Em seu texto “Sobre algumas funções da literatura”, Umberto Eco
aponta, dentre outras, para a seguinte proposição: “A literatura, contribuindo
para formar a língua, cria identidade e comunidade” (Eco, 2001, p. 11). A
memória e as questões relativas à identidade estão intimamente interligadas e
quando se articulam com a literatura criam um espaço importante para a
perpetuação de conhecimentos e de aprendizagem. Entendendo essa relação
inextrincável entre literatura e identidade e que a memória é, recorrentemente,
utilizada como subsídio fundamental para diversas criações literárias é que
apresentamos o eixo temático norteador para o PAES UNIMONTES/2019:
literatura, memória e identidade.
O desejo de retratar a própria existência através da escrita é algo
que tem atraído significativa parcela de escritores ao longo dos tempos.
Vontade de “perpetuar” sua existência, de construir uma imagem com a qual
gostaria que fosse lembrado, de reconstruir uma história de vida com a
possibilidade de omitir fatos desagradáveis e de exaltar as conquistas, tudo
isso pode ser alegado como justificativa para essa modalidade de escrita.
A tentativa de reconstrução do passado, objetivo presente nas obras
selecionadas, é uma forma que os protagonistas usam para alcançar uma meta
tão complexa quanto a restituição dos acontecimentos vividos: eles buscam se
definir, querem encontrar subsídios que sustentem uma identidade cultural
própria. A despeito do caráter falível, seletivo da memória, será baseado nela
que as narrativas serão estruturadas, pois segundo Paul Ricoeur “ela é nosso
único recurso para significar o caráter passado daquilo de que declaramos nos
lembrar”. (RICOEUR. 2007.p. 40)
Ao tratarmos da temática da identidade, entendemos que a perda do
sentido de si, estável como sujeito integrado, vem ocasionando o deslocamento
e a descentralização do indivíduo. Consequentemente, na modernidade,
notamos uma mudança significativa nos conceitos de identidade e
subjetividade. Argumenta-se, nesse sentido, que, desde a virada do século
XIX, o ser humano vem assistindo ao lento processo de fragmentação e
fragilização da sua subjetividade, de que é o sujeito de si mesmo e da sua
história. Como resultado dessas transformações, assistimos ao
descentramento das chamadas identidades modernas, pois o sujeito deixa de
ser visto como uno e homogêneo, passando a ser plural e heterogêneo.
Stuart Hall, em A identidade cultural na pós-modernidade, inicia a
discussão sobre a identidade, fazendo distinção entre três tipos de sujeito:
sujeito do Iluminismo, sujeito sociológico e sujeito pós-moderno. Na primeira
concepção, teríamos um sujeito centrado, unificado. O sujeito sociológico já
começava a refletir as transformações que o mundo moderno trazia, tornando
aquele ser dependente das relações com o outro para ter a consciência de si.
Não existia mais o sentimento de autonomia e autossuficiência que se
detectava no primeiro tipo citado. A aceleração das transformações que o
mundo vinha sofrendo levou o homem à terceira concepção de identidade: a do
sujeito pós-moderno. Tal sujeito não teria uma identidade fixa, “O sujeito
assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não
são unificadas ao redor de um “eu” coerente”. (HALL, 1993, p. 10)
Eis o quadro que se desenhou até agora: a identidade cultural do
homem na pós-modernidade vem sendo fragilizada desde a fase do sujeito
sociológico, segundo Hall, ao sofrer ataques dos mais variados fatores, o que
levou a uma fragmentação, ou para ser mais fiel aos estudos de Hall, a um
descentramento. Estando descentrado, esse sujeito pós-moderno passa a
buscar formas para se “ligar”, para “fazer parte” de algo que lhe restitua, de
algum modo, um sentimento de identificação cultural. Seres descentrados, que
se utilizarão de diversos recursos – a memória, as relações com o outro, a
escrita – com o claro objetivo de encontrar aspectos referenciais ou, pelo
menos, que minimizem a melancolia que a certeza da impossibilidade dessa
reconstituição desperta em cada um deles.
Em vista disso, a partir de conceitos como
autobiografia/memória/identidade, e visando à promoção de situações de
leitura individual e coletiva e de debates sobre práticas sociais humanísticas de
importantes temas da agenda contemporânea, o Edital PAES
UNIMONTES/2019 indica, como obrigatórias, obras literárias e outras formas
de arte que exploram, entre outras, questões relativas ao processo de
formação do povo brasileiro. As indicações objetivam, como competências
gerais a serem desenvolvidas pelo candidato, a capacidade de confrontar, a
partir das percepções estéticas, opiniões várias sobre as diferentes
manifestações da linguagem, bem como reconhecer nessas manifestações a
construção de um patrimônio cultural coletivo. Assim como nos anos anteriores,
as obras indicadas privilegiam, desde a leitura literária, a articulação de
linguagens artísticas diversas e, ainda, mantendo a identidade da Universidade
Estadual de Montes Claros como instituição de integração regional, alia
produções de escritores e artistas regionais com outras produzidas em outros
Estados – aspecto que pretende substanciar a perspectiva temática desta
edição, a qual, como acima referido, volta-se, principalmente, às possibilidades
estéticas das expressões da alteridade.
2019 - LEITURAS MÍNIMAS OBRIGATÓRIAS
1ª ETAPA
As obras indicadas para esta etapa têm em comum as temáticas indígenas e
barrocas. Privilegiando o cruzamento entre linguagens artísticas e olhares
diversos, espera-se do candidato uma leitura crítica e relacional das
representações estéticas do período e suas implicações culturais e sociais.
1. Ubirajara, José de Alencar (ROMANCE)1
2. História da Província de Santa Cruz – Pero de Magalhães Gândavo
(CRÔNICA)2
3. O Guarani, Norma Benguell (FILME)3
4. Desembarque de Cabral, Oscar Pereira da Silva (PINTURA)4
5. Seleção de Obras Poéticas, Gregório de Matos (POESIA)5
1
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=166
79
2
Disponível em : http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000281.pdf
3
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H_t79RdEt8Y
4
Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra6248/descoberta-do-brasil-desembarque-de-pedroalvares-cabral-em-porto-seguro-em-1500.
5
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=182
7.
2019 - LEITURAS MÍNIMAS OBRIGATÓRIAS
2ª ETAPA
Nesta etapa, as obras privilegiam o tema da memória como instrumento
estruturante de produções artísticas brasileiras. O candidato deverá ser capaz
de abordar, a partir da leitura literária, as variadas linguagens artísticas,
evidenciando perspectiva crítica e plural de nossa formação cultural, bem como
será convidado a relacionar pontos de vista distintos sobre a questão.
1. Dom Casmurro, Machado de Assis (ROMANCE)6
2. São Bernardo, Graciliano Ramos (ROMANCE)
3. Lira dos vinte anos, Álvares de Azevedo (POESIA)7
4. Faltando um pedaço, Djavan (MÚSICA)
5. Arrufos, Belmiro de Almeida (PINTURA)8
2019 - LEITURAS MÍNIMAS OBRIGATÓRIAS
3ª ETAPA
Nesta terceira etapa, privilegia-se, nas obras indicadas, a representação
estética do ‘eu’. Do romance à autoficção, passando pelo autorretrato, pela
canção e explorando a produção literária afro-brasileira, o candidato, nesta
fase, deverá ser capaz de desempenhar uma leitura sobre as formas como
diferentes linguagens artísticas acionam a questão da subjetividade. Serão
abordadas ainda novas formas de expressões artísticas que envolvam as
evoluções tecnológicas.
1. O mulo, Darcy Ribeiro (ROMANCE)
2. A teus pés, Ana Cristina César (POESIA)
3. Tecnopoesia, Antônio Miranda (SITE)
4. Cadernos Negros, v. 40 (CONTOS)
5. Priapo de ébano, Amelina Chaves (CONTOS)9
6
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=188
8.
7
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=165
39
8
Disponível em:
https://artsandculture.google.com/asset/arrufos/mQFUu5466NFkCA?hl=pt-BR
9
Os exemplares de Priapo de Ébano estarão disponíveis na Palimontes, Rua Padre Augusto, 317, Centro,
Montes Claros.
6. Diversidade, Lenine (MÚSICA)
REFERÊNCIAS
ALENCAR, José de. Ubirajara. São Paulo: Martin Claret, 2002. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=16679
ALMEIDA, Belmiro de. Arufos.
Disponível em:
https://artsandculture.google.com/asset/arrufos/mQFUu5466NFkCA?hl=pt-BR.
ÁLVARES DE AZEVEDO. Lira dos vinte anos. Porto Alegre: L&PM, 1998.
Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=16539
BENGUELL, Norma. O Guarani.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=H_t79RdEt8Y.
Cadernos Negros 40: contos afro-brasileiros. Organização de Esmeralda
Ribeiro e Márcio Barbosa. São Paulo: Quilombhoje, 2017.
CESAR, Ana Cristina. A teus pés. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
CHAVES, Amelina. Priapo de ébano. Belo Horizonte: Cuatiara, 2007.
ECO, Umberto. Sobre a literatura. Tradução Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:
Record, 2003.
GÂNDAVO, Pêro de Magalhães. História da Província de Santa Cruz.
Disponível em : http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000281.pdf
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 6. ed. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
MACHADO DE ASSIS. Dom Casmurro. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=1888.
MATOS Gregório de. Seleção de Obras Poéticas. Disponível em:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action
=&co_obra=1827.
MIRANDA, Antônio. Tecnopoesia. Disponível em:
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_visual/tecnopoesia.html.
RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Ed. 88. Rio de Janeiro: Record, 2009.
RIBEIRO, Darcy. O mulo. São Paulo: Editora Global, 2014.
RICOEUR, Paul. A Memória, a História, o Esquecimento. Campinas – SP:
Editora da UNICAMP, 2007.
SILVA, Oscar Pereira da. Desembarque de Cabral. Disponível em:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra6248/descoberta-do-brasildesembarque-de-pedro-alvares-cabral-em-porto-seguro-em-1500.
https://cotec.fadenor.com.br/paes/processo/398
https://cotec.fadenor.com.br/paes/processo/398
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