quarta-feira, 11 de maio de 2016

Luta AntiManicomial- Contra todas as formas de manicômio!

Ultimamente nossa página tem publicado uma série de postagens acerca da Luta Antimanicomial, tendo em vista os fatos aliados à nomeação de Valencius Wurch para a coordenação nacional de Saúde Mental e as ameaças de retrocesso que essa nomeação representa, a julgar pelo histórico deste psiquiatra como diretor de um hospital psiquiátrico que matou milhares de pessoas e por seu posicionamento contrário à Reforma Psiquiátrica.
_ Temos bradado em letras garrafais: NENHUM PASSO ATRÁS, MANICÔMIOS NUNCA MAIS. Mas é necessário esclarecer como pensamos o manicômio, seus processos, suas estratégias e camuflagens.
Molecular nos faz ver o manicômio como lógica institucionalizada, fechada, engessada, como um conjunto de práticas, discursos, sobre numa microfísica de poderes dotada de vetores, dispositivos, linhas de força que se corporificam em agenciamentos, em relações, em práticas. (Valendo ressaltar que as duas formas não se anulam não se dicotomizam, mas podem coexistir, em jogos de alternância ou concomitância).
A priori, é condição sine qua non compreendermos o manicômio em sua face molar e molecular. Molar no plano do macroprocesso, como conhecemos na representação clássica do Hospital Psiquiátrico em suas práticas de mortificação.
Dessa forma o manicômio molecular pode estar presente não apenas no Hospital Psiquiátrico, apesar deste tomar para si a representação maior do manicômio, decerto por ter sido lócus de concentração das maiores práticas manicomiais da história com a “extinção” dos grandes asilos (em virtude dos lemas da Revolução Francesa). Assim, lógicas e práticas manicomiais podem estar presentes nos CAPS’s (chamados ironicamente de CAPScônios), nas escolas, na família, nas Comunidades Terapêuticas (conhecidas carinhosamente como Manicômios Gourmetizados), em qualquer pessoa.
A Luta Antimanicomial no Brasil nasceu como uma crítica às práticas manicomiais presentes SOBRETUDO nos Hospitais Psiquiátricos (públicos e privados) onde o saber psiquiátrico era hegemônico e ordena relações de normatização e controle. A relembrar que a Psiquiatria nasceu utilizando a loucura (agora entendida como uma doença, como forma de patologização da diferença em torno do conceito de doença mental) para testar suas hipóteses e técnicas, causando muitas mortes e sofrimento.
As práticas da Psiquiatria no decorrer da história são pavorosas (lobotomias, eletrochoques, exclusão) e atestam a ideia ultrapassada de loucura como ausência de razão, logo como ausência de escolha sobre si. Cabendo a alguém “responsável” escolher por ela, normatizá-la, curá-la, para voltar à sociedade normal, ao seio familiar.
A crítica do movimento da Luta Antimanicomial (encabeçado por trabalhadores de Saúde Mental) refletiu em elementos técnicos-assistenciais (refletindo a prática, as intervenções, a clínica), os elementos jurídicos (incidindo diretamente na cidadania do louco que é privada nas práticas manicomiais), epistemológica (questionando saberes tradicionais acerca do louco e da loucura, recusando as visões universalizantes e biologicistas e apostando em conceitos mais marcados nos aspectos psicossociais) e sociocultural (dimensão voltada a fomentar transformações na noção de loucura que a sociedade tem, respeitando o direito à diferença e tensionando as posturas de exclusão na sociedade por meio de estratégias criativas).
A proposição do movimento é substituir o modelo hospitalocêntrico (de características excludentes e opressivas, além de reduzir à loucura ao campo da Psiquiatria, sendo o único saber passível de dialogar com os loucos) e propondo uma rede de atenção baseada nos princípios e diretrizes do SUS e incluindo saberes diversos, uma equipe interdisciplinar e não apenas a Psiquiatria como hegemônica. Compreendemos que precisamos lutar por uma sociedade sem qualquer tipo de manicômio (NÃO APENAS os institucionalizados hospitais psiquiátricos). Evidentemente o passo de fechar Hospitais Psiquiátricos e criar serviços substitutivos e fortalecer a Rede de Atenção Psicossocial (em termos políticos e técnicos) é primordial!
Desinstitucionalizar como forma de torcer práticas e lógicas enrijecidas, produzindo novas inteligibilidades acerca do louco e abrindo os saberes para novas formas de relação e fazeres com maior implicação ético-política.
Ademais, precisamos desinstitucionalizar o manicômio como lógica, prática que atravessa relações de poder presentes em diversos locais. Desinstitucionalizar o manicômio-família quando o cárcere privado é a alternativa utilizada para o familiar em situação de sofrimento psíquico severo. O manicômio presente nos profissionais que não respeitam a autonomia e/ou não colaboram para produzir empoderamento e reconhecimento do louco como sujeito de direito, ou que têm práticas de sujeição, normatização, vendo no louco um incapaz e desrespeitando o direito à diferença. Produzindo prisões invisíveis em vez de engendrar processos de autonomização do sujeito.
Além disso, é possível falarmos nas Comunidades Terapêuticas, entidades geralmente de cunho religioso utilizadas para atenção às pessoas em situação de uso abusivo de crack, álcool e outras drogas. Nestas Comunidades Terapêuticas (que não são Nem Comunidades, Nem Terapêuticas) a exclusão do convívio social é comum, além de práticas de humilhação, agressão e internamentos irregulares). Os manicômios gourmetizados chamados de Comunidades Terapêuticas unem a ideia de drogadição ligada ao crime com a religião, como forma de usar a moral religiosa para cometer atrocidades.
Dessa forma, precisamos resistir não apenas às Psiquiatrias tradicionais ou como trata Vitor Pordeus as NaziPsiquiatrias, mas também perceber que tipo de lógica manicomial precisa ser reformada em todas as especialidades que se relacionam com a temática. Não apenas uma reforma psiquiátrica, mas uma Reforma Psicossocial (tendo em vista a necessidade de operar reformas em diversos campos de saber, sendo a “psiquiatria científica” o saber ainda hegemônico e o que oferece mais perigos de retrocesso). O manicômio-sociedade que vê no louco uma figura ligada à periculosidade, mesmo depois de anos que essa ideia foi refutada. Lutar contra esse manicômio é fazer a sociedade perceber que ela precisa se adequar para acolher e respeitar a diferença e não esta que precisa ser recortada, negada para se encaixar numa sociedade normatizadora.
Dessa forma, nossa LUTA é contra o manicômio molar, o lugar que ficou representado pelos hospitais psiquiátricos. Ou seja, contra o retrocesso ao modelo hospitalocêntrico, lutamos pelo fechamento dos milhares de hospitais psiquiátricos que ainda existem no Brasil, pelo fechamento de Comunidades Terapêuticas que funcionam tais quais aos clássicos hospitais psiquiátricos, onde a lógica religiosa substitui o tratamento moral que imperava.

Mas também nossa luta diz de produzir microrrevoluções de combate aos manicômios moleculares, que deslizam como linhas e se incorporam nas relações com os modos diferentes de existir em nome de uma NORMA, uma FORMA, um território fechado, rostificado ao qual as outras linhas, forças, cores, corpos precisam ser adequados, se não o forem serão excluídos, rejeitados.
Carlos Henrique Latuff

Por isso resistamos, montemos peças de máquinas ético-estético-políticas de destruição, de desinstitucionalização do poder fascista do Manicômio que ainda existe em pleno funcionamento num plano molar e mais ainda no plano molecular, atravessando profissionais, familiares, a mim e a VOCÊ.

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