segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

SONHO DE PEDRA - PAULO Cecilio - texto 5 do LIVRO II - "PALAVRAS DE PEDRA"




SONHO DE PEDRA

foges inquieta às festas coloridas
caminhas ao encontro
de outros lábios 

chegas borrada de maquiagem vencida
vestido amarrotado
e vais dormir feliz

guardarei teu sono
como guardei tua noite
tuas festas
teus amores

que me rasgam o ventre

limpei a taça do teu vinho
e me embriaguei de sonhos
sonhando sem boca
que pudesse partilhar contigo

e morro, e morro..

então limpo teu sapato vermelho

sonho com teus pés delicados
que jamais jamais tocarão
os meus de pedras

sonho com teu gingado leve
teus voleios encantados
noites inebriantes e permaneço:

deliro que acordarei sem pedras...

sonho valsar contigo, eu, livre,
sem os animais estranhos que me afogam,
tapam meu nariz, fecham meu caminho...

sonho finalmente, que te abraço,
forte, longamente, com ternura,
em meus braços ainda fortes
e desajeitados, mas não há tempo,

aquela foto não é minha!
e como um pivete, choro...


PAULO Cecilio


texto 5 do LIVRO II - "PALAVRAS DE PEDRA"

Florbela Espanca: “Deixa dizer-te os lindos versos raros que foram feitos pra te endoidecer!”

Por  
Doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas da UFBA (PosCom-UFBA. Mestre em Letras e Linguística pela UFG. Graduada em Letras (Português) pela UFG. É professora do Governo do Estado de Tocantins e da Unitins. Atua em pesquisa e desenvolve projetos de pesquisa nas áreas de literatura, televisão, teleficção seriada e adaptação literária; e também na área de linguagem para mídia impressa em educação. kyldesv@gmail.com

Aquela que passou a vida a procurar um verso deixou a nós inúmeros poemas. Florbela Espanca nasceu em Vila Viçosa-Alentejo, em Portugal, em 8 de dezembro de 1894. Filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antonia da Conceição Lobo foi educada pela madrasta e pelo pai. Realizou estudos no Liceu em Évora e fez o curso de Direito na Universidade de Lisboa.


Florbela Espanca foi casada três vezes! Em 1913 casou-se em Évora com Alberto de Jesus Silva Moutinho, seu colega da escola. A primeira seleção de seus poemas está datada de 1916, em que reuniu sua produção poética elaborada desde 1915 e deu início ao projeto Trocando Olhares. Foram coletados oitenta e cinco poemas e três contos. Um ano mais tarde, como consequência de um aborto involuntário, a escritora teve infetados os ovários e os pulmões. Por causa disso, precisou repousar em Quelfes (Olhão), onde apresentou os primeiros sinais sérios de neurose.
Em 1919, o livro de sonetos Livro de Mágoas teve uma tiragem de duzentos exemplares que se esgotou rapidamente. No ano seguinte, sendo ainda casada, a escritora passou a viver com António José Marques Guimarães, alferes de Artilharia da Guarda Republicana. O casamento entre eles só pôde ser realizado em 1921.
A segunda coletânea de seus sonetos, o Livro de Sóror Saudade, saiu em 1923 em uma edição paga por seu pai. Nesta época, residindo em Lisboa, Florbela começou a dar aulas particulares de português para sobreviver. Em 1925, divorciou-se pela segunda vez e casou-se com o médico Mário Pereira Lage, que conhecia desde 1921 e com quem vivia desde 1924.
Em 1927, Florbela Espanca começou a colaborar no Jornal D. Nuno de Vila Viçosa. Naquela época procurava um editor para a coletânea Charneca em Flor, enquanto preparava um volume de contos, O Dominó Preto, publicado postumamente apenas em 1982. Ainda neste ano, a morte de seu irmão, Apeles Espanca, em um acidente de avião, foi devastadora para a autora. A poetisa tentou o suicídio pela primeira vez em 1928, quando teve agravada sua doença mental. Em homenagem ao irmão, escreveu os contos que compõem As Máscaras do Destino, que fora publicado postumamente.
Em outubro e novembro de 1930, Florbela tentou o suicídio duas vezes, na véspera da publicação da sua obra-prima, Charneca em Flor. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a poetisa perdeu definitivamente a vontade de viver. Não resistiu à terceira tentativa do suicídio e morreu em decorrência de suicídio por barbitúricos, em 1930, no dia de seu aniversário, com apenas 36 anos.
Segundo estudiosos de sua obra, ela deixou uma carta confidencial com seus últimos desejos, entre eles para que fossem colocados no seu caixão os restos do avião pilotado por Apeles quando sofreu o acidente. O corpo dela está, desde 17 de Maio de 1964, no cemitério de Vila Viçosa, a sua terra natal.
O poema Eu não abre o Livro de Mágoas, mas tem características de autobiográfica, da dor que a poetisa sofria:
Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada… a dolorida…
Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!…
Sou aquela que passa e ninguém vê…
Sou a que chamam triste sem o ser…
Sou a que chora sem saber porquê…
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!
A vida da autora pode ser resumida como uma vida cheia de amores, mas que nenhum deles fosse o “certo”. Neste poema, por exemplo, percebemos a presença do amor predestinado, do príncipe encantado que deveria encontrá-la e que nunca a encontrou. A última estrofe (ou terceto) é, talvez o que melhor resuma a vida amorosa de Florbela Espanca. Uma vida cheia de amores, sem que nenhum fosse o certo.
Em História da Literatura Portuguesa, António José Saraiva e Óscar Lopes (2000, p. 967) descrevem Florbela Espanca como sonetista de "laivos anterianos"1 e "uma das mais notáveis personalidades líricas isoladas, pela intensidade de um emotivo erotismo feminino, sem precedentes entre nós [portugueses], com tonalidades ora egoístas ora de uma sublimada abnegação que ainda lembra Sóror Mariana2, ora de uma expansão de amor intenso e instável [...]”. E acrescentam que a obra da Florbela "precede de longe e estimula um mais recente movimento de emancipação literária da mulher, exprimindo nos seus acentos mais patéticos a imensa frustração feminina das [...] opressivas tradições patriarcais”. Amar é um exemplo disso:
Amar!
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente
Amar!Amar!E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder... pra me encontrar...
A poesia de Florbela Espanca é caracterizada por um forte teor confessional. A poetisa não se sentia atraída por causas sociais, preferindo exprimir em seus poemas, os acontecimentos que diziam respeito à sua condição sentimental. Não fez parte de nenhum movimento literário, embora seu estilo lembrasse muito os poetas do romantismo.
Rolando Galvão, autor do artigo sobre Florbela Espanca publicado na página eletrônica Vidas Lusófonas, lembra a correspondência da poetisa com o irmão, Apeles, e com uma amiga próxima, que apenas viu em retrato. O autor do artigo ressalta os excessos verbais da escritora, provocados, segundo ele, pela sua imoderação para exprimir uma paixão. A sua exaltação do amor fraternal também é considerada fora do comum. Galvão repara que esses limites alargados na expressão do amor, da amizade e das afeições, são na obra florbeliana uma constante.
Outro aspecto bastante discutido acerca da poética de Florbela Espanca é o erotismo. Na maioria de suas obras Florbela Espanca retrata a sensualidade, o confidencial, a feminilidade e a erotização, uma vez que, através destas temáticas, a autora buscou a emancipação literária da mulher e ousou levar ainda mais longe o erotismo feminino . Sua produção é envolvida por sugestões advindas pelo uso das reticências. Um exemplo está no poema Se tu viesses ver-me hoje à tardinha:
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços…
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca… o eco dos teus passos…
O teu riso de fonte… os teus abraços…
Os teus beijos… a tua mão na minha…
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca…
Quando os olhos se me cerram de desejo…
E os meus braços se estendem para ti…
A primeira estrofe do poema “Se tu viesses ver-me hoje à tardinha”, há a presença de um desejo direcionado a alguém que certamente não estivesse disponível no sentido de não completar ou satisfazer suas expectativas amorosas. Na segunda estrofe surge a confissão de momentos de amor vivenciados, descrevendo detalhadamente situações amorosas, permanecendo apenas a saudade. Também é perceptível o erotismo na terceira estrofe, em que a poetisa retrata uma relação de elementos sensuais como beijo, seda vermelha, canto e riso. Além disso, o vermelho é um elemento de tradução do erotismo.
Outro aspecto que vai mostrar a presença do erotismo é a expressão “linda e louca” presente no primeiro verso desta estrofe, trazendo a ideia de uma mulher loucamente apaixonada que se sente linda aos olhos do objeto desejado. Na última estrofe o erótico é intensificado nos termos “sol” e “desejo”. Florbela Espanca deixa a nós leitores saudade sim... talvez... e por que não?
Saudades! Sim.. talvez.. e por que não?…
Se o sonho foi tão alto e forte
Que pensara vê-lo até à morte
Deslumbrar-me de luz o coração!
Esquecer! Para quê?… Ah, como é vão!
Que tudo isso, Amor, nos não importe.
Se ele deixou beleza que conforte
Deve-nos ser sagrado como o pão.
Quantas vezes, Amor, já te esqueci,
Para mais doidamente me lembrar
Mais decididamente me lembrar de ti!
E quem dera que fosse sempre assim:
Quanto menos quisesse recordar
Mais saudade andasse presa a mim!
Convido vocês a ouvirem os poemas de Florbela Espanca recitados por Miguel Falabela. O áudio está no sítio: <http://www.prahoje.com.br/florbela/?p=247>. Não se esqueçam de nos dizer se gostaram.

Referências:
ESPANCA, Florbela. Poemas de Florbela Espanca. Edição preparada pó Maria Lúcia Dal Farra. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
____. Sonetos Completos. 7. ed. Prefácio de José Régio. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1946.
____. As Máscaras do Destino. 4. ed. Prefácio de Agustina Besa Luís. Amadora: Bertrand Editora, 1982.
____. Contos Completos. 2. ed. Venda Nova: Bertrand Editora, 1995.
____. Obras Completas de Florbela Espanca, Lisboa: Publicações D. Quixote, 1992.
____. Obras Completas – Poesia (1903 - 1917). Coleção Obras Completas de Florbela Espanca. Vol. I. Lisboa: Publicações D. Quixote, 1985.
____. Poesia Completa. Prefácio, organização e notas de Rui Guedes. Coleção Autores de Língua Portuguesa – Poesia. Venda Nova: Bertrand Editora,1994.
____. Sonetos. Prefácio de José Régio. Lisboa: Bertrand Editora, 1982.
FARRA, Maria Lúcia Dal. Afinado desconcerto (contos, cartas, diário). São Paulo: Iluminuras, 2001.
____. Florbela Espanca. Rio de Janeiro: Agir Editora, 1994.
____. "Florbela inaugural". Literatura portuguesa Aquém-Mar, Annie Gisele Fernandes e Paulo Motta Oliveira, pp. 197–211. Campinas: Editora Komedi, 2005.
____. "Florbela: um caso feminino e poético". Poemas de Florbela Espanca. São Paulo: Martins Fontes, 1996, pp. V-LXI.

Notas:
1 Uma referência ao poeta português Antero de Quental.
2 Sóror Maria Alcoforado. Qualquer dia desses, contarei a vocês sobre a produção das cartas de amor desta freira portuguesa a um oficial francês...

Saúde Mental - o desafio da gestão pública

Por  
Acadêmica de Psicologia do CEULP/ULBRA e e voluntária do (En)Cena.

Ester Cabral é assistente social, especialista em Saúde Pública e Mental, responsável pelo gerenciamento técnico da Saúde Mental no Tocantins. Sua relação com esta área já passa de uma década. Agora, ao assumir a gerência técnica, toma para si o desafio de recompor e fortalecer a política de saúde mental no Estado. Nesta entrevista ao portal (En)Cena, Ester Cabral fala sobre sua trajetória profissional,  investimentos necessários para equipar e melhorar o atendimento aos pacientes com transtornos mentais no Tocantins  e o modelo  da rede de assistência implantado no Brasil. 

Ester em suas atividades profissionais. Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena - Como começou sua relação com a Saúde Mental?
Ester Cabral - Fiz Serviço Social e me especializei em Saúde Pública e Saúde Mental. Comecei em Saúde Mental coordenando o CAPS de Araguaína. No início, o CAPS estava com um problema organizacional na instituição e a Secretaria de Saúde do Estado, na época, passou a gerência do serviço para uma fundação evangélica; então, assumi a gerência por esta fundação, trabalhei por 11 anos como coordenadora do serviço, que virou um serviço de referência aqui no Estado. Depois deste período, saí de lá, porque eu fui para a Psicologia. Tenho esta passagem aí na Psicologia. Tive que mudar de cidade, fui trabalhar no CAPS de Colinas, trabalhei um ano entre o CAPS e o Hospital de Colinas, fazendo estes dois serviços. Depois vim pra cá, para a secretaria, na área técnica de Saúde Mental. Em Junho deste ano, eu assumi a gerência da área técnica de Saúde Mental. Esta área, aqui, nestes últimos oito anos, teve retrocesso muito grande. Nós saímos de coordenação para área técnica. Perdemos muito! Agora a gente está querendo recompor a área. Como é pelo Governo Federal e também pelo Estado, a gente acredita que volta a ser uma coordenação para poder efetivar melhor a política de Saúde Mental. Peguei a gerência em Junho e, desde Janeiro, estamos em processo de Matriciamento nos municípios de pequeno porte, que foi um recurso que o Ministério de Saúde disponibilizou no apagar das luzes de 2010.
 
(En)Cena - É do PEAD?
Ester Cabral - É do PEAD (Plano Emergencial de Ampliação do Acesso do Tratamento para usuários de Álcool e Drogas), sim. Esse recurso foi de R$ 10 mil para os municípios de pequeno porte. Aqueles que já têm o Pacto assinado, já receberam direto no fundo municipal. Os que não têm o Pacto, o dinheiro veio para a Secretária Estadual, que  repassou para que estes municípios pudessem executar esta ação de Matriciamento. O que é o Matriciamento? Matriciamento é uma ação estratégica que o município faz através de um profissional de Saúde Mental; este profissional vai ser o articulador entre as políticas públicas do município e resolver os casos de álcool, drogas e violência. Então, este matriciador vai fazer, estrategicamente, a rede acontecer nos municípios base deste grupo. É a saúde a partir da Estratégia da Saúde da Família, mas junto com este grupo da Saúde da Família está o grupo do  CRAS, na Assistência Social, nos municípios que têm o CREAS, Conselho Tutelar, Educação, Segurança Pública.
 
(En)Cena - Contextualizando esta rede...
Ester Cabra - É contextualizando esta rede. Nas cidades que têm população indígena, a pessoa que precisar de atendimento ao indígena também estará presente. Aí, este grupo trabalha os problemas do município, onde cada um também é responsável por uma área. E todos sabem o que estão fazendo. Se for um caso de violência doméstica, eles sabem quem chega primeiro, quem vai dar suporte, quem vai junto e como vai acudir esta pessoa. O agente não pode ir sozinho, tem que ir com agente público. E a educação da rede básica de promoção à saúde, prevenção ao uso do crack, álcool e outras drogas. Então, o matriciamento, a filosofia do matriciamento é essa, a construção intersetorial de redes nos municípios. Porque o Ministério entende e a gente também, que precisamos criar uma estrutura básica no Estado, onde os pequenos municípios saibam o que fazer com os que chegam. O município tem o suporte técnico aqui da nossa secretaria e também dos municípios que tem CAPS. Porque os municípios que tem CAPS são referencia para os pequenos municípios. Então, os casos que chegam e precisam de atendimento especializado, esses casos vão para o CAPS. Hoje nós temos uma rede de CAPS no Estado que cobre oito municípios e seis regiões. Temos dois CAPS II: Araguaína e Palmas e um CAPS AD.
 
(En)Cena - O de Porto Nacional não é II também?
Ester Cabral - Não. Eles querem ser II, mas ainda não conseguiram fazer essa mudança. Temos um CAPS AD II aqui em Palmas. Nós estamos trabalhando agora na construção, além do matriciamento. Queremos formar três blocos regionais com a atenção de álcool e drogas tanto para os transtornos mentais, quanto para adulto e infantil, em Araguaína, Palmas e Gurupi. Então, já estamos conversando com os órgãos públicos. Araguaína já vai abrir o CAPS AD, agora em Novembro, entrar em funcionamento no mês de Novembro AD III. O CAPS “i”,  em Araguaína, está em implantação. Creio que até o fim do ano a gente abre o  infantil, porque já funcionou, não como CAPS, mas como ambulatório.

(En)Cena - Naquela Clinica de Repouso São Francisco?
Ester Cabral - Não, aquela Clínica de Repouso São Francisco é outro dispositivo que a gente utiliza para internação. Temos 160 leitos em internação para Saúde Mental e agora estamos revendo o convênio, fazendo um novo convênio, onde, destes 160 leitos, 20 deles sejam para álcool e drogas. Estamos fechando o convênio, estamos em fase final de negociação para assinar, para mandar os outros casos que precisam de internação involuntária ou compulsória neste serviço, que é um serviço particular conveniado com o SUS. Mas, hoje, já temos em Araguaína o CAPS AD II, que é a base de onde vai sair o CAPS AD III. E o CAPS “i”, estamos preparando a equipe para fazer este trabalho. Junto a isto, estamos trabalhando em Gurupi; já sensibilizamos o gestor. Eles já enviaram para o Ministério da Saúde para vir o incentivo para a implantação do CAPS AD III lá. Em Palmas, estamos aguardando o gestor, que a gente já conversou várias vezes com ele para que ele assumisse, transformasse o CAPS AD II em CAPS AD III. Mas ainda não conseguimos um parecer favorável dele, eles ainda estão se organizando para isto. O que temos pensando para o Estado são estas três regiões e, junto com eles, estamos esperando o Ministério da Saúde soltar a portaria para ampliação que aí também em Araguaína, Palmas, Gurupi, a gente projeta a Casa de Acolhimento Provisório que, quando a pessoa sai do CAPS ADIII, vai para esta residência para fazer a reinserção social. Temos planos para três Casas de Acolhimento no Estado: em Palmas, Araguaína e em Gurupi. Se nós tivermos cobrindo a região sul, centro e norte, a gente entende que vamos ter um pouco mais de suporte para recebermos estas pessoas que estão com problema e destituídas de estrutura que dê conta.
 
(En)Cena - Você disse que teremos CAPS AD III, já existe alguma experiência desta, de CAPS no Brasil?
Ester Cabral - Sim. É uma experiência que já existem mais de 15 CAPS AD III no Brasil. CAPS AD III é uma experiência que alguns CAPS AD II fizeram em abrir 24 horas e ser CAPS ad III. Então, no ano passado, o Ministério soltou a portaria instituindo como um serviço contemplado pelo Ministério de Saúde. Nós temos muitos CAPS AD III funcionando no Brasil; nós temos experiência no Pará, Maranhão, na região Norte - estes dois estados - em Mato Grosso, Mato Grosso do Sul já tem, em São Paulo tem vários, em Minas, quase todos os estados tem este serviço. A região norte é a que menos tem CAPS AD III, mas as outras estão construindo também esta alternativa. Uma vez que só agora, no fim do ano passado, que a portaria do Ministério saiu. Facilita porque tem recurso, né? É melhor trabalhar na lógica do recurso. É o que a gente está tendo hoje. Nós temos uma residência terapêutica em funcionamento em Araguatins, tem seis moradores; essa residência terapêutica é um recurso, uma casa onde as pessoas que perderam o vínculo familiar, por conseqüência da doença,  ficam morando lá. Elas são moradoras desta casa por tempo indeterminado. O Ministério da Saúde está lançando agora no mês de Setembro, já finalizou várias portarias, instituindo outros serviços para área de saúde mental e a gente está aguardando para saber que outros serviços serão estes. O que a gente sabe é Ampliação dessas Casas Terapêuticas Transitórias, que estão sendo chamadas de Unidades Residenciais Terapêuticas Transitórias. Também os aluguéis sociais, esperando recurso maior para trabalhar com a economia solidária, porque não adianta nada a gente tratar a doença, se não houver este suporte social. Sem este suporte social fica inviável qualquer tipo de ação curativa, que nem chega a ser potencializada. A gente precisa potencializar outras ações e a intersetoriedade, que a gente precisa no Estado e não estamos conseguindo.
 
(En)Cena - Você sente que a formação acadêmica tem faltado algo ou ainda está muito centrada no Modelo Biomédico?
Ester Cabral - É, a gente percebe que a formação acadêmica tem que voltar MUITO nas ações sociais e comunitárias, especialmente no atendimento social e comunitário. Eu creio que tenho que fazer uma conversa maior com a academia dos serviços e das políticas de serviços. Os alunos saem conhecendo um pouco só da política, mas o máximo é ter passado por um estágio em algum dos nossos serviços, mas não têm comprometimento, não tem pesquisa, não tem extensões universitárias que possam potencializar estes estudos nas academias. Se nós tivéssemos uma conversa com a academia, teríamos avanços maiores tanto para quem está saindo como para o serviço e a política, de modo geral. Eu creio que a gente vai fazer esta costura aí. Aqui na gerência, a gente está pensando em colocar, trabalhar em três dimensões: o atendimento do serviço de Saúde Mental, atendimento com Álcool e outras Drogas, atendimento com a intersetoridade. Na intersetoridade, a gente vai ter uma discussão permanente, questão das universidades, conversar com elas, projeto de economia solidaria, atenção básica. Na intersetoridade, inter e intra, nas secretarias que, às vezes, a gente se perde aqui dentro por não ter tempo e nem espaço para essas conversas. A vigilância sanitária, a gente está tendo uma abertura maior, porque nós estamos tendo uma conversa, porque nós estamos precisando estudar a questão dos indicadores, formular pesquisas epidemiológicas na área de álcool e drogas, que a gente não tem, a questão do suicídio. Nós precisamos avançar e nós estamos fazendo esta conversa ainda. Com a atenção básica, tivemos uma conversa a partir do matriciamento, mas a gente precisa avançar, e muito. Os hospitais com os leitos psiquiátricos no Hospital Geral, nós precisamos ter. Hoje nós temos uma unidade só, que é aqui em Palmas. Uma unidade com 10 leitos, que é no Hospital Geral de Palmas. Mas nos outros hospitais do estado não temos. Nós não temos leitos para a Saúde Mental, mas isto é uma conversa que tem que ter dentro das secretárias, intrasetor. Fora das secretarias, temos tido uma conversa com a Secretária de Justiça e de Direitos Humanos, está começando esta conversa, no Ministério Público, está muito difícil.
 
(En)Cena - Como é que é, eles não compreendem?
Ester Cabral - Compreender até que compreendem, mas é uma questão institucional, porque lá já tem uma superintendência especifica para de álcool e drogas, tem outra visão do tipo de abordagem, então, precisamos costurar esta visão. Ainda está no começo, mas a gente tem tido conversas. Nós participamos do Conselho sobre drogas e, ainda é muito incipiente, gostaríamos de ter avançado mais, até porque nós entendemos que o papel da superintendência seria o de fazer essa articulação política e não apreender. Então, esta articulação política que ainda precisamos construir com eles, ainda precisou fazer, mas ainda não estamos conseguindo, por a questão do tratamento deveria ser com a gente, o atendimento e nós estamos trabalhando para montar esta estrutura de rede. Eles fazem também o discurso do tratamento, mas com outra vertente, outra visão, ideologia. E a gente vai ter que afinar este discurso, nós sabemos que é longo caminho e estamos completamente dispostos a participar dele com todas as nossas dificuldades, todas nossas carências e, principalmente, pessoal, estrutura física. Mas a gente quer participar desta discussão para construir algo que faça sentido dentro da Reforma Psiquiátrica, dentro do conceito da lei 10.216, que é a lei que orienta a ação de Saúde Mental, PEAD, o Plano de Ampliação de Álcool e Drogas e a lei que rege o PEAD, a legislação que rege todo este plano. A gente quer fazer de forma mais clara, mas de trânsito dentro das secretarias nem começamos a discussão. No Conselho da Assistência nem começou uma conversa, já enviou o oficio para que, pelo menos, participassem do matriciamento e sabemos que estão participando. Mas, enquanto instituição, não sentamos para conversar. Fomos ao Conselho de Assistência Social, levamos o assunto, mas não tivemos muito eco nesta inter-relação. Com a Educação também precisamos afinar o discurso; não chegamos ainda pra essa conversa, temos um caminho, aí, muito grande para trilhar. Estamos estruturando a nossa área técnica, estamos esperando os concursados entrarem para saber quem vai compor a nossa equipe para fazer este trabalho acontecer.
 
(En)Cena - E assim, dentro do matriciamento o que você acha que é dificuldade e potencial?
Ester Cabral - Olha, dentro do matriciamento temos duas dificuldades muito fortes: primeiro, é o entendimento do que é matriciamento, por parte dos gestores e parte da equipe, segundo, encontrar pessoas que teriam perfil para ser matriciadores. Essa foi a grande dificuldade Alguns municípios queriam e querem, mas não tem recursos humanos para fazer isto. Nós recebemos do Ministério uma lista com o nome de três pessoas para cobrirem o Estado e não tem condição. Então, nós mapeamos 25 pessoas, mais ou menos, que a gente achou que teria condição para estar nos ajudando, mas a gente viu que essas pessoas também não tinham tempo, pois estavam em outros processos. Então, o Ministério sinalizou que nós poderíamos pegar pessoas recém-formadas para que pudessem também depois se fixar naquelas cidades. É uma forma de onde poderia interiorizar os profissionais. Então, abrimos  a discussão para o Estado e falamos assim para os gestores: que se conhecesse alguém que pudesse fazer, que contratasse. Não fizeram porque não têm pessoas para fazer e outras que não sabem e nem entendem a importância do matriciamento. Fizemos um trabalho com o Conselho de Secretários do Estado e do Município. O Ministério Público tem nos ajudado muito nesta ação do matriciamento, cobrando que os municípios façam, cobrando os recursos. O CONSEMS tem nos ajudado bastante, pois conscientiza, orienta os municípios. As próprias equipes da Saúde da Família nos ajuda, mas, assim, as dificuldades são muitas e também porque foi uma estratégia que vem tendo sem muita explicação. O Ministério da Saúde mandou a portaria no dia 27 de Dezembro, sem explicar para gente como iria acontecer. Então, todo o entendimento desta portaria, levamos um mês para entender. O Ministério depois mandou o passo-a-passo, fomos entendendo, achamos os municípios para fazer e o resultado é esse: muitos estão com o matriciamento bem avançado e com bom produto, rede. Daqueles municípios que conseguiram realmente implantar desde o inicio, está bem adiantado o processo de construção da rede; tem grupo que conversa, tem grupo de estrategia de ação, nós temos bons planos, apareceram bons planos, outros nem tão bons, mas temos bons planos. Sempre a partir desta disposição que o município teve de contratar recém-formados, outros profissionais que estavam vindo para o Estado agora e os resultados tem sido estes. Infelizmente, a gente não conseguiu alcançar todos, ainda não estamos conseguindo.
 
(En)Cena - Em questão da supervisão clinica-institucional, como ela tem acontecido?
Ester Cabral - A supervisão clinica-institucional é um programa do Ministério da Saúde para dar suporte técnico e teórico pros CAPS de saúde da Atenção Básica. Alguns municípios mandaram projeto, foi aprovado, receberam recurso e fizeram. Ainda está muito na fase de editais. Quando o Ministério manda um edital, consegue o recurso e faz. O Ministério, no ano passado, soltou uma verba para escola de supervisores institucional e o Tocantins foi contemplado com uma Escola de Supervisores. Estamos ainda em negociação com a Escola de Medicina Tropical. Eu creio que ela comece no próximo ano, agora não tem como. Estou esperando Janeiro até Fevereiro que abra realmente a Escola de Supervisores. A ideia é ter 30 supervisores por turma assim, a gente vai formar a massa crítica, recursos humanos que tenham condição de fazer apoio institucional dentro dos serviços, não só nas três regiões, mas em todas as regiões do Estado, que hoje são 15. Os apoiadores devem ser chamados para escola de supervisores, possam estar ajudando técnica  e teoricamente   estas equipes a trabalharem a temática Saúde Mental e Álcool e drogas.
 
(En)Cena - Um dado de 2009 indica que  todo ano passam pelo CAPS cerca de 12 mil  pessoas, mas que só 1.904 pessoas são acompanhadas por ano, por quê esta discrepância entre estes números?
Ester Cabral - Na verdade, eles têm uma lógica de atendimento que sejam por nível de atenção. Então, há pessoas que chegam em crise, ela entra no plano terapêutico intensivo, então ela vai para o CAPS todos os dias e fica o dia todo para receber todo o tratamento. Ela tem que receber, no mínimo, 22 procedimentos no mês pelo médico, psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, cuidados de enfermagem, dentre outros programas, oficinas terapêuticas. Quando melhora da crise, sai da crise,  continua indo no Centro,  pode ficar três meses neste intensivo e, se precisar ficar mais, é renovado. O paciente vai para o semi-intensivo, não precisa ir à casa todo dia, vai três vezes por semana. Pode fazer 12 procedimentos por mês. Assim, vai criando autonomia, pode ir uma vez por semana. Então, esta forma progressiva, não diria de alta, mas de autonomia do paciente. Quem olha de fora, pensa que estes estão deixando de ser atendidos, mas não, esta é uma alta acompanhada. Então, essa é uma forma de autonomia, no período que o paciente não está no CAPS, está em outras atividades comunitárias, em curso profissionalizante, se ele tiver condições, estiver com a família ou na escola. Quando vai para o não-intensivo, volta para o ambulatório, onde recebe acompanhamento ambulatorial, que é um serviço que não é feito mais dentro CAPS. Então, a pessoa sai deste número e está no ambulatório, ela está na rede, na rede ambulatorial. Se tiver algum problema, ela pode voltar para o serviço, para o não-intensivo ou para o semi-intensivo ou, caso de crise, para o intensivo. O que acontece é que muitos vão para o ambulatório e perdem consulta, param de tomar medicação e voltam para crise e assim voltam para o serviço; ou, às vezes, é uma forma da família garantir a medicação, é pedir para ficar no não-intensivo, porque pelo menos ele está lá três vezes por semana ou só uma vez por mês, porque moram longe, mas está garantida, ali, a medicação. É isto que a gente tem visto. Aí você vê uma diferença de quem é atendido e quem é acompanhado, por exemplo, no CAPS II que tem 220 por mês, só 45 precisam  de acompanhamento diário; na verdade, o resto precisa de acompanhamento semanal ou mensal, não precisam de acompanhamento diário.
Então, na verdade, o que quando a gente vê algo desesperador nos dados não é tão desesperador, pois é uma progressão do serviço.
Isso, é a lógica do sistema da politica de atendimento. O que a Reforma vem pensar é a ideia de que não precisamos e nem podemos cronificar o doente, nós precisamos, nós temos que desinstitucionalizar. Tivemos aí séculos que a doença mental foi institucionalizada, onde a pessoa é rotulada como doente e tem que estar naquele tratamento eterno. Nós viemos de um processo histórico, de anos de internação, pessoas que viveram 60 anos, viveram uma vida, pessoas que foram internadas crianças e saíram depois que morrerão. Então foram eternos moradores dos manicômios. É isto que a reforma quer quebrar, é a desinstitucionalização da doença mental, porque ele precisa ser tratado na comunidade, em serviços comunitários. Então, ele vai sair da lógica hospitalocêntrica para a lógica do serviço comunitário que quanto menor for o grau de dependência da pessoa com este serviço, melhor indicador que a rede funciona. Se eu estou tendo um grande numero de pessoas sendo acompanhadas, isto significa que em algum lugar o serviço está falhando, agora se o numero do acompanhamento está sendo menor, isto indica que o acompanhamento reintegra na sociedade. Aí entram outros dispositivos, a economia solidária, as associações, os grupos de produção da economia solidária, empreendimentos sociais. Porque a gente sabe que o problema de emprego e renda para esta população é muito mais complicada do que para outra. Para isto, o suporte do serviço é importante. Já a partir do trabalho que é feito dentro do CAPS, pra gerar uma autonomia e uma consciência maior dos seus direitos. Isto é feito por meio das assembleias, que acontecem dentro dos serviços, todos os CAPS precisam ter, gerar este espaço democrático, da construção da cidadania. E construção da ideia que eu tenho direitos. E não é porque sou doente e estou doente e que não tenho direitos, a  garantia da efetivação destes direitos.
 
(En)Cena - Fico até emocionada com isto! Mas assim, em dados 14% das internações são de álcool e outras drogas, você considera ser necessário um maior investimento nesta área?
Ester Cabral - A questão do álcool e drogas é do momento, é a crise da sociedade no momento, especialmente agora com o crack que, antigamente, a droga era elitizada, quem usava eram os intelectuais, empresários, mas agora não; há uma rede capitalista e capitalizada de distribuição da droga. Então, a sociedade fica assim, sem saber o que fazer. Se pegar os dados de álcool e drogas, você vai ver que a quantidade de álcool é muito, muito maior do que do crack. A questão é que o barulho que o crack faz é muito maior do que o álcool. O álcool é lícito e o crack não. E o prejuízo do crack é muito grande, do álcool também. Como o álcool é lícito, a sociedade aceita até que não atrapalhe a viver. Eu vejo que, assim, está faltando esta intersetoridade, a sociedade parar de se culpar e jogar a culpa no outro. Eu estava conversando com uma mãe, que a gente tem em uma clinica de reabilitação fora do estado. Nós só mandamos por uma questão judicial e lá, nessa noite, ele fugiu. A mãe veio pedir para que o filho fique lá. A família não sabe o que fazer e ninguém sabe o que fazer. Então, temos que juntar forças pra montar uma estratégia do que fazer. Como acudir? Se for montando a rede, a gente está montando, mas não temos garantia que esta rede vai dar certo. Ontem, estava assistindo um videozinho do SENAD, neste filme, a saúde, a educação, o conselho tutelar, o conselho sobre drogas, assistência social, a habitação chamando pra si a responsabilidade. Quando eu puxo pra mim a responsabilidade, estou aumentando a chance de dar certo, mas eu não posso garantir sozinha, porque tenho que construir, montar a rede. Se ainda não tem dado certo é porque não temos uma política única, intersetorial; é para fazer acontecer. A gente ainda tem que limpar a ideologia, nós temos muita ideologia, principalmente no estado do Tocantins, nós temos muita ideologia e pouca ação. Muita gente dizendo: “Só isto aqui que dá certo”, “Não, vocês não fazem”, ”Só fazem se for desse jeito”. Então, a gente está tendo muita ideologia e pouca ação, acho que a gente tem que desmontar o nosso medo de agir, sair de cima do pedestal e começar a sentar em roda e admitir a nossa fragilidade que a gente não tem dado conta e aí temos que fazer alguma coisa e não sair acusando: “Só a gente que dar conta disto”. A gente tem ajuda das comunidades terapêuticas, serviços suplementares, tem muita gente que precisa da saúde. Clínica de recuperação, existem algumas no estado, mas que sequer tem alvará da vigilância sanitária. Como é que eu, como órgão público, vou mandar alguém para um serviço que o próprio órgão não reconhece? Não tem como. Eles podem ser potencializados, mas aí resolve? No afoito de fazer as coisas acontecerem, corre o risco de praticarmos uma ideologia higienista, onde eu vou tirar da rua o que eu não quero ver e esconder dentro de uma clínica. Não é assim, não precisamos voltar à era do manicômio, precisamos encarar, propor ações intersetoriais e a sociedade tem que dar as mãos e resolver, parar de empurrar e esconde-esconde. Nós precisamos é resolver! Então, a gente está vendo...
 
Ester e sua equipe em reunião de trabalho. Foto: Arquivo Pessoal

(En)Cena - Você considera que o Estado ainda vive uma ideia manicomial, porquê parece até que o Estado tem um dos maiores números de leitos no Brasil?
Ester Cabral - Não, é porque no Estado do Tocantins é o único que não tem Hospital Psiquiátrico. Nós temos 160 leitos conveniados, mas que não são do Estado. Nós temos estados aí que tem mais de 4.000 pessoas em clinicas. O que nós temos no Estado é a ideia que só internando resolve, principalmente álcool e drogas. Até que na doença mental já desmontamos bastante esta ideia com o CAPS; já sabem que dá certo, já tem família que pede para ir para o CAPS. Então, isto já está desmontando, mas isto tem o quê? 15 anos. É um trabalho que, agora, com esta questão álcool e drogas, está todo mundo muito assustado e o jeito é tirar de perto. Então, vamos higienizar o ambiente, jogar fora, colocar este povo em um lugar bem escondido e não pode sair de lá. Eu recebi uma demanda judicial esta semana que dizia que queria que eu internasse uma pessoa que cometeu delito, inclusive, por tempo indeterminado. Isto me diz que ele está pedindo uma prisão perpetua e a gente sabe que as casas de custódia, manicômios judiciários são prisões perpétuas. O que estou dizendo? Posso alimentar isto? Não, não posso alimentar isto! E aqui vai uma denuncia que, se a gente não tomar cuidado, vai instaurar no país e é o que a gente tem feito é instaurar prisões perpétuas, nos manicômios judiciários. Na III Conferencia Nacional de Saúde Mental a gente já vem apontando que isto não pode acontecer e a lei 10.216 é muito clara: não podem ter internações indeterminadadas. Não pode colocar a pessoa lá e esquecê-la! Ainda vamos ter que pensar como tratar o louco infrator, o pessoal de álcool e drogas que cometem delito todo dia e comete delito para sustentar a droga. Será que a saúde é só ação de repressão do tráfico? O que pode ser feito? Há uma discussão muito grande da legalização da droga, mas é isto que vai resolver? Legalizar? E o que vamos fazer com isto legalizado? Nós estamos vendo o álcool legalizado. O que acontece? O nosso maior número de problemas é o álcool. Uma discussão que a gente vai ter que fazer mesmo. Sem paixão ideológica, mas com o pé no chão. É isto que está acontecendo hoje.
 
(En)Cena - Quais as suas dificuldades na gerencia técnica de saúde mental?
Ester Cabral - Hoje a maior dificuldade que a gente está tendo aqui é a estrutura da secretaria para esta gerencial. Nós ainda estamos dependendo de recursos humanos. Hoje eu conto apenas com dois assistentes administrativos. Ontem veio uma assistente social que, possivelmente, vem trabalhar conosco, mas ela ainda está em processo de tomar posse, né? Então, eu ainda não posso contar com ela. Mas ainda preciso de gente! Como técnica, estou sozinha. A gente tinha a Raquel, mas hoje é o seu último dia. Infelizmente, né? É uma perda muito grande para o Estado; ela está indo para outro estado. Mas mesmo com ela aqui, nos já estávamos batalhando. Outra dificuldade que vejo é a estrutura organizacional da secretaria, pois, nós não estamos, porque se você olhar o organograma da saúde, a Saúde Mental e Álcool e outras drogas, nós não estamos. Ela ainda não existe. Nós já conversamos com o secretário, ele está sensível a isto, ele já autorizou que se criasse esta área dentro da estrutura, agora vai depender de muitas coisas, de estrutura física, nós não temos. Você viu, o espaço é muito pequenininho, não temos recursos humanos e não estamos no organograma da saúde, que contemple a Saúde Mental, que é uma área estratégica. Agora, neste ano, que viramos estratégia; uma das ações que o nosso secretário fez que foi louvável: ele nos colocou no gabinete até que esta estrutura aconteça. Isto facilitou muito o processo, porque processos que demoravam seis meses duram, agora, 30 dias. A gente despacha logo com ele, nós não temos que passar pela burocracia. Se eu tenho um problema, já despacho direto com o secretário, então, isto facilitou, mas a gente sabe que isto não é a solução. Foi uma ação emergencial que mostrou uma sensibilidade do secretário com a área, que ele vê a importância e, especialmente, pelo Álcool e Drogas, que há uma secretaria nacional, mas que está ligada a presidente da república. Nós precisamos dar um nível de importância também compatível, junto com isto. Ele já assinou a portaria para o colegiado de Saúde Mental. Quem pertence a este colegiado? O colegiado é composto pelos técnicos das secretarias de saúde, de Saúde Mental, todos os coordenadores de serviço do estado e alguns serviços intersetoriais; nós temos lá o pessoal da área indígena, nós temos gente do hospital, da unidade hospitalar, dos conselhos de saúde e álcool e drogas; este é colegiado. O colegiado caminha junto com a gerência para pensarmos estratégia de Saúde Mental e avaliar as políticas.
 
(En)Cena - O que considera um potencial para a gerência de saúde mental, aquilo que tem possibilidade de crescer?
Ester Cabral - Eu creio que se a gente trabalhar direitinho o que temos planejado. O que temos esperado é uma Saúde Mental estruturada dentro do estado; a população esteja garantindo a Saúde Mental. Saúde Mental, onde a gente não tenha mais que internar pacientes por crises que, se precisar internar, a gente saiba pra onde mandar e que a população tenha uma gerência de saúde eficaz para cobrir as suas necessidades. A gente está trabalhando no PPA, para colocar recurso, que nem isto a gente tem tanto para especialização. Começa agora em Novembro o segundo curso de especialização de Saúde Mental   para pessoas que são da rede; nós estamos também com outros cursos de atualização para as equipes de unidades da família e dos CAPS; aprimoramento e aperfeiçoamento das equipes de álcool e drogas. Então, a gente quer trabalhar na estruturação da saúde, aprimoramento das equipes e também CONSTRUÇÃO de trabalhos alternativos para os pacientes que são atendidos. A gente conta com a intersetoridade também.

Ensaio de um dia (in)feliz


Por  
Acadêmico de Psicologia do CEULP/ULBRA. Voluntário e administrador da fanpage do (En)Cena e Colunista do Blog Psicoquê?. Membro do Centro Acadêmico de Psicologia do CEULP/ULBRA (CAPsi).

Há todo momento estamos nos reinventando.
A cada segundo uma nova descoberta, repleta de novas verdades.
E no mesmo instante em que são descobertas, as respostas deixam de ter seu valor.
O limite espaço temporal se tornou obsoleto.
É que estamos cada vez mais próximos, mais juntos, e sempre conectados.
As relações se tornaram superficiais.
As emoções só são expressas por meio de citações no facebook.
E quando isso termina?
Onde vamos parar?
Mais importante do que ter as perguntas, e saber das respostas.
É o Bang do Big! O mundo em eterna expansão... Até chegar o Big Crunch1.
Parafraseando Sócrates: A grande certeza, é que não há certezas.
Agora imagine o contrário de tudo isso?
Saia da sua caixinha por um instante. Pare a leitura, feche os olhos, e por cinco segundos, imagine o nada!
Se você é como eu, não deve ter feito. Mas se não é como eu (afinal, há aqueles que são diferentes) e fechou os olhos para imaginar a não cena, não conseguiu nada além de ouvir seus próprios pensamentos.
Eu fico imaginando uma liberdade2, para longe de tudo isso...
Imagine um cenário diferente.
Não, o mundo não seria tão louco quanto você pensa, talvez ainda tivéssemos carroças circulando pelas ruas, chaleiras em cada casa, e mesmo assim, possivelmente ainda persistiria alguma desigualdade social. Nada nunca é perfeito. E até pode ser um retrocesso, mas gosto de pensar que: talvez, apenas talvez, ainda seriamos mais humanos.
Pensar uma ética da cumplicidade, da complexidade e da (com)paixão é deixar-se mover por uma estética do pensamento que abre mão dos limites confortáveis da ciência – reino último da palavra, para lançar-se na errância da criação, outra forma de dizer da condição humana. A obsessão pela predição e controle, que encarcerou as ideias de homem e de mundo em conceitos contaminados pela racionalidade fechada, abre-se a uma nova e bem vinda obsessão: a compreensão poética das coisas. (CARVALHO et. al.,1998, p.20).
Um tantinho de humanidade que seja já basta, e faz muita diferença.
As pessoas pregam o respeito à diferença, a tolerância, mas se esquecem do essencial: aquilo que um dia nos diferenciou dos demais animais - nossa humanidade.
Imerso em minha loucura - Acredite! Cada uma tem a sua - Imerso em minha loucura eu gosto de reinventar o dia, talvez seja um delírio, utopia, ou quem sabe não. Mesmo assim, eu tento reinventar o dia, a cada dia.
Começo do nada, como penso que o foi o começo das coisas: Do Nada. Um grande espaço branco, como o da Matrix3. É assim todo dia: um grande fundo branco; então algumas cores; aumento o volume; e o dia nasce sem música. De fundo: talvez o som de algum carro passando na rua, ou do vizinho abrindo o portão da garagem. De paisagem: algumas janelas fechadas, a cor gélida dos muros, as mobilhas da casa e mais nada.
Não parece grande coisa, eu sei, mas é um começo.
E sem grandes pretensões, pego o notebook (nem lembro a ultima vez que precisei de uma caneta, ou consultar um dicionário para escrever) e digito o que penso ser um insight, ou vários em um mesmo texto. Na esperança de que sejam estas, de algum modo, varias das respostas às questões que possivelmente irão surgir.

Notas:
1. O Big Crunch, ou em português, o Grande Colapso, é uma teoria segundo a qual o universo começará no futuro a contrair-se, devido à atração gravitacional, até entrar em colapso sobre si mesmo. Essa teoria suscita um mistério ainda maior de se analisar do que o Big Bang.
2. Ainda assim a liberdade, tal qual como ela é idealizada, não existiria.
3. A trilogia Matrix (1999) é uma produção cinematográfica Warner Bros. Dirigido pelos irmãos Wachowski e protagonizado por Keanu Reeves e Laurence Fishburne.

Referências:
CARVALHO, Edgard de A. et al.  Ética, Solidariedade e Complexidade. 1.ed. São Paulo – SP: Palas Athena, 1998.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Crunch
http://www.sofisica.com.br/conteudos/Termologia/Entropia/entropia.php
http://pt.scribd.com/doc/22744318/Analise-do-filme-The-Matrix

Rumo ao inverno de Sara

Por  
Mestre em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Coordenadora e professora dos cursos de Sistemas de Informação e Ciência da Computação do CEULP/ULBRA. Acadêmica de Psicologia do CEULP/ULBRA.

O diretor Darren Aronofsky conduziu o filme Requiem for a Dream como se fosse uma ópera. Tendo esse conceito inicial, dividiu-o em estações de forma literal, ou seja, o filme inicia-se no Verão, passa depois para o Outono, finalizando-se no Inverno. Cada estação é construída, especialmente, através da psique dos quatro personagens principais. Essa análise terá como foco a personagem Sara Goldfard, justamente por ser – das personagens apresentadas – a mais impactante (ao menos, para mim).
Sara Goldfard é uma senhora solitária, de meia idade, viúva, tem um único filho e passa a maior parte do seu tempo assistindo à TV, sua mais fiel companheira. A TV é usada como a droga necessária para sua sobrevivência solitária, sem esperança e objetivos concretos. Como uma ode ao claro verão do Brooklin, o filme é iniciado. Ainda nesse momento, Sara tem como vício apenas sua TV e, a partir desse vício, começa a elaborar sonhos antagônicos à sua reduzida realidade.


O verão da vida de Sara é iluminado por um telefonema. Nele, ela é convidada a participar de seu programa favorito. Diante disso, sua vida passa a ter um novo sentido, agora já não é somente mais uma viúva solitária, ela vai aparecer em um programa de televisão e o vislumbre dessa imagem é maior que qualquer imagem que ela poderia pensar em construir (se tivesse força para dar os primeiros passos rumo a isso). Com o convite, vira celebridade entre suas companheiras de “banho-de-sol”. Em virtude de seu novo status de celebridade emergente, ganha até um local especial durante as tardes de sol na porta do prédio. Esse é o estopim para a nova obsessão que se forma em sua mente. Agora ela precisa voltar a ser a mulher que vestiu o vestido vermelho. Esse vestido representa uma época em que seu marido existia, que seu filho era um promissor rapaz recém-formado do ensino médio. Representa, de certa forma, tudo aquilo que ela perdeu, que vinha à tona somente por intermédio de lembranças longínquas.
A Sara que ela via no espelho estava com um peso acima do padrão estabelecido pelo vestido vermelho. Não tinha nem mais a beleza de outrora. Mas, a esperança de ser alguém através da luminosidade atraente da tela da TV, deu-lhe forças para iniciar uma mudança radical em seu corpo (o que resultaria numa mudança em sua vida, pensava ela). Como deixar os doces que lhe davam alento era uma atitude que requeria uma força que ela não tinha, seguiu o conselho das senhoras do prédio e foi ao médico na esperança de que ele lhe desse uma saída mais fácil. O médico, mostrando a frieza de alguns profissionais da área que dão pouco ou nenhuma relevância ao contexto no qual vive seu paciente, receitou-lhe umas pílulas mágicas que lhe permitiriam o emagrecimento tão sonhado. Essa nova Sara, com esperança, objetivos, show de TV e pílulas milagrosas e que negava-se a enxergar o vício do seu próprio filho (e sua própria situação) era a figura que fechava o verão para iniciar um ciclo que desencadearia numa fragmentação quase total de sua “triste figura”.

É outono. E isso é constatado não somente nas folhas caídas pelo chão, mas pelos restos dos personagens principais desta história jogados no abismo de suas próprias vidas. As pílulas de anfetaminas, que a princípio ajudaram a consolidar o sonho do vestido vermelho, começaram a surtir o efeito devastador que advém de sua ingestão sem controle e exagerada. A mulher do vestido vermelho, ao invés de parecer mais próxima com a significativa perda de peso, assemelha-se mais a um borrão distante na mente da Sara. Sua existência pacata foi transformada num show de horrores e a esperança deu lugar ao delírio. A Sara que a cada semana comprava sua própria televisão – continuamente vendida pelo seu filho drogado - ainda espera o convite para participar do programa, que parece ser tão ilusório quanto a mudança de vida trazida pelo adentrar-se no vestido vermelho. A droga e seu efeito tranquilizador e facilitador para algumas ações, agora é o botão que aciona as alucinações (não mais interessantes) em sua mente. Por causa da própria miséria que compõe sua existência, ela insiste no aumento do consumo das anfetaminas para tentar apaziguar algo que já saiu do seu controle. Esse algo é sua própria mente, sua capacidade de discernir entre o real e o fantasioso, sua capacidade de lutar para a sustentação da sua unicidade e identidade. A Sara torna-se parte de sua casa obscura. É parte da geladeira que a assombra, do programa que antes a divertia e que agora a atormenta, ou seja, a Sara é seu próprio delírio.
Há um momento em que o sonho passa a ser um veneno para a saúde mental? Se existe, como identificá-lo? Há vida saudável perante um contexto doente? Há algo que possa ser feito para mudar o rumo de nossas próprias vidas se tivermos sujeitado o nosso organismo a determinadas substâncias? O diretor do filme não tenta responder a nenhuma dessas perguntas de forma literal. Apresenta em seu Inverno não um gabarito simples para perguntas muitas vezes estúpidas, mas um ambiente trágico e seco, cruel e devastador, como é o final da maioria das grandes óperas.


O inverno de Sara é o fim de sua esperança. É a constatação de sua doença mental pelas poucas pessoas que a cercam. Uma doença obviamente exponencializada pelo vício nas pílulas mágicas, mas iniciada muito antes, através da solidão, do medo, das promessas advindas da televisão (ainda que acreditar nisso tenha sido apenas um reflexo das duas primeiras situações). É nesse cenário devastador que a caminhada de Sara rumo ao sucesso almejado em participar de um programa de TV chega ao fim. Em seu delírio no hospital psiquiátrico, ela ainda sonha com o vestido vermelho, com o show que prometia ascensão social, com seu filho bem sucedido vindo ao seu encontro, com uma vida que não lhe pertence, mas que permanece vívida em algum local de sua conturbada mente.


Texto apresentado na disciplina Bases Biológicas do curso de Psicologia do CEULP


FICHA TÉCNICA DO FILME
Réquiem para um sonho (Requiem for a Dream, EUA, 2000)
Gênero: Drama
Duração: 100 min.
Elenco: Ellen Burstyn, Jared Leto, Jennifer Connelly, Marlon Wayans, Christopher McDonald, Louise Lasser, Keith David, Sean Gullette
Compositor: Clint Mansell
Roteirista: Hubert Selby Jr.
Diretor: Darren Aronofsky

O Território - Lincoln Almeida Médico Especialista em psiquiatria pela ABP e AMB, Mestre em Ciências da Saúde pela UnB, Pós-graduado pela Universidade de Madri-Espanha e pelo Servizi di Salute Mentale de Trieste-Itália. Psicoterapeuta em formação esquizoanalítica pela FGB.



Por  
Médico Especialista em psiquiatria pela ABP e AMB, Mestre em Ciências da Saúde pela UnB, Pós-graduado pela Universidade de Madri-Espanha e pelo Servizi di Salute Mentale de Trieste-Itália. Psicoterapeuta em formação esquizoanalítica pela FGB.

Para quem já sentiu a desterritorialização em seu espírito, em suas entranhas, lamento, me compadeço e me solidarizo profundamente. Talvez não haja sentimento mais avassalador que este de se perder nas gélidas e obscuras terras de não se reconhecer mais como sujeito. O conceito de território, muito longe daquele meramente geográfico que conhecemos e que apenas define de forma muito precária o ‘território do espírito humano’, diz respeito a reconhecer-se e existir em algo ou alguém, num fluxo e refluxo de significados e registros permanentes. Temos um território no colo da pessoa amada, no olhar materno que nos embala desde cedo, ao chegarmos em casa depois de uma viagem e vermos nossos filhos brincando, na cidade em que vivemos, em nossos amigos, nas ruas, esquinas, em pessoas conhecidas, em cheiros, cores, texturas... É onde temos a certeza de que existimos como donos de uma identidade e fazemos parte de algo; uma sensação de ‘pertencença’... 
Ao contrário, entretanto, quando perdemos tais referências tudo se esfacela e o véu da angústia, da insanidade, do desalento paira com seu abraço mortal nos enlouquecendo, ensurdecendo e cegando. Não há dor maior que aquela de não pertencer à coisa alguma ou a lugar nenhum. É a dor pálida da solidão que arranca a pele aos poucos e provoca o vômito da própria alma. É o sentimento de banzo dos negros escravizados trazidos da África ao Brasil, que lentamente morriam de saudade da terra natal naquele novo lugar que lhes era estranho e onde não se achavam em nada nem em ninguém. Eis, portanto, a noção de desterritorialização: quando se perde todas as referências internas e externas e aos poucos não se reconhece sequer a própria existência...
Como se evita sentimento tão cruel? Jamais deixando as origens ou tudo aquilo que se constituem em registros primários? Essa, de fato, é uma postura bem típica de culturas e tradições enraizadas em torno do núcleo familiar. Não creio que seja um caminho necessariamente saudável, pois conviver fusionado às matrizes pode se tornar uma dependência recíproca tão doentia que empobrece os seres. Penso haver uma força maior que nos move em busca do território almejado, onde quer que estejamos. E sobre isso me vem à mente uma cena marcante de um filme chamado “Amor além da vida” com Robbin Williams. É quando ele vai ao inferno em busca da amada que tinha perdido totalmente a identidade. Ela já não sabia quem era, pois havia se demenciado naquele umbral. Lá chegando, seu mentor lhe diz que teria poucos minutos pra resgatá-la, do contrário também perderia a razão e não saberia mais quem era, não podendo, inclusive, retornar. Ele diz ao mentor: “Irei resgatá-la, mas se tiver que me perder, me perco junto dela...” Este é o verdadeiro lugar e território: o do encontro com o ser amado, onde nos reconhecemos, sentimos familiaridade, nos consolamos, além de sermos capazes de irmos juntos com ele ao inferno e nos resignarmos em atitude de doação e espera. 
Seja em sua cidade ou numa terra distante, em casa com a família, com o ser amado, filhos, amigos, eu digo - como veterano cansado das proximidades do abismo: cuide muito, mas muito mesmo daquilo e de quem você ama. Todos trabalhamos muito, por vezes demais; lutamos com garras almejando isso e aquilo, mas no final o que precisamos mesmo é amar e sermos amados, cuidar e sermos cuidados. É o que dá sentido à caminhada e faz com que dinheiro, poder e ganância sejam apenas subterfúgios à dor de existir. Nos cuidados mais simples e mais cotidianos está a grande fórmula para se cultivar um grande amor, onde existiremos em nossa plenitude e enfrentaremos todos os temporais, pois, no final é ele quem nos brindará com fartura o espírito sedento. Feliz daquele que pode ter alguém que siga junto a jornada enchendo a vida de sentido. O resto, acreditem, vem e vai com as épocas, com as culturas, com os modismos. O amor jamais saiu ou sairá de moda. Preserve e valorize se tem um, pois ele é o maior e mais verdadeiro dos territórios humanos. 

Baixe aqui o livro "Estado, Sociedade e Formação em Saúde", publicado pela FIOCRUZ em 2009

Baixe aqui o livro "Estado, Sociedade e Formação em Saúde", publicado pela FIOCRUZ em 2009.http://www.fiocruz.br/editora/media/Miolo%20Estado%20Sociedade%20Formacao.pdf

Copa 2014 – Quatro estádios da Copa estão à beira do abismo da falta de rentabilidade

As autoridades brasileiras estão “queimando os miolos” para encontrar soluções imaginativas, uma fórmula mágica, para obter rentabilidade em quatro estádios da Copa 2014 que, segundo os críticos, correm sério risco de se transformar em monumentos ao desperdício.
Manaus, Brasília, Cuiabá e Natal são as quatro sedes que terão estádios novos e que só em poucas ocasiões conseguiram ter algum time de futebol na elite do futebol nacional, por isso que carecem de um calendário esportivo que garanta uma renda regular.
Mas os poucos lucros obtidos até agora no único potencial “elefante branco” que já está operacional, o Estádio Nacional Mané Garrincha de Brasília, põem em dúvida que se possa compensar os enormes recursos investidos nas obras.

Realizar shows de música, “importar” equipes de futebol de outras cidades e impulsionar esportes estranhos nestas latitudes, como o futebol americano, são as principais ideias que os responsáveis dos estádios tiveram a cinco meses do Mundial.
Mas os poucos lucros obtidos até agora no único potencial “elefante branco” que já está operacional, o Estádio Nacional Mané Garrincha de Brasília, põem em dúvida que se possa compensar os enormes recursos investidos nas obras.
O estádio de Brasília é um coliseu monumental com capacidade de 72.777 pessoas e que será o mais caro dos 12 construídos ou em construção para a Copa.
Seu orçamento chegou a R$ 1,403 bilhão e foi desembolsado integralmente pelo Governo da capital, onde os clubes locais, de recente criação, ainda não conseguiram cultivar uma torcida.
A solução achada pelas autoridades locais foi alugar o estádio para grandes equipes de Rio de Janeiro e São Paulo, como o Flamengo e o Santos.
O estádio recebeu este ano nove partidas do Campeonato Brasileiro e um amistoso da seleção brasileira, com um público médio de 34.414 espectadores, e também organizou três shows, com o que no total arrecadou R$ 22 milhões.
Desse valor, o Governo do Distrito Federal cobrou cerca de R$ 3 milhões pelo aluguel do estádio, segundo fontes oficiais.
O secretário especial de Brasília para a Copa, Cláudio Monteiro, disse à Agência Efe que “não se deve pensar na amortização” do estádio, mas em seu “impacto na economia local”.
Segundo cálculos da Companhia de Planejamento do Distrito Federal, cada evento no estádio injeta R$ 12 milhões na economia local, o que beneficia restaurantes, hotéis e taxistas, entre outros.
Para 2014, Brasília manterá a mesma receita e já tem apalavradas “mais ou menos” oito partidas do Campeonato Brasileiro, segundo Monteiro.
Essa solução é mais difícil de se aplicar em outras cidades, como Manaus, por causa de sua distância de Rio e São Paulo, o que obrigaria as equipes a fazer voos de cinco horas.
O Governo do Amazonas abriu uma licitação para contratar uma empresa de consultoria que encontre a melhor opção para o estádio Arena da Amazônia, de 44.480 lugares, que no futebol local tem uma saída difícil, porque a melhor equipe da cidade, o Nacional, joga na quarta divisão.
A média de público do Campeonato do Amazonas de 2013 foi de 770 espectadores, o que se justifica em parte pela falta de iluminação na maioria dos estádios, que obriga muitas partidas a serem disputadas em horário de trabalho, uma carência que será solucionada com o novo estádio.
O que se descartou totalmente é a ideia de usar o estádio como um centro de detenção, sugestão de um juiz preocupado com as deficiências do sistema penitenciário, segundo assegurou à Efe um porta-voz da Unidade Gerente do Projeto Copa do Mundo do Governo do Amazonas.
Em Cuiabá, o Luverdense, a melhor equipe da cidade, teve este ano uma média de público de 1.466 pessoas, apesar de ter conseguido a ascensão para a segunda divisão.
Em 2014 o clube aspira a preencher os 26 mil assentos da Arena Pantanal na partida contra o Vasco da Gama, que caiu para a Segundona, e a ter uma boa renda no resto da temporada com o atrativo de contar com um estádio novo e confortável.
“Temos certeza de que precisávamos de um palco assim para fazer um bom futebol e atrair público”, disse o presidente do Luverdense, Helmute Laswich.
O novo estádio também vai se transformar na casa do Cuiabá Arsenal, atual campeão brasileiro de futebol americano, esporte que a cada dia tem mais torcidas na região, segundo disse à Efe o vice-presidente e linebacker da equipe, Paulo César Machado.
Na partida do título, o Cuiabá Arsenal recebeu cerca de 4.000 espectadores, número nada desdenhável e que superou amplamente os de um esporte tão tradicional quanto o futebol.
Com duas equipes na segunda divisão, Natal está menos preocupada com a rentabilidade da Arena das Dunas. No entanto, a cidade também quer fazer caixa e se oferecer como centro de treinamento para equipes europeias no inverno, uma ideia que só o tempo dirá se é viável para alcançar a ansiada rentabilidade.
Agência EFE



Acidente entre ambulância e carro deixa três mortos e seis feridos em Brasilia de Minas


Frente da ambulância ficou destruída
Três pessoas morreram e outras seis ficaram feridas após registro de grave acidente na BR-402, em Brasília de Minas, no norte do Estado. 
Por volta de 12h desse domingo (29), o pneu de uma ambulância estourou e fez com que o condutor do veículo perdesse o controle da direção na altura do km 10. Em seguida, a ambulância, do município de São Francisco e que levava pacientes para o hospital de Brasília de Minas, invadiu a contramão e colidiu de frente com um Fiat Idea, de Campinas, em São Paulo.
De acordo com assessoria de comunicação do CISRUN/SAMU Macro Norte, o impacto da colisão foi tão forte que a técnica em enfermagem que acompanhava os pacientes da ambulância, o motorista e passageira do Ideia ficaram presos às ferragens e morreram na hora. Os corpos de Ana Clara Cardoso, de 36 anos, a técnica em enfermagem, Gilmar Lopes dos Santos, de 43 e motorista do veículo do carro, e Gláucia Lopes dos Santos, de 12 anos, passageira e filha de Gilmar, foram retirados pelo Corpo de Bombeiros de Januária.
As outras vítimas - Elias dos Reis Queiroz, de 36 anos e motorista da ambulância, Graciele de Lima Pereira, de 17 e paciente gestante, Domingas G. de Lima Pereira, de 38 e acompanhante da paciente gestante, Genésia Ribeiro Cordeiro, de 28 e paciente, Luciana de Lima, de 33, e Letícia Santos Cardoso, de 14, passageiras do Ideia, foram socorridas e levadas para o Hospital Senhora de Santana, em Brasília de Minas. 
Devido ao acidente, houve vazamento de óleo e os bombeiros precisaram jogar terra na rodovia para evitar outras colisões.