por Catarina Guerreiro
Das 59 acusações feitas em 2012 pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, 16 envolvem esquemas com remédios. Foi desmantelada uma rede que operava no serviço de Psiquiatria de um grande hospital e detectadas fraudes em Centros de Saúde do país.O esquema funcionava em plena luz do dia no serviço de Psiquiatria de um grande hospital do país. Através de receitas prescritas por duas médicas – uma delas coordenadora – a enfermeira e o técnico administrativo daquele serviço aviavam, em nome dos doentes, um medicamento extremamente caro na farmácia, onde aquele técnico também trabalhava. A fraude envolvia sempre o Risperdal Consta, para a depressão e esquizofrenia, que é comparticipado a 100% pelo Estado e tem custos elevados: só uma embalagem de 50 mg custa 195,28 euros ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Era este o ganho da ‘rede’ por cada embalagem.
O esquema durou dois anos. Por serem tratamentos longos, os doentes tinham de ir ao hospital renovar a receita para adquirir o remédio nas farmácias, voltando depois para que a enfermeira o administrasse através de uma injecção. Mas esta e o cúmplice pediam às médicas que assinassem muitas mais receitas do que as necessárias. E se muitas vezes entregavam algumas aos doentes, ficando com as restantes, em outras situações nem davam aos utentes a prescrição, dizendo que lhes arranjavam os medicamentos.
Prejuízos de 100 milhões
Esta foi uma das situações investigadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que no ano passado fez 59 acusações, a que o SOL teve acesso. E 16 delas são de fraudes com medicamentos.
Alguns dos casos foram encaminhados para a Polícia Judiciária (PJ), que através da sua Unidade de Combate à Fraude no SNS já detectou 80 situações desde que iniciou funções, há menos de um ano. Segundo o ministro da Saúde, estão em causa prejuízos de quase 100 milhões de euros.
No caso que envolve o serviço de Psiquiatria, a IGAS ordenou a suspensão dos quatro envolvidos, mas alega que não apurou a totalidade dos prejuízos por não ter sido possível ainda detectar a quantidade de receitas prescritas e usadas efectivamente pelos doentes, nos casos em que eram usados nomes de pessoas que estavam a ser tratados com Risperdal. Mas o inspector que investigou o caso diz ter conseguido contabilizar pelo menos sete mil euros em prejuízos para o SNS, só em receitas aviadas com doentes que não consumiram aquele produto.
Receitas com centenas de comprimidos num só dia
Outro dos esquemas punidos pela IGAS envolvia um médico de família que fez ‘um acordo’ com um delegado de informação médica.
Auxiliado pelo pessoal administrativo, inscreveu doentes na sua lista e, sem estes saberem e muitos nem terem sequer ido ao centro de saúde, emitiu receitas em nome deles com medicamentos caros comparticipados a 90% pelo SNS. As receitas eram depois aviadas por outras pessoas em várias farmácias de Norte a Sul do país: os cofres do Estado foram lesados em pelo menos 30 mil euros e a IGAS ordenou a demissão do médico.
Apanhado foi também um outro clínico que não dava todas as vias da receita aos doentes. Além disso, depois das visitas da proprietária de uma empresa farmacêutica, pedia às funcionárias administrativas que inscrevessem um certo número de doentes na sua lista e, nesse dia, sem nunca os ver, passava receitas falsas em nome deles com os produtos sugeridos pela farmacêutica.
Por outro lado, receitava aos doentes enormes quantidades de comprimidos, muito acima do necessário. E isto com dezenas de medicamentos diferentes. Um dos casos dizia respeito à Sinvastatina, um produto para o colesterol 100% comparticipado pelo SNS. O médico «prescreveu 13 embalagens, num total de 780 comprimidos para 10 meses» – quando cada embalagem «traz 60 comprimidos», o que daria para «dois meses de tratamento», refere a IGAS no despacho de acusação, onde propõe a suspensão do profissional.
Também foi o excesso de receitas a um doente que denunciou um psiquiatra: num só dia, prescreveu a uma pessoa 24 embalagens de Xanax (1440 comprimidos) e 14 de Socian (280 ampolas) que custaram 98,10 euros ao SNS. Já um outro médico de família foi descoberto a receitar medicamentos de um determinado laboratório, tendo depois recebido bilhetes para importantes jogos de futebol.
Análises ao cancro sob suspeita
Nas acusações da IGAS constam também casos em que são envolvidos profissionais com cargos de chefia. Por exemplo, um chefe de serviço de Clínica Geral e familiar foi detectado a passar 36 receitas a uma utente que não constava da sua lista de doentes, mas de uma colega: só aqui terá lesado o SNS em quatro mil euros.
Muitos destes casos isolados são encaminhados para a PJ, que os investiga, detectando redes e prejuízos de milhões ao SNS.
O Governo pretende reforçar a caça a esta fraude e vai aumentar o número de inspectores na IGAS. Ao mesmo tempo, o ministro da Saúde anunciou que vai alargar a investigação aos meios complementares de diagnóstico. «Há médicos que requisitam análises e outros meios de diagnóstico em excesso. E é preciso ver se é apenas má prática médica ou fraude», explica fonte do sector.
Aliás, a IGAS acusou já em 2012 um médico de família que prescreveu «a muitos dos seus utentes meios complementares de diagnóstico, nomeadamente análises, em excesso e sem fundamentação» – lê-se no despacho de acusação. Pediu, por exemplo, hemoglobina para doentes que não eram diabéticos e passou requisições para a realização de marcadores tumorais numa periodicidade fora do normal.
Além de apostar no combate à fraude, a IGAS privilegiou também a ‘caça’ aos médicos que não picam o ponto, ou seja, que recusam efectuar o registo biométrico de assiduidade. Ao todo, foram feitas 12 acusações a profissionais, grande parte directores e chefes de serviço. Um deles, confrontado pela IGAS, alegou «que não havia desinfectante junto aos terminais do sistema biométrico».
De resto, a maioria das restantes acusações decretadas pela IGAS, em 2012, resultou de casos relacionados com negligência.
catarina.guerreiro@sol.pt
O esquema durou dois anos. Por serem tratamentos longos, os doentes tinham de ir ao hospital renovar a receita para adquirir o remédio nas farmácias, voltando depois para que a enfermeira o administrasse através de uma injecção. Mas esta e o cúmplice pediam às médicas que assinassem muitas mais receitas do que as necessárias. E se muitas vezes entregavam algumas aos doentes, ficando com as restantes, em outras situações nem davam aos utentes a prescrição, dizendo que lhes arranjavam os medicamentos.
Prejuízos de 100 milhões
Esta foi uma das situações investigadas pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), que no ano passado fez 59 acusações, a que o SOL teve acesso. E 16 delas são de fraudes com medicamentos.
Alguns dos casos foram encaminhados para a Polícia Judiciária (PJ), que através da sua Unidade de Combate à Fraude no SNS já detectou 80 situações desde que iniciou funções, há menos de um ano. Segundo o ministro da Saúde, estão em causa prejuízos de quase 100 milhões de euros.
No caso que envolve o serviço de Psiquiatria, a IGAS ordenou a suspensão dos quatro envolvidos, mas alega que não apurou a totalidade dos prejuízos por não ter sido possível ainda detectar a quantidade de receitas prescritas e usadas efectivamente pelos doentes, nos casos em que eram usados nomes de pessoas que estavam a ser tratados com Risperdal. Mas o inspector que investigou o caso diz ter conseguido contabilizar pelo menos sete mil euros em prejuízos para o SNS, só em receitas aviadas com doentes que não consumiram aquele produto.
Receitas com centenas de comprimidos num só dia
Outro dos esquemas punidos pela IGAS envolvia um médico de família que fez ‘um acordo’ com um delegado de informação médica.
Auxiliado pelo pessoal administrativo, inscreveu doentes na sua lista e, sem estes saberem e muitos nem terem sequer ido ao centro de saúde, emitiu receitas em nome deles com medicamentos caros comparticipados a 90% pelo SNS. As receitas eram depois aviadas por outras pessoas em várias farmácias de Norte a Sul do país: os cofres do Estado foram lesados em pelo menos 30 mil euros e a IGAS ordenou a demissão do médico.
Apanhado foi também um outro clínico que não dava todas as vias da receita aos doentes. Além disso, depois das visitas da proprietária de uma empresa farmacêutica, pedia às funcionárias administrativas que inscrevessem um certo número de doentes na sua lista e, nesse dia, sem nunca os ver, passava receitas falsas em nome deles com os produtos sugeridos pela farmacêutica.
Por outro lado, receitava aos doentes enormes quantidades de comprimidos, muito acima do necessário. E isto com dezenas de medicamentos diferentes. Um dos casos dizia respeito à Sinvastatina, um produto para o colesterol 100% comparticipado pelo SNS. O médico «prescreveu 13 embalagens, num total de 780 comprimidos para 10 meses» – quando cada embalagem «traz 60 comprimidos», o que daria para «dois meses de tratamento», refere a IGAS no despacho de acusação, onde propõe a suspensão do profissional.
Também foi o excesso de receitas a um doente que denunciou um psiquiatra: num só dia, prescreveu a uma pessoa 24 embalagens de Xanax (1440 comprimidos) e 14 de Socian (280 ampolas) que custaram 98,10 euros ao SNS. Já um outro médico de família foi descoberto a receitar medicamentos de um determinado laboratório, tendo depois recebido bilhetes para importantes jogos de futebol.
Análises ao cancro sob suspeita
Nas acusações da IGAS constam também casos em que são envolvidos profissionais com cargos de chefia. Por exemplo, um chefe de serviço de Clínica Geral e familiar foi detectado a passar 36 receitas a uma utente que não constava da sua lista de doentes, mas de uma colega: só aqui terá lesado o SNS em quatro mil euros.
Muitos destes casos isolados são encaminhados para a PJ, que os investiga, detectando redes e prejuízos de milhões ao SNS.
O Governo pretende reforçar a caça a esta fraude e vai aumentar o número de inspectores na IGAS. Ao mesmo tempo, o ministro da Saúde anunciou que vai alargar a investigação aos meios complementares de diagnóstico. «Há médicos que requisitam análises e outros meios de diagnóstico em excesso. E é preciso ver se é apenas má prática médica ou fraude», explica fonte do sector.
Aliás, a IGAS acusou já em 2012 um médico de família que prescreveu «a muitos dos seus utentes meios complementares de diagnóstico, nomeadamente análises, em excesso e sem fundamentação» – lê-se no despacho de acusação. Pediu, por exemplo, hemoglobina para doentes que não eram diabéticos e passou requisições para a realização de marcadores tumorais numa periodicidade fora do normal.
Além de apostar no combate à fraude, a IGAS privilegiou também a ‘caça’ aos médicos que não picam o ponto, ou seja, que recusam efectuar o registo biométrico de assiduidade. Ao todo, foram feitas 12 acusações a profissionais, grande parte directores e chefes de serviço. Um deles, confrontado pela IGAS, alegou «que não havia desinfectante junto aos terminais do sistema biométrico».
De resto, a maioria das restantes acusações decretadas pela IGAS, em 2012, resultou de casos relacionados com negligência.
catarina.guerreiro@sol.pt
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