segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Psiquiatra fala sobre as causas e o tratamento da Esquizofrenia

Especialista fala que o diagnóstico de esquizofrenia não é dado na primeira consulta e depende de uma investigação criteriosa que pode levar até seis meses
por Wander Veroni

Caracterizada pela perda do discernimento da realidade, a esquizofrenia é uma doença que pode afetar até 1% da população, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Outro dado preocupante é que até 75% dos pacientes abandonam o tratamento porque não têm consciência do que é a esquizofrenia ou, simplesmente, não se aceitam com o diagnóstico. 

Mas, como é feito o tratamento? Qual é o papel da família na recuperação de uma pessoa com esquizofrenia? Quais são as últimas pesquisas relacionadas à esquizofrenia? Para falar mais sobre este assunto, a Equipe de Web Jornalismo do portal do Canal Minas Saúde conversou com o médico psiquiatra Dr. Leonardo Palmeira,

Há 12 anos, ele se dedica ao estudo da esquizofrenia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além de atuar como psiquiatra em consultório e prestar consultoria em relação ao tratamento e diagnóstico da doença. Em 2009, ele lançou um livro “Entendendo a esquizofrenia” que deu origem a um portal de mesmo nome. Acompanhe a entrevista:

1) O que é a esquizofrenia e como a doença se manifesta?
A esquizofrenia é uma doença mental cuja principal característica é a psicose, uma espécie de perda do juízo, no qual a pessoa não consegue distinguir a realidade da fantasia. O delírio mais comum é o que a pessoa acha que esta sendo monitorada, começa a escutar vozes, ter visões e gostos estranhos. Na parte clínica, dividimos os sintomas em dois tipos: os sintomas positivos e os sintomas negativos.

Os sintomas positivos são, basicamente, os delírios e as alucinações. É também o sintoma de maior impacto no ambiente familiar e no social. Numa crise de surto, por exemplo, é até comum orientar as pessoas que estão próximas a não “ir contra”, para que ele não fique irritado ou se sinta acuado. É importante lembrar de uma coisa: o que é o delírio? O delírio se caracteriza por uma visão distorcida da realidade. Para a pessoa que tem esquizofrenia tudo que ela vê ou ouve, naquele momento, é real....daí a dificuldade de saber o que é fantasia do que é realidade.

Já no sintoma negativo o paciente é mais resistente ao tratamento. O que se caracteriza por uma diminuição dos impulsos, da vontade de viver e por achatamento afetivo. Há a perda da capacidade de entrar em ressonância com o ambiente, de sentir alegria ou tristeza condizente com a situação externa. É caracterizado pela falta de vontade, desmotivação, falta de afeto, dificuldade de expressar o que sente e possui uma certa indiferença à vida. O grande desafio é fazer com que a pessoa com esquizofrenia perca os sintomas negativos, por isso a medicação somada à psicoterapia é fundamental para o sucesso do tratamento.

2) Fale um pouco do tratamento da esquizofrenia. Como se dá? O paciente consegue levar uma vida “normal”?
A pessoa com esquizofrenia tem sim, no início, uma certa dificuldade de aceitar a doença. Pesquisas apontam que até 75% dos pacientes abandonam o tratamento porque não tem consciência do que é a esquizofrenia ou, simplesmente, não se aceita com o diagnóstico. Na verdade, é muito comum a pessoa não se perceber que tem esquizofrenia.

O diagnostico não é dado numa primeira consulta. Geralmente, é avaliado como um surto ou uma psicose, na condição de oferecer um tratamento para que o paciente não entre mais neste estado. A partir daí, começa um monitoramento desse paciente que pode levar de seis meses a um ano, inclusive com o apoio afetivo dos familiares, amigos ou de pessoas mais próximas. É preciso investigar muito bem, pedir exames e ouvir o paciente para fechar um diagnóstico preciso.

De qualquer maneira, é muito importante que a pessoa com esquizofrenia leve o tratamento a sério, tomando os medicamentos de forma correta e, principalmente, fazendo a terapia para poder aceitar a si próprio e recuperar a auto-estima. Em alguns casos, até é recomendado participar de terapia de grupo com outros pacientes ou com familiares de pacientes para a pessoa conseguir perceber que ela não é a única que está passando por isso e que é possível ter uma “vida normal”, trabalhando, estudando, namorando, se relacionando com outras pessoas.

3) E a família, como fica neste processo? Também é oferecido algum suporte psicológico?
Sem dúvida. Principalmente, durante o processo de investigação para o diagnóstico da esquizofrenia que pode até mesmo aflorar uma fragilidade familiar (ou individual) de lidar com a doença, estremecendo a base e o psicológico de cada um. E é daí que vem o preconceito, quando eu não sei sobre algo e faço um pré-julgamento. Por isso a família é tão importante no processo de tratamento da esquizofrenia, seja para dar apoio, seja para fortalecer o emocional do paciente, para mostrar que ninguém está sozinho.

Num primeiro momento é dado à família um material sobre o assunto e também é oferecido o tratamento de terapia em grupo. A família passa por um tratamento de psicoeducação para que ela possa compreender e lidar com o paciente de forma correta. O objetivo é, justamente, esse: fazer com que melhore o relacionamento dentro do núcleo familiar por meio do afeto, do carinho e do respeito mútuo.

4) A Esquizofrenia se manifesta mais em homens ou em mulheres? Existe uma idade em que os sintomas da doença são mais evidentes?
É igual para homem e mulher. O que acontece é que, clinicamente, aparecem mais casos masculinos dos 15 a 25 anos e mais casos femininos na faixa entre 25 a 35 anos. No geral é bem distribuído em ambos os sexos e não há uma predominância de gênero. Na verdade, o que acontece é que há mais casos de pessoas em idade produtividade.

A esquizofrenia é um estado de vulnerabilidade ao estresse. Geralmente, a doença aparece no momento de mais estresse na vida. É uma vulnerabilidade curiosa, não precisa acontecer uma catástrofe, pode ser a perda de um emprego, uma nota baixa na escola, uma perda de um ente querido, depende da vulnerabilidade de cada um. A doença é um estado transitório.
O médico psiquiatra Dr. Leonardo Palmeira estuda a esquizofrenia há 12 anos. Foto: Arquivo Pessoal.

5) Em relação à esquizofrenia e as seqüelas emocionais que ele traz ao paciente e aos familiares: como superar?
Isso é um ponto estratégico durante o tratamento e que está relacionado a construção do bem estar emocional do paciente. No surto é muito difícil de mostrar a pessoa com esquizofrenia que ele não esta na realidade, que está lidando com algo fantasioso. E isso é um processo que é trabalhado dentro da psicoterpia comportamental, onde é ensinado ao paciente a criar estratégias e a lidar com os próprios sentimentos e vulnerabilidades.

É importante deixar bem claro que a esquizofrenia não começa no surto. É um estado que começa lá atrás na história de vida do paciente, uma dificuldade de relacionamento, um trauma, uma situação de estresse, de perda afetiva, em que a pessoa tem dificuldade de lidar com a sua própria emoção. Por isso a família é um ponto de apoio tão importante, juntamente com a escola, por serem ambientes afetivos no qual é possível perceber as dificuldades de emocionais e, se necessário, encaminhar para uma psicoterapia.

6) Na sua avaliação, como o filme “Uma Mente Brilhante” ajudou a dar um outro olhar sobre a esquizofrenia?
Não só na época em que ele foi lançado, mas, sobretudo, até hoje, não deixa de ser um filme sensível a questão da esquizofrenia e que pode ajudar muitas pessoas a entenderem mais sobre a doença, principalmente porque tira o estigma de que a pessoa com esquizofrenia possa ter alguma limitação intelectual. Pelo contrário, o filme conta justamente a história de um homem que ganhou um prêmio Nobel em matemática e que conseguiu achar uma maneira particular de se conectar a realidade.

7) Como médico e pesquisador sobre a esquizofrenia, gostaria que o senhor falasse um pouco como estão as pesquisas em relação à doença?
Tem bastante coisa. Dentro da saúde mental é um dos campos mais pesquisados. Inclusive, tem pesquisa relacionada a medicamentos que vão tratar especificamente dos sintomas negativos e positivos, como por exemplo, pesquisas relacionadas aos receptores de butetamato e neurotransmissores.

Quem sabe em breve, uma única dose de medicamento intravenoso (por meio de injeção) será capaz de corresponder ao medicamento necessário durante um dado período do tratamento pré-estabelecido pelo médico, o que ajudaria a resolver a questão de que alguns pacientes, por exemplo, deixam de tomar o medicamento por esquecimento ou por achar que está tudo bem e que não precisa mais de remédio.

O que temos hoje são pesquisas que acontecem em vários centros e, atualmente, os Estados Unidos lidera esse campo, principalmente no campo farmacológico. O Brasil faz uma pesquisa relacionando célula-tronco com a esquizofrenia. Consiste em refrigerar esta célula-troco e transformá-la em neurônio, acompanhando como esta célula vai responder a este tratamento com medicamento especifico e que possam atuar dentro do neurônio, e não só na parte externa de comunição neurológica.

Aqui no Brasil, a neurociência tem feito muita coisa nesse sentido. Hoje se sabe, por exemplo, que a predisposição genética de risco de ter a esquizofrenia é de 8%, mas que também está relacionado a outros fatores que abrangem a predisposição social, a vulnerabilidade emocional e ao ambiente que a pessoa vive. Acontecem pesquisas o tempo todo e em muitos lugares. E a medida que a comunidade cientifica é apresentada a essas pesquisas o tratamento vai evoluindo com o intuito de oferecer mais qualidade de vida. Muita coisa já mudou nos últimos anos.

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