Bispo do Rosário negava ser artista. Depois de sua morte, suas obras foram reconhecidas no Brasil e no mundo
'O Senhor do Labirinto' conta a história do artista negro, pobre e nordestino que viveu durante 50 anos em uma colônia psiquiátrica e cuja obra é amplamente conhecida no Brasil e no mundo
por Xandra Stefanel, especial para RBA publicado 10/12/2014 10:20
São Paulo – Nascido em 1909 na cidade Japaratuba, em Sergipe, Arthur Bispo do Rosário se mudou em 1926 para o Rio de Janeiro, onde se alistou na Escola de Aprendizes da Marinha. Além de marinheiro, era pugilista e acabou sendo contratado pela Light para ser lavador de bonde e borracheiro. Depois de sofrer um acidente de trabalho, processou a empresa e foi defendido pelo advogado Humberto Magalhães Leoni, na casa de quem passou a trabalhar fazendo todo tipo de afazeres domésticos. Até que na noite de 22 de dezembro de 1938, Bispo passou a ser assombrado por misticismos e alucinações.
É esta a história real que conta o filme O Senhor dos Labirintos, dirigido pelo pernambucano Geraldo Motta, que estreia nesta quinta-feira (11) em São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e em Aracaju. Baseado no livroArthur Bispo do Rosário - O Senhor do Labirinto (Ed. Rocco, 192 págs.), de Luciana Hidalgo, o longa-metragem apresenta o universo paralelo criado por Bispo durante os 50 anos em que ficou confinado na colônia psiquiátrica Juliano Moreira, no Rio de Janeiro.
A interpretação do ator Flávio Bauraqui no papel principal é minuciosa e emocionante. Diagnosticado como esquizofrênico-paranoico, Bispo tinha certeza de que era a nova representação de Jesus Cristo na Terra e sua arte compunha o cenário do "castelo" que construiu em seu quarto no hospício, onde só entrava quem fosse capaz de ver sua aura. Com a simpatia de funcionários da instituição, especialmente de Wanderley (Irandhir Santos), o artista tinha acesso a agulhas, tesouras, ferramentas e tudo o que precisasse para fazer seus mantos, bordados e assemblages.
A trama toda se desenrola em torno de sua obsessão religiosa, de sua produção artística e da amizade com o guarda Wanderley e com a psicóloga estagiária (Maria Flor). O filme resgata a importância do artista pobre, negro, nordestino e com problemas mentais cujos trabalhos foram exibidos ao público pela primeira vez em 1989, em uma exposição coletiva realizada no Parque Lage.
Depois de sua morte, ocorrida no mesmo ano, toda a obra de Arthur Bispo do Rosário foi tombada e transformada em patrimônio histórico pelo Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural do Rio de Janeiro. Depois, muitas de suas peças foram expostas em museus brasileiros e estrangeiros, como o Jeu de Paume, em Paris, e o Victoria and Albert Museum, Londres, além de representarem o Brasil na Bienal de Veneza e na 30ª Bienal de Arte de São Paulo.
O filme vale o ingresso só pela interpretação dos atores principais, pelo cenário absolutamente convincente e, claro, pela história de Bispo. Os problemas evidentes com a maquiagem fazem com que os telespectadores não se convençam da idade avançada de Bispo e Wanderley ao final do longa. Mas nem isso tira o brilho do filme, que mostra a íntima relação entre a arte e a loucura de um personagem fundamental para a cultura brasileira.
O Senhor do Labirinto
Direção: Geraldo Motta
Co-direção: Gisella de Mello
Roteiro: Geraldo Motta, Luciana Hidalgo
Fotografia: Kátia Coelho
Montagem: Karen Akerman
Direção de arte: Sérgio Silveira
Figurino: Simone Aquino
Trilha sonora: Egberto Gismonti
Som: Toninho Muricy
Produtores: Monica Faria, Luiz Otero, Elisa Tolomelli
Elenco: Flávio Bauraqui, Irandhir Santos, Maria Flor, Odilon Esteves, Eriberto Leão, Luiz Carlos Reis, Rodrigo Riszla, Edlo Mendes, José Carlos Ngão, Andrea Villela, Diane Velôso
Duração: 80 minutos
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