domingo, 20 de setembro de 2015

Tráfico desembarca e vende cargas roubadas dentro de condomínio do ‘Minha casa’ em Guadalupe Rio de Janeiro


Moradores foram a delegacia denunciar a presença do crime no condomínio


O condomínio Residencial Guadalupe, no bairro de mesmo nome na Zona Norte do Rio, virou pátio para desembarque de cargas roubadas por traficantes da favela Gogó da Ema, vizinha ao conjunto do programa federal “Minha casa, minha vida”. A informação faz parte do inquérito da 31ª DP (Ricardo de Albuquerque) que investiga a ação do tráfico no condomínio. Um morador que deixou o condomínio após ameaças de criminosos relatou numa carta entregue a agentes da distrital que, em duas ocasiões diferentes, um caminhão frigorífico e outro com colchões foram esvaziados na pista junto aos blocos do conjunto.
— Logo após a mudança, já percebemos que as ruas paralelas ao condomínio eram usadas pelos bandidos para esvaziar caminhões roubados. Mas eles passaram a fazer dentro do conjunto também. No dia em que levaram o caminhão com as carnes, em meados de agosto, passaram a vender cada peça por R$ 10 — disse uma moradora que procurou a polícia.
Além de usar o condomínio como pátio de descarga de mercadorias roubadas, o tráfico também impôs uma série de “regras de convivência” aos moradores. O portão principal, por exemplo, deve ficar aberto para funcionar como rota de fuga para os bandidos. Se carros da polícia se aproximarem, entretanto, o portão tem que ser fechado com uma barra de ferro, para dificultar a entrada de caveirões no local.
Barricadas em rua paralela à entrada do condomínio
Barricadas em rua paralela à entrada do condomínio Foto: Fabiano Rocha / Fabiano Rocha / Extra
— Todo morador que chegar de carro tem que abrir as janelas, acender a luz interna e desligar os faróis. Quem não fizer isso, entra na mira de um bandido que fica lá no alto do condomínio. Os traficantes comunicaram aos síndicos de todos os blocos sobre a regra e, depois, todos os outros moradores ficaram sabendo — contou outra moradora, que, em depoimento à polícia, também relatou que foi obrigada a deixar a chave de seu apartamento com os bandidos.
Desde o dia da inauguração, 25 de junho — com direito à presença do prefeito Eduardo Paes e marcas de bala na fachada de alguns blocos —, 36 famílias deixaram o conjunto. Alguns sofreram ameaças diretas dos traficantes, outros não conseguiram nem entrar no condomínio com a mudança. A maioria mora de favor na casa de parentes, e todos ainda pagam, todo mês, as prestações à Caixa Econômica Federal. Nenhum dos apartamentos abandonados foi invadido, segundo a Secretaria municipal de Habitação. Essas unidades serão sorteadas novamente para outras famílias. A polícia já identificou o homem que comanda o tráfico no conjunto.
Polícia opinará sobre local de construção
Após o Ministério das Cidades publicar uma nova portaria permitindo a realocação de famílias expulsas de condomínios por bandidos, autoridades preparam novas mudanças para combater o crime no “Minha casa, minha vida”. Segundo o secretário municipal de habitação, Carlos Portinho, órgãos públicos e concessionárias vão passar a trocar informações para detectar invasões nos conjuntos.
— Já enviei à Secretaria estadual de Segurança (Seseg)uma lista com os futuros empreendimentos para que eles se planejem. Além disso, está sendo discutida uma cooperação entre a Light e os outros órgãos, para que cada mudança de titularidade em contas seja notificada. Algumas invasões seriam detectadas desse modo — afirmou o secretário.
Segundo a Seseg, “antes da escolha do local dos novos empreendimentos será feita uma consulta à secretaria, que obterá um parecer das polícias sobre a instalação do condomínio, para que se recomende se a área é aconselhável”.
Secretário municipal de Habitação, Carlos Portinho
Secretário municipal de Habitação, Carlos Portinho Foto: FábioCosta / Divulgação SMH
Leia a seguir a entrevista com o secretário municipal de Habitação, Carlos Portinho.
Como vai ser o processo de realocação das famílias expulsas de Guadalupe?
Não quero burocracia. Acho que a portaria publicada pelo Ministério das Cidades não precisa de um decreto regulamentador. Quero facilitar a vida das pessoas. Primeiro, as famílias expulsas precisam ter um registro de ocorrência em mãos. Quando a Secretaria de Segurança atestar a veracidade dos relatos, já vamos começar as realocações.
Quando essas famílias terão novas casas?
Já identificamos 73 famílias que formalizaram suas expulsões, sendo 36 de Guadalupe. Temos empreendimentos para acomodar essas famílias em diversas regiões da cidade. Elas serão as primeiras a serem realocadas. Quero resolver isso o mais rápido possível. Na próxima semana, vamos ter uma reunião com a Secretaria de Segurança para resolver os últimos detalhes.
Como recuperar o condomínio invadido?
Quero entrar com serviço social pesado lá. Estamos empenhados em transformar aquele condomínio. Já estamos conversando com a síndica. Na próxima semana, a Comlurb vai começar a dar oficinas de reciclagem lá. Estamos ainda conversando com a Secretaria municipal de Esporte e Lazer para levar aulas de educação física à quadra do conjunto. Temos que mobilizar essas pessoas.
Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos
Maria: fuga só com a roupa do corpo, com seus quatro filhos Foto: Fábio Guimarães / Extra / Extra - Cidade
‘Minha casa, minha sina’
Após três meses de apuração, o EXTRA constatou que todos os condomínios do “Minha casa, minha vida” destinados aos beneficiários mais pobres — a chamada faixa 1 de financiamento — no município do Rio são alvo da ação de grupos criminosos. Neles, moram 18.834 famílias submetidas a situações como expulsões, reuniões de condomínio feitas por bandidos, bocas de fumo em apartamentos, interferência do tráfico no sorteio dos novos moradores, espancamentos e homicídios.
Mais de 200 pessoas foram ouvidas, entre moradores, síndicos, policiais civis e militares, promotores, funcionários públicos e terceirizados, pesquisadores e autoridades. Além disso, foram analisados documentos da Polícia Civil, do Ministério Público, da Secretaria de Habitação, do Disque-Denúncia, da Caixa Econômica e do Ministério das Cidades, parte deles obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação. O material deu origem à série “Minha casa, minha sina”, que o EXTRA publicou em março.



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