metáfora da depressão.
Havia também feito uma crítica interna sobre o título, pois para mim o "cão PRETO" que pertubou até Winston Churchill ou Nietzche não deveria ser tão racista.Critiquei o uso de ''negro'' para definir o estado/doença/transtorno que afligiu o autor do livro. Basta lembrar o que na vox populi significa "negro" como adjetivo pejorativo e estigmatizante, quando associado a idéia de sofrimento ou pesar. O luto é negro sempre?...
Hoje as depressões, no plural, pois são multifacetadas e imbricadas com outras enfermidades, afligem a mais de 40 milhões de pessoas em todo mundo. Diria que o livro ficaria, na minha opinião, mais forte, menos racial com o título neo-traduzido: Eu tive um CÃO SEM COR, predominantemente preto e às vezes até descolorido. Para mim as depressões fazem perder o ''colorido'' vital.
O autor nos propõe em frases simples como vivenciamos a depressão. Ele nos conta que: "Quando penso no meu passado vejo que o Cão Negro entrava e saia de minha vida desde os meus vinte e poucos anos. Sempre que aparecia eu me sentia vazio e a vida parecia ficar lenta...".
E, nas minhas andanças do passado também ouvi, escutei, pressenti, compartilhei e cuidei intensivamente de muitos que honraram com a entrega de seus mais íntimos sofrimentos depressivos. Aprendi com eles/elas como este cão ou outras metáforas como a de um enorme Onda escura se agiganta e parece um tsunami paralisado sobre nós... É dramática e profundamente dolorosa essa vivência...
Hoje a OMS está convocando o mundo inteiro para uma reflexão no Dia Mundial da Saúde Mental. Neste 10 de outubro, 10/10/11 a Organização Mundial de Saúde tem uma estimativa de mais de 450 milhões de pessoas em todo o mundo que sofrem de alguma forma de transtorno mental. Mas o que devemos realizar é que para além da ''doença'' devemos buscar, como Mattew, uma solução para as diferentes formas de sofrimento psíquico singularmente. Não podemos cair nas estragégias globalizantes ou apenas estatísticas. Sim há milhões em sofrimento e nesse milhões uma parcela considerável vem sendo ''atacadas'' por cães de diferentes cores.
Temos para além dos cães negros, como já disse também há outros que se tornam até multicoloridos, é quando na busca de uma saída para os infernos dantescos alguns saem pela porta de disforias maníacas ou autoagressivas ou compulsivas. São outros tipos de caninos que laceram, simbolicamente, os narciscismos e outras defesas que nutrimos ou utilizamos.
Há os cães cinzentos que geram depressões pelas guerras, pela fome, pela miséria, pelas drogas, pelos preconceitos, pelas eugenias, pelas repressões políticas ou sexuais, pelos Estados autoritários e genocidas, pelos vizinhos homofóbicos, pelos carolas ultra-extremistas, pelos racistas, pelos eugenistas,pelos fanáticos, pelos que alimentam e fomentam as máquinas de destruição ou de poluição de nossa Gaia, por muitos outros que violentam direitos humanos e mantêm essas violações a custa de corrupções e poder.
Por isso precisamos de muitos dias para que os cães negros possam ser ''domesticados'' por seus ''donos''. Um dia para a Saúde Mental, já o vivenciei na prática, é muito pouco para a mudança de cultura e mentalidades sobre temas como a esquizofrenia e seus estigmas. Precisamos de muitos mais que o aumento de número de CAPS (Centros de Atenção Psicossocial), e já o afirmei no documento sobre os Direitos Humanos em Saúde Mental da IV Conferência Nacional. Precisamos de um olhar ampliado para que toda a sociedade e cada um/uma se torne um multiplicador de ações em direção à Grande Saúde como o afirmava Nietzche.
Uma iniciativa a ser prestigiada é a do Ministério da Saúde com seu Curso de Gestão de Empreendimentos Solidários de Saúde Mental, resultado de uma parceria entre Coordenação de Saúde Mental do Ministério da Saúde e a Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ. Este curso atingirá um público específico: os usuários, seus familiares e trabalhadores inseridos em projetos de geração de trabalho e renda/empreendimento solidário.
É aí que os nossos cães negros, pardos ou sem cor passam a ser nossos ''passados'' sem seus passos ou sombras nos acompanhando. É no processo criativo e micropolítico de grupos de inclusão social e participação coletiva que, como as massas que agora retomam as ruas em protesto, que se germinam as revoluções moleculares que darão conta de todo esse canil das nossas loucuras, individuais ou coletivas. A economia solidária pode ser o antídoto/cura das ''recessões'' mais íntimas...
Mas essas ações, sejam governamentais ou não-governamentais, não podem se esquecer dos ''esquecidos''. Não podem se esquecer dos vivos-mortos nas Casas dos Mortos de Custódia, os velhos manicômios judiciários, onde as grades ainda servem para os suicidados se livrarem destes cárceres. Não podem se afastar dos princípios que já foram conquistados na luta antimanicomial e cairem em falsas políticas de asssistencialismo ou de reinternação de todas as formas de loucuras.
É preciso romper, não a moda de Pinel, as invisíveis formas de encarceramento como forma higienista de solução para os drogadictos. Não, não podemos reformar os hospitais com a criação de capsciosas estratégias abrigantes para meninos e meninas das ruas cheias de cães cinzentos...
Na releitura de um livro que aponta uma saída do que o autor chama de Cão Negro decidi, hoje, começar também buscar a cor de meus cães. Ele me incitou na direção de continuar buscando uma interlocução com a Dona Morte. Essa mesma senhora que se esconde sobre véus pretos enlutados que muitos acreditam ser a única saída de suas depressões profundas e arrastadas.
Como aprendi também de um outro autor, Stig Dagerman, que a "nossa necessidade de consolo é impossível de satisfazer''.Ele mesmo se trancou com a Dona Morte em uma garagem e dela se intoxicou, mas antes deixou um obra que deveríamos, afetuosamente, respeitar assim como sua única saída da depressão.
Os cães já foram considerados também filósofos. Assim denominaram a Diógenes, o pré-socrático e sua Escola dos Cínicos, ou melhor os ''cara de cão''. Ele também pode com sua filosofia nos apontar, no momento que estamos atravessando mundialmente, o quanto devemos combater os verdadeiros cinismos macropolíticos atuais. O quanto devemos convocar algo de revolta e de indignação contra toda e qualquer forma de opressão.
Mesmo aquela que os nossos cães íntimos nos impuserem. Mattew nos inspira a continuar lutando, cada um/uma, com seus próprios ''demônios'': " O Cão Negro pode me acompanhar pelo resto da vida. MAS APRENDI QUE, COM PACIÊNCIA, HUMOR, CONHECIMENTO E DISCIPLINA, ATÉ O PIOR CÃO NEGRO PODE SER CONTROLADO"...
Eu, aqui continuo afirmando, como Stig Dagerman que, com sabedoria, amorosidade, indignação, criatividade e muita dedicação: NINGUÉM, NENHUM PODER INSTITUÍDO, NENHUM ESTADO, NENHUMA RELIGIÃO OU SUA MISTIFICAÇÃO,NENHUMA FORÇA PODERÁ FAZER SECAR EM MIM O DESEJO DE VIVER... um OUTRO MUNDO, UM OUTRO E SEMPRE NOVO MODO DE SER NO MUNDO.... E COM O MÁXIMO DE SAÚDE MENTAL, aquela sem a qual as outras formas de ser e estar com saúde perdem todas as cores e intensidades.
E os nossos cães uivarão, mas não serão melhores ou maiores que minha/nossa paixão poética pela vida, para além de todas as misérias, dores, sofrimentos, doenças ou mortes.
copyright jorgemarciopereiradeandrade 2011/2012 (favor citar o autor e as fontes em republicações livres pela Internet ou outros meios de comunicação de massa)
Nenhum comentário:
Postar um comentário