quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Mundo do trabalho e sofrimento psíquico

Por  
Psicóloga, Mestre em Educação e Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Professora de Psicologia no Curso de Administração da Universidade Federal do Tocantins - UFT


Esta Série traz resultados de pesquisas empíricas que envolveram escutas sobre o sofrimento no trabalho na contemporaneidade. Compõe a Série diferentes categorias de trabalhadores de norte a sul do país: catadores de materiais recicláveis, trabalhadores da Unidade de Operações Aéreas do DETRAN, trabalhadores de um hospital psiquiátrico público, educadores sociais de adolescentes em situação de rua, docentes do ensino superior privado e bancários.
Estes estudos partilham a abordagem teórico-metodológica da Psicodinâmica do Trabalho, que tem em seu bojo a prevenção da saúde em espaços de trabalho, através da mobilização subjetiva dos trabalhadores.
Trata-se de uma abordagem científica desenvolvida por Christophe Dejours na França nos anos 1980. Inicialmente, a Psicodinâmica do Trabalho éconstruída com referenciais teóricos da psicopatologia, evoluindo para uma construção própria em função do avanço das pesquisas e tornando-se uma abordagem autônoma com objeto, princípios, conceitos e métodos particulares (Mendes, 2007).


A transição da Psicopatologia para a Psicodinâmica do Trabalho aconteceu em 1993. Justifica-se a mudança pela proporção que a área tomou e, sobretudo, por seu objeto ser a normalidade, a saúde e não mais a doença; embora o foco continuasse sendo o sofrimento no trabalho, abriu-se espaço para o prazer (Lhuilier, 2011).
A Psicodinâmica do Trabalho é um referencial do campo da saúde mental e do trabalho que tem sido muito utilizado e tem oferecido grande contribuição às pesquisas e intervenções nesta área no Brasil (Mendes, Lima & Facas, 2007). Parte-se do pressuposto que otrabalho pode ser um gerador de saúde, mas também um desestabilizador patogênico; porém, jamais neutro, e, assim, se confirma a centralidade do trabalho enquanto construtora de identidade, conforme pontua Dejours (2011).
O quadro teórico de referência da Psicodinâmica do Trabalho, baseado em Dejours (2004) e Ferreira e Mendes (2003), contempla alguns conceitos centrais que partem da organização do trabalho entre o prescrito e o real. Para efeitos didáticos, podem ser assim apresentados: vivências de sofrimento psíquico no trabalho; vivências de prazer no trabalho; estratégias de mobilização subjetiva (espaço público de discussão, cooperação e inteligência prática) e estratégias defensivas (modos de pensar, sentir e agir individuais e/ou coletivos, conscientes ou não) que têm função de adaptação e proteção para evitar o adoecimento, mas não garantem a saúde.


Tais defesas podem ter efeito de alienação, uma armadilha para o adoecimento e para as patologias, como as citadas por Dejours (2008). Todos estes elementos são permeados pelo reconhecimento no trabalho, que se caracteriza como um caminho para a mobilização subjetiva através de: retribuição moral e simbólica às contribuições para a organização do trabalho (esforço e investimento); julgamento de utilidade e beleza, identidade e sentido no trabalho; conhecer para reconhecer. Para quem desejar aprofundar estes tópicos sugere-se os seguintes estudos: Mendes, (1994); Medeiros, (2012); Traesel, (2007); Bottega, (2009); Garcia, (2011); J. B. Ferreira, Mendes, S. C. da C. Lima, Facas e Ghizoni (2013) e A. da S. Ferreira, (2013).
Destaca-se, entretanto, que “a mobilização subjetiva é caracterizada pelo movimento do sujeito que viabiliza as capacidades de sentir, pensar e inventar para realizar o trabalho” (J. B. Ferreiraet al., 2013, p. 101), assim, ela é composta pelas dimensões indissociáveis: inteligência prática, espaço de discussão, cooperação e reconhecimento (Mendes & Duarte, 2013).
Assim, a Psicodinâmica do Trabalho é uma clínica do trabalho, pois ‘investiga’ o sujeito em situação real, concedendo um espaço privilegiado para a fala do trabalhador sobre o seu sofrimento no trabalho, em uma perspectiva mais ontológica do que patológica (Lhuilier, 2011). Esta mesma autora ressalta a importância da escuta sobre o esforço do sujeito pela vida, apesar do sofrimento, de seus modos de resistência e de suas defesas.
Espera-se, com esta Série ampliar o olhar dos leitores para as possibilidades de atenção a saúde dos trabalhadores, estejam eles onde estiverem. Assim entram (En)Cena as reflexões sobre o “Mundo do trabalho e sofrimento psíquico”.
Referências:
Bottega, C. G. (2009). Loucos ou heróis: um estudo sobre prazer e sofrimento no trabalho dos educadores sociais com adolescentes em situação de rua.Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 201 p.
Garcia, W. I. (2011). Análise Psicodinâmica do Trabalho no Tribunal de Justiça do Amazonas: uma aplicação da clínica do trabalho e da ação.Manaus, AM. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM, Brasil, 109 p.
Dejours, C. (2004). A metodologia em psicopatologia do trabalho. In S. Lancman & L. Sznelwar. Christophe Dejours: da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. (pp. 105-126, F. Soudant, S. L. & L. I. Sznelwar trad.). Rio de Janeiro: Fiocruz Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2008). Alienação e Clínica do Trabalho. In:S. Lancman & L. Sznelwar.Christophe Dejours: da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. (2a edição ampliada, F. Soudant, S. Lancman e L. I. Sznelwar trads. pp. 255-286). Rio de Janeiro: Fiocruz Brasília: Paralelo 15.
Dejours, C. (2011). Addendum da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho.In S. Lancman & L. Sznelwar. (Orgs.), Christophe Dejours: da psicopatologia à Psicodinâmica do Trabalho. (3 ed. rev, F. Soudant; S. Lancman & L. I. Sznelwar trads., pp. 57-123). Rio de Janeiro: Fiocruz Brasília: Paralelo 15.
Ferreira, A. da S. (2013). A Psicodinâmica do Trabalho de Profissionais de Odontologia do Centro Ambulatorial de um Hospital Universitário. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, DF, Brasil, 106 p.
Ferreira, M. C. & Mendes, A. M. (2003). Trabalho e riscos de adoecimento:o caso dos auditores-fiscais da Previdência Social brasileira. Brasília DF: Edições Ler, Pensar, Agir LPA.
Ferreira, J. B., Mendes, A. M., Lima, S. C da C., Facas, E. P. & Ghizoni, L. D. (2013). Entre a mobilização subjetiva e a subtração do desejo: estudos com base na psicodinâmica do trabalho. In A. R. C. Merlo; A. M. Mendes & R. D. de Moraes (Orgs.).O sujeito no trabalho: entre a saúde e a patologia. (Biblioteca Juruá de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, pp. 101-118). Curitiba: Juruá.
Lhuilier, D. (2011). Filiações teóricas das clínicas do trabalho. In P. F. Bendassoli & L. A. Soboll (Orgs). Clínicas do trabalho. (pp. 22-58). São Paulo: Atlas.
Medeiros, S. N. (2012). Clínica em Psicodinâmica do Trabalho com a Unidade de Operações Aéreas do DETRAN: o Prazer de Voar e a Arte de se Manter Vivo. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, DF, Brasil, 168 p.
Mendes, A. M. (1994). Prazer e sofrimento no trabalho qualificado: um estudo exploratório com engenheiros de uma empresa pública de telecomunicações. Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília, Distrito Federal, DF, Brasil, 82 p.
Mendes, A. M. (2007). Da psicodinâmica à psicopatologia do trabalho. Em A. M. Mendes. (Org.), Psicodinâmica do Trabalho: teoria, método e pesquisas (pp. 29-48). São Paulo: Casa do Psicólogo.
Mendes, A. M & Duarte, F. S. (2013). Notas sobre o percurso teórico da Psicodinâmica do Trabalho. In L. G. de Freitas (Org.). Prazer e sofrimento no trabalho docente: pesquisas brasileiras (pp. 13-24). Curitiba: Juruá.
Mendes, A. M., Lima, S. C. & Facas, E. P. (2007). Apresentação. In A. M. Mendes, S. C. Lima & E. P. Facas. (Orgs.), Diálogos em Psicodinâmica do Trabalho. (pp. 09-12). Brasília: Paralelo 15.
Traesel, E. S. (2007). A psicodinâmica do reconhecimento: sofrimento e realização no contexto dos trabalhadores da enfermagem de um hospital do interior do Rio Grande do Sul. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 128 p.

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