sábado, 24 de janeiro de 2015

Ação de improbidade em aterro de Campo Grande tem oito réus, diz MPF - Réus são acusados de participar de esquema de fraude e superfaturamento. Obra gerou prejuízos de R$ 867,6 mil aos cofres públicos, segundo MPF.

Justiça Federal analisa denúncia feita pelo MPF sobre irregularidades em licitação de aterro sanitário (Foto: Reprodução/TV Morena)
Ação julga improbidade administrativa
(Foto: Reprodução/TV Morena)

A Justiça Federal aceitou a denúncia contra oito pessoas e uma empresa de construção sobre suspeita de irregularidades na licitação e na obra do aterro sanitário da capital de Mato Grosso do Sul.
Conforme divulgado nesta sexta-feira (23) pelo Ministério Público Federal (MPF), que ajuizou ação de improbidade administrativa, os denunciados são acusados de participar de esquema de fraude, superfaturamento, pagamento indevido e autorização ilegal de uso do aterro sanitário Dom Antônio Barbosa II.
Os réus são o ex-prefeito Nelson Trad Filho (PMDB); o ex-titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura, Transporte e Habitação (Seintrha), João Antônio De Marco; o dono da Anfer, Antônio Fernando de Araújo Garcia; o engenheiro da Caixa Econômica Federal; Rogério Shinohara; o engenheiro da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Aroldo Ferreira Galvão; e o então engenheiro da Anfer, Sérgio Romero Bezerra Sampaio, além de mais dois ex-funcionários da prefeitura na época.
A empresa Anfer afirmou, em nota, que discorda das acusações e que já entrou com recuso. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) de Mato Grosso do Sul informou que duas prestações de contas foram rejeitadas pelos técnicos do órgão e que uma outra não foi entregue pela prefeitura.
O ex-prefeito Nelson Trad Filho disse que já apresentou defesa para a justiça, explicando que a obra foi feita dentro da legalidade. O G1 entrou em contato por email e telefone com a assessoria da Caixa Econômica Federal (Cef), mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A TV Morena entrou contato com o ex-secretário de obras João Antônio de Marco, mas as ligações não foram atendidas. A produção também tentou contato com dois ex-funcionários da prefeitura, mas não conseguiu.
Segundo o MPF, a decisão judicial indica que há "fortes indícios de que, durante o processo de licitação destinado à contratação de empresa para implantação do aterro sanitário de Campo Grande, houve direcionamento/favorecimento da vencedora.
No total, segundo o MPF, a obra teve custo estimado de R$ 4.926.771,24. A investigação se baseou em relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal (PF) e Fundação Nacional de Saúde (Funasa). São acusados de envolvimento o ex-pefeito de Campo Grande, servidores públicos municipais e federais, engenheiros e um empresário.
Para entender o caso
No dia 22 de maio de 2014, o Bom Dia MS da TV Morena exibiu uma reportagem mostrandoque oito pessoas e a empresa Anfer Construções e Comércio Ltda tinham sido denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) por crime de improbidade administrativa.

Os réus são o ex-prefeito Nelson Trad Filho (PMDB); o ex-titular da Secretaria Municipal de Infraestrutura, Transporte e Habitação (Seintrha), João Antônio De Marco; o dono da Anfer, Antônio Fernando de Araújo Garcia; o ex-presidente da Comissão de Licitação da prefeitura, Bertoldo Figueiró Filho; o engenheiro da prefeitura Taner Lobo Casal Batista; o engenheiro da Caixa Econômica Federal; Rogério Shinohara; o engenheiro da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), Aroldo Ferreira Galvão; e o então engenheiro da Anfer Sérgio Romero Bezerra Sampaio. e mais dois ex-funcionários da prefeitura na época.
A reportagem da TV Morena procurou todos os denunciados. Veja o que eles afirmaram sobre o caso em 2014.
O ex-prefeito NelsonTrad Filho indicou o ex-secretário da Seintrha para falar sobre as acusações. Em entrevista à TV Morena, De Marco negou que houve direcionamento da licitação para Anfer e afirmou que a obra do aterro sanitário foi feita dentro da lei. “Nós temos como comprovar que são verdadeiras as ações. Tudo dentro das normas, dentro da lei”, garantiu, destacando que não houve superfaturamento, mas devolução de recurso para a União.
Em nota enviada à TV Morena, a assessoria jurídica da Anfer esclareceu que Garcia não vai dar entrevista porque não foi notificado pela Justiça e afirmou que não houve irregularidades na licitação ou na obra do aterro sanitário. Sampaio não é mais funcionário da Anfer e não foi localizado.
Ainda, em 2014, a Funasa informou que a fiscalização da obra cabia aos engenheiros da prefeitura e que fez a supervisão do convênio que repassou cerca de R$ 2,4 milhões para o município. Desse total, houve prestação de contas de R$ 679,5 mil. O restante foi devolvido pela prefeitura, em 2013, a pedido da Funasa. A Caixa informou que já prestou esclarecimento ao MPF.
A Justiça Federal negou o pedido de liminar para a indisponibilidade dos bens dos denunciados. O juiz entendeu que, diante da complexidade da questão, é necessária uma análise profunda dos documentos contidos na ação.
Caso sejam condenados, os envolvidos estarão sujeitos à sanções estabelecidas na Lei da Improbidade Administrativa, que prevê ressarcimento integral do dano aos cofres públicos, além de perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e probição de contratar com o poder público ou receber benefícios/incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente.
Denúncia
O aterro sanitário Dom Antônio Barbosa II, hoje com toneladas de resíduos sólidos, foi construído ao lado do antigo lixão de Campo Grande, na região sul da cidade. A obra começou em 2007 para ser concluída em um ano, mas foi paralisada durante três anos e meio. Uma obra que, segundo o MPF, gerou prejuízos aos cofres públicos de R$ 867.670,89.

A devolução desse dinheiro está sendo cobrada em uma ação civil pública que chegou à Justiça Federal no início de abril. O MPF cita três atos de improbidade administrativa: direcionamento e fraude na licitação, superfaturamento e pagamento indevido na execução da obra do aterro e autorização ilegal de uso do aterro sanitário.

A ação movida pelo Ministério Público apresentou provas baseadas em auditorias feitas pela Controladoria-Geral da União (CGU) e em uma investigação da Polícia Federal (PF). Foram reunidos documentos desde 2005, quando a prefeitura de Campo Grande assinou dois convênios com o governo federal para o repasse do dinheiro da obra do aterro sanitário. Na licitação, o custo foi estimado em R$ 4,9 milhões.
Em 2006, a prefeitura da capital sul-mato-grossense abriu concorrência para contratar a empresa responsável pela obra. Segundo a CGU, havia irregularidades desde o edital de licitação, o que comprometeu a livre participação de empresas interessadas. Restrições e cobranças em desacordo com a lei das licitações. Entre as empresas eliminadas da concorrência indevidamente, estava a que apresentou o menor preço.
Os auditores concluíram que foi um ato injusto e sem argumentação clara que custou quase R$ 200 mil a mais para os cofres públicos. Para o MPF, houve manipulação do processo, já que a comissão de licitação não aplicou o mesmo rigor à empresa vencedora ao exigir o cumprimento das cláusulas do edital.
A beneficiada foi a empresa Anfer Construções e Comércio Ltda, que está sendo acusada também de superfaturamento na obra do aterro sanitário. A ação cita que Trad Filho e o ex-presidente da comissão de licitação agiram dolosamente, com abuso do cargo, para favorecer a empresa, atendendo objetivos particulares em detrimento do interesse público.
Uma das principais irregularidades está na impermeabilização do terreno. Imagens feitas pela PF em 2012, durante uma vistoria na obra, mostram que as mantas que protegem o solo eram de qualidade inferior à contratada. O estudo de impacto ambiental recomendou, no lixão, o uso de manta com 2 milímetros de espessura. Porém, a fiscalização constatou que foram instaladas mantas de 1 milímetro e de 1,5 milímetro.
O mestre em tecnologia ambiental da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Ariel Ortiz Gomes Martins, explicou que a consequência de uma geomembrana mais fina é a maior facilidade de ruptura ou maior risco de ocorrer infiltração, a entrada de chorume no subsolo, contaminando a água subterrânea. “Dependendo da movimentação, você pode então ter a ruptura, porque você tem veículos pesados se deslocando ao longo das células do aterro”, afirmou Gomes Martins.
Além da movimentação de máquinas, também são levados em conta os trabalhos de compactação do lixo e o peso dos resíduos. A auditoria do governo federal constatou que a prefeitura contrariou os laudos técnicos, que indicavam geomembranas de dois milímetros, e reduziu essa espessura sem fazer novos estudos ambientais. A licitação e o contrato com a empresa exigiram a instalação de mantas de 1,5 milímetro. No aterro, um dos funcionários da Anfer disse à PF que o material tinha a espessura contratada. Mas durante a perícia, os técnicos da Polícia Federal encontraram parte das mantas com apenas 1 milímetro, metade da espessura ideal.
Os peritos concluíram que a empresa agiu de má-fé e que, diante das denúncias, começou a substituir o material. Além de receber dinheiro para instalar um produto de melhor qualidade, a empresa Anfer também é acusada de cobrar pela manta, valores acima dos de mercado. Na análise dos documentos, os auditores da CGU apontaram ainda que a prefeitura emitiu indevidamente a licença prévia e as licenças de instalação do aterro e que a licença de operação foi assinada antes da conclusão da obra.
O engenheiro civil Antônio Fernando de Araújo Garcia foi preso em 2010 e indiciado pela PF durante a operação Uragano, que investigou um esquema de fraudes a licitações na prefeitura de Dourados, a 225 quilômetros de Campo Grande. Em 2006, ele já tinha sido indiciado na operação Caixa Preta, acusado de desviar mais de R$ 7 milhões dos cofres públicos nos serviços de reforma do aeroporto de Corumbá, a 444 quilômetros da capital sul-mato-grossense.
Na atual denúncia, o MPF destacou que o empresário é sócio de uma das empresas do consórcio CG Solurb, que venceu a licitação bilionária da prefeitura de Campo Grande para explorar os serviços de limpeza pública, coleta e reciclagem de resíduos sólidos durante 25 anos. Além disso, o órgão afirma que houve sobreposição de serviços, ou seja, a obra de parte do aterro, feita pela empresa Anfer, foi novamente contratada na nova licitação.

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