quarta-feira, 13 de julho de 2016

Nota de falecimento do enfermeiro Antônio Carlos de Matos no CAPS III Adulto Sorocaba

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Nota de falecimento do enfermeiro Antônio Carlos de Matos no CAPS III Adulto Sorocaba
A Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo, juntamente às entidades e movimentos abaixo assinados, vem manifestar solidariedade à família, aos amigos e aos colegas de trabalho do técnico de enfermagem Antônio Carlos de Matos, membro da equipe técnica de um CAPS III – Centro de Atenção Psicossocial – no município de Sorocaba/SP, que foi assassinado durante a sua jornada de trabalho, ocasião na qual realizava atendimento domiciliar a um usuário, apontado como autor do ato.
Este lamentável fato ocorre em um momento no qual Sorocaba passa por um processo de desinstitucionalização dos serviços de Saúde Mental, incluindo o fechamento dos manicômios e a implantação de uma Rede Substitutiva. Diante disso, são importantes algumas considerações.
É de amplo conhecimento que os manicômios não são locais adequados para o atendimento de pessoas em sofrimento psíquico. Pelo contrário, são espaços que reproduzem doença e sofrimento por meio da segregação social e de diversas violações de direitos humanos, prejudicando, sobretudo, os internos, mas também os trabalhadores/trabalhadoras e a própria sociedade como um todo, uma vez que não há sociedade saudável e segura onde exista o manicômio, sua lógica de funcionamento é invariavelmente desumana, é perseguidora da singularidade de indivíduos e grupos, adotando, ao longo da história, diferentes métodos de repressão e punição a todos e todas que não se incluíssem nos padrões normativos vigentes, sob a falsa bandeira de tratamento e bem-estar individual e social. Tais constatações motivaram mudanças no cuidado e na própria concepção sobre a chamada “loucura”, em um movimento amplo que ganhou o mundo, a Luta Antimanicomial, resultando em legislações e práticas humanizadoras no contexto da Saúde Mental. No Brasil, essa Luta trouxe como uma das grandes conquistas a Lei da Reforma psiquiátrica, Lei 10216/2001.
Sorocaba passou muito tempo alheia ao que se prevê na mencionada Lei, ou seja, o fechamento dos manicômios e a implantação da rede substitutiva e humanizada de atendimento. Perpetuou-se, assim, como o maior pólo manicomial da América Latina, dada a grande incidência de manicômios, onde ocorreram inúmeras mortes de pacientes, chegando ao alarmante número de uma morte a cada três dias nos manicômios de Sorocaba e região, conforme dados publicizados pelo Fórum da Luta Antimanicomial de Sorocaba. A mobilização do Movimento da Luta Antimanicomial, juntamente a diversas forças progressistas em âmbito local, nacional e até mesmo internacional, culminou na assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) em 2012, onde Sorocaba se compromete, por meio de cooperação com os Governos Estadual e Federal, com o fechamento dos manicômios e a implantação dos CAPS, Residências Terapêuticas, Leitos Psiquiátricos em Hospitais Gerais, dentre outros. Este processo encontra-se em curso, ao passo que, concomitantemente ao fechamento dos manicômios, tem sido implantados os equipamentos previstos na Rede de Atenção Psicossocial. Tratam-se, sem dúvida, de avanços que tem promovido, de um modo geral, melhorias no sentido de humanizar o atendimento em busca do cuidado em liberdade, evitando-se novas internações e seus decorrentes danos e possibilitando, aos que estavam até então internados nesses manicômios, o convívio em sociedade e o atendimento psicossocial. Inclusive, ganharam espaço nas manchetes e no cotidiano da cidade, práticas exitosas nesse contexto que geraram fortalecimento dos vínculos familiares, acesso à cultura, ao lazer, à educação, à geração de renda, à saúde integral, dentre outros, àqueles que até então tinham estes direitos violados.
Porém, também registramos aqui nossas críticas à maneira pela qual tem sido realizada a desinstitucionalização em Sorocaba, considerando que elas expressam um cenário preocupante a ser considerado na discussão sobre o fato lamentável ocorrido ontem. Há um cenário de precarização no processo de implantação da Rede de Atenção Psicossocial, onde grande parte dos serviços são terceirizados, ocorrendo alta rotatividade de profissionais, falta de recursos materiais, atrasos de salários, instabilidade nos convênios (resultando em constantes ameaças de interrupção dos serviços), gerando prejuízos no atendimento à população e nas condições de trabalho como um todo. Além disso, há uma gestão municipal que pouco se envolve com a desinstitucionalização, delegando-a para a iniciativa privada, que, em muitos casos, representa os próprios empresários dos antigos manicômios, que enxergam o momento como apenas mais uma forma de manutenção de lucros e de poder, sem nenhum comprometimento com a mudança de paradigmas necessária.
Reforçamos, aqui, nosso repúdio a todas as formas de manicômio, seja com a roupagem dos antigos hospitais psiquiátricos, seja com a roupagem das atuais comunidades terapêuticas, assim como repudiamos, também, todos os oportunistas que se utilizam da recente tragédia com o objetivo de manipular a opinião pública em benefícios próprios. Estes sim, defendem todas as violências, todas as mortes, a exclusão social, tal como ocorrem nos manicômios, pois historicamente se beneficiaram delas. Por outro lado, clamamos por melhorias na Rede Atenção Psicossocial em Sorocaba, para que ela se estabeleça conforme o preconizado, garantindo atendimento digno à população e condições de trabalho dignas aos trabalhadores e trabalhadoras. À sociedade como um todo, em especial à população de Sorocaba e Região, reforçamos nosso ideal e nos mantemos juntos na Luta pelo cuidado em liberdade.
Nenhum passo atrás, manicômio nunca mais!
FRENTE ESTADUAL ANTIMANICOMIAL – FEASP
FENAPSI – Federação Nacional dos Psicólogos
Sindicato dos Psicólogos de São Paulo
ONG Sã Consciência
Fórum de Saúde Mental da Zona Leste
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