Na canetada, demitiu servidores doentes, até em tratamento contra o câncer
Por Viomundo
Em 2007, o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, e o seu vice, Antônio Anastasia, hoje senadores pelo PSDB, criaram a Lei Complementar 100, que efetivou milhares de servidores públicos, principalmente professores.
Em 2014, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou-a inconstitucional e determinou o desligamento dos servidores. O prazo para exoneração terminou em 31 de dezembro de 2015. Entre trabalhadores da educação básica e professores da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), cerca de 57 mil foram demitidos.
“As dispensas foram na base da canetada, mesmo, assim como foi a contratação, no governo Aécio/Anastasia”, lamenta a professora Beatriz Cerqueira. “Em agosto de 2014, nos debates da Conferência Estadual de Educação, promovida pelo sindicato, Fernando Pimentel, como candidato, assinou documento se comprometendo discutir a situação desses servidores, o que não aconteceu com ele como governador.”
Carta Comprisso VII Conferencia Sind-UTEBeatriz Cerqueira é a combativa presidenta do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG) e da CUT-MG.
“A maior crueldade é com os trabalhadores adoecidos. O governo Pimentel ignorou a maioria. Não fez a parte dele”, diz, indignada. “Nós sabemos que quem adoeceu, não volta para o mercado de trabalho, seja com contrato no próprio Estado ou em qualquer outro lugar.”
“As pessoas adoeceram trabalhando para o Estado! O correto era o reconhecimento da doença e da incapacidade e a aposentadoria. O governo Pimentel não fez isso com maioria dos trabalhadores doentes”, observa. “A crueldade foi que ele deu licença médica com ‘prazo de validade’, independentemente da recuperação da pessoa.”
“Na prática, o governo demitiu muitos servidores doentes, vítimas de acidentes de trabalho. Temos trabalhadores em tratamento contra câncer que foram demitidos!”, denuncia a presidenta do SindUTE e da CUT-MG. “ Não se demite trabalhador doente!”
Segue a íntegra a entrevista com Beatriz Cerqueira.
Já ouvi falar em 50 mil, 60 mil, 70 mil servidores demitidos. Afinal, são quantos?
De acordo com dados do governo de Minas Gerais, cerca de 57 mil, entre trabalhadores da educação básica e professores da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG).
Considerando que há leitores novos, gostaria que fizesse um breve histórico da Lei Complementar 100, de Minas Gerais.
A Lei Complementar 100 foi proposta pelo governador do Estado, aprovada por unanimidade pelos deputados estaduais e sancionada em novembro de 2007. O governador era Aécio Neves e o vice Antônio Anastasia, hoje senadores da República pelo PSDB de Minas.
O objetivo dela era a organização da Gestão da Previdência Própria dos servidores estaduais.
Desde 1998, o regime de Previdência Própria é restrito aos servidores concursados. Só que, aqui em Minas, o governador não cumpria a exigência constitucional de realizar concursos públicos, mantendo, ano a ano, milhares de servidores com vínculos precários, na condição de designados.
O fato é que, em 2007, havia cerca de 98 mil contratados temporários na educação, que, por regra constitucional, deveriam estar contribuindo para o Regime Geral de Previdência. Mas não estavam.
Eles pagavam algum tipo de Previdência?
Nenhum! E isso era bastante atrativo para o então governador, já que o governo também não contribuía com a parte patronal. Só que, como tempo, essa “esperteza” começou a gerar dificuldades ao próprio estadual. Por exemplo, nos pedidos de empréstimos a instituições financeiras internacionais, que exigem a regularidade previdenciária.
Isso significava reconhecer e arcar com uma dívida bilionária no INSS, responsável pelo regime geral de previdência com os quais esses trabalhadores deveriam contribuir. Antes de 1998, era possível servidor não concursado se aposentar no regime próprio, como os comissionados, funções públicas etc. A Emenda Constitucional 20/98 acabou com essa possibilidade.
Aí, veio a mágica do governo Aécio/Anastasia: para que pagar o que devia e regularizar a vida de milhares de servidores na Previdência se poderia inventar uma teoria que lhe permitiria jogar no regime de Previdência Própria, servidores que não são concursados? A Lei Complementar 100 fez isso.
Mas a Lei 100 foi vendida pela mídia mineira como um benefício dos servidores, não foi?
Foi. O governo de Minas usou seu aparato — leia-se seu controle! — sobre a mídia para fazer crer que a Lei Complementar 100 era em benefício dos servidores e que o então governador tinha compromisso social. E, assim, a efetivação sem concurso público se tornou real em Minas Gerais.
Quando o artigo 7° da Lei Complementar 100 foi julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em março de 2014, numa ação proposta pelo Ministério Público Federal, o governo do Estado, nas mãos de Antônio Anastasia (PSDB) e posteriormente com Alberto Pinto Coelho (PP), agiu como se nada estivesse acontecendo e foi empurrando a situação.
Tentou jogar todo mundo no Regime Geral de Previdência como algo natural. Não deu certo. Foi obrigado, por decisão judicial, a manter todos no Regime Próprio de Previdência. Mas não cuidou de resolver as mais diferentes situações.
Por exemplo.
Negou o direito à aposentadoria por invalidez a todos que adoeceram enquanto trabalhavam para o Estado. Negou também o direito de aposentadoria a quem cumpriu os requisitos de tempo e idade.
Já àqueles que passaram em concurso, os governos Anastasia/Pinto Coelho negavam a nomeação por meio da perícia médica que os avaliavam como incapazes em função do adoecimento — que adquiriram enquanto trabalhavam para o próprio Estado!
Então, o hoje senador Aécio Neves, paladino da moral, do combate à corrupção, o Mujica das Gerais como ironizou um jornalista, é responsável por uma situação que iludiu milhares de famílias.
Houve algum critério para essas dispensas ou foram na base da canetada mesmo, assim como foi a contratação?
A dispensa foi na base da canetada, mesmo. Em agosto de 2014, nos debates da Conferência Estadual de Educação, promovida pelo SindUTE-MG, Fernando Pimentel, como candidato, assinou documento se comprometendo discutir a situação destes servidores, o que não aconteceu com ele como governador.
Desde 2012, quando a lei foi questionada no Supremo Tribunal Federal (STF), o sindicato tenta discutir caminhos. Não conseguimos no governo do PSDB. E não conseguimos no atual governo. Durante todo o ano de 2015 cobramos a abertura da discussão. O governo foi empurrando a situação. Somente após muita pressão nossa começou a encaminhar a aposentadoria de quem adquiriu o direito por ter cumprido tempo de contribuição e idade mínima.
Enquanto presidente do SindUTE e da CUT/MG, como está lidando com a situação de ver tanta gente ser demitida?
A situação é horrível. A maior crueldade é com os trabalhadores adoecidos. O governo Pimentel ignorou a maioria. Não fez a parte dele. Todos nós sabemos que quem adoeceu, não volta para o mercado de trabalho, seja com contrato no próprio Estado ou em qualquer outro lugar.
As pessoas adoeceram trabalhando para o Estado! Então, o correto era o reconhecimento da doença e da incapacidade e a aposentadoria. O governo Pimentel não fez isso com a maioria dos trabalhadores doentes. A crueldade foi que ele deu licença médica com “prazo de validade”, independentemente da recuperação da pessoa.
Na prática, o governo demitiu muitos servidores doentes, vítimas de acidentes de trabalho. Temos trabalhadores em tratamento contra câncer que foram demitidos! Não se demite trabalhador doente!
Mas, na campanha eleitoral, Pimentel acenou com acordo sobre a lei 100?
Sim. Assumiu o compromisso de discutir a situação dos trabalhadores, coisa que o governo anterior não havia feito! Mas durante o ano de 2015 o governo Pimentel fez apenas uma reunião conosco e nada mais. Por mais que cobrássemos, foi empurrando também. Pedimos a abertura de negociação para a construção de alternativas, dentro do que foi definido pelo STF. O que não aconteceu.
Quais as propostas que vocês fizeram ao governo Pimentel?
Nós reivindicamos a avaliação para aposentadoria de todos os adoecidos que não retornariam ao mercado de trabalho. Mas muitos foram simplesmente demitidos. Poderiam permanecer vinculados ao Estado enquanto estivessem doentes ou fossem aposentados.
Pedimos a manutenção do salário de janeiro. Todos os contratados do Estado que trabalham no ano anterior recebem o mês de janeiro. Os efetivados não receberão.
Desde o início de dezembro, estamos tentando discutir isso com o governo. Sequer uma reunião com o sindicato foi marcada.
O aumento do número de nomeações também ajudaria. Muitos efetivados passaram no concurso. Mas não foram nomeados. Enfim, está o caos neste início de ano.
O problema foi gerado na gestão Aécio/Anastasia, mas, mesmo assim, a gestão Fernando Pimentel não poderia ter acenado com outra saída que não a demissão pura e simples?
Na verdade, a decisão do STF determinava que os cargos ocupados por servidores da Lei 100 fossem ocupados por concurso público. O prazo era 31 de dezembro. E isso o governo não fez.
Depois de muita pressão em 2015 conquistamos 60 mil nomeações, 15 mil por ano. Mas hoje, diante do atual quadro de precariedade, é preciso avançar mais. O governo também poderia ter mantido o vínculo dos trabalhadores onde não houve concurso. Demitiu, para expulsar os doentes, economizar um mês de salário e recontratar alguns!
Em 2014, você anunciou que iria entrar com ação contra o governo por danos morais por conta da lei 100. Como ficou essa parte?
O sindicato fez tudo o que poderia fazer no campo jurídico. Ajuizamos ações coletivas cobrando FGTS, danos morais, centenas de ações cobrando aposentadoria e outros direitos.
Também denunciamos os dois senadores no Ministério Público Federal para apurar a responsabilidade de cada um. Até o momento não temos notícias do que o Ministério Público Federal apurou.
E agora?
Começamos 2016 com muitos “bodes” na sala, como o anúncio de parcelamento de salários e a promessa de nova estabilidade sem concurso, que foi feita pelos secretários de Governo e da Casa Civil do governo Pimentel.
A nossa esperança era que houvesse uma relação de respeito, diálogo e transparência nas informações. É o único jeito de termos uma rede estadual forte, não fragilizada. Lamentavelmente até agora isso não virou realidade. Teremos, portanto, um ano de muitas lutas.
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