sexta-feira, 1 de maio de 2015

Um bom texto sobre a cracolândia em SP.- Ação da Prefeitura na cracolândia é última trincheira da luta antimanicomial - ROBERTO PORTO 46 anos, é promotor de Justiça, ocupou a Secretaria de Segurança Urbana e é o Controlador Geral do Município de São Paulo

Roberto Porto

Roberto Porto

Especial para o UOL



Curiosa esta guerra que alguns setores da sociedade insistem em manter contra o programa Braços Abertos. Primeiro, durante mais de 10 anos, mesmo com a invasão de prédios abandonados e o surgimento de barracos na rua, ninguém parecia se incomodar com o fato de que um dos mais históricos e outrora valorizados quarteirões da cidade, tivesse se transformado em território livre para o tráfico e uso de drogas. Quando o poder público decidiu fazer alguma coisa, usou de violência. Não resolveu o problema e ainda espalhou o território para outros pontos da cidade de São Paulo.

Soluções terapêuticas, mesmo em dependentes químicos com recursos, seja pelo método hospitalar, seja por longas internações em colônias ou clínicas de restabelecimento mostraram ao longo do tempo um baixíssimo resultado efetivo. O retorno às drogas era apenas uma questão de tempo. Enquanto isso, a degradação humana e a violência do tráfico se multiplicavam em velocidade vertiginosa naquele quarteirão dos Campos Elíseos.

É importante ressaltar que embora muita gente tenha sido levada para lá por força de decadência imposta pelo uso da droga, a maioria, pelo menos 70% das pessoas encontradas, são egressas de sistemas penitenciais. Sem qualquer referência, seja familiar ou social. Não se trata, portanto, de lidar com elementos humanos com valores de referência comuns. Se não, de pessoas que haviam se desviado pela criminalidade, fosse ou não ligada ao consumo e ao tráfico de drogas.

A alternativa adotada pela Prefeitura de São Paulo, a política de redução de danos, é corajosa e desponta como a última trincheira na luta antimanicomial. Trata-se na essência de dar dignidade a quem já não portava nenhum traço civilizatório, com a finalidade terapêutica de livrar primeiro o sofrimento do cotidiano com qualidade de vida e depois, em ambiente mais propício, permitir o tratamento da dependência.

Os resultados são inequívocos:  1. O fluxo (local onde as pessoas se reuniam para consumir craque) teve sua frequência reduzida de 1,5 mil pessoas para 200, no máximo 300 pessoas; 2. Estima-se que os 500 dependentes que aderiram ao programa reduziram o consumo que era de até 90 pedras por dia, para, no máximo 10; 3. Alguns deles se recuperaram a ponto de conquistar emprego e trabalho em empresas privadas; 4. A maioria, recuperada a dignidade humana, passou a pedir e a frequentar o tratamento médico e psicológico; 5. Os indicadores de criminalidade na região tiveram queda expressiva.

O programa Braços Abertos, entretanto, não é imune aos ataques que lhe são perpetrados. Alguns por quem enxerga nele uma batalha político-eleitoral. Associam o seu eventual sucesso ao triunfo de uma ação partidária. São esbirros sem representatividade incapazes de enfrentar sequer um debate real sobre o tema.

Além destas criaturas, é claro que o próprio crime organizado enxerga na ação uma restrição clara ao seu negócio.

Todas as críticas passam ao largo da discussão que realmente interessa: será possível recuperar aquele ser humano outrora entregue ao sofrimento do consumo de drogas? Há outra alternativa efetiva à política de redução de danos? Como controlar o tráfico de drogas na região?

O Braços Abertos foi desenvolvido em conjunto com os dependentes químicos cadastrados pelo município. Ele oferece oportunidades de trabalho, qualificação profissional, alimentação, hospedagem, seguro de vida, renda e tratamento de saúde aos usuários de drogas. De outra parte, o combate ao tráfico é considerado fundamental  para o sucesso do programa, em contraposição ao tratamento diferenciado prestado aos dependentes químicos.

Estudos demonstram que a taxa de mortalidade dos usuários de crack no Brasil é sete vezes maior do que o da população em geral. A baixa expectativa de vida está diretamente relacionada a uma população socialmente marginalizada, com baixo nível de escolaridade e sem vínculos empregatícios, absolutamente estigmatizados pelo uso da droga. A reversão deste quadro, é fator primordial no sucesso de qualquer tratamento.

Nestes termos, o debate é sempre bem-vindo. Factóides, provocações e tentativas de transformar este debate numa disputa territorial ou político-eleitoral, deveriam ser esquecidos. 

ROBERTO PORTO

46 anos, é promotor de Justiça, ocupou a Secretaria de Segurança Urbana e é o Controlador Geral do Município de São Paulo

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