Tadeu Leite é condenado a pagar mais de meio milhão para o município de Montes Claros
Esta ação ficou mais de 20 anos dormindo em berço esplêndido nas prateleiras do Fórum de Montes Claros
Esta ação ficou mais de 20 anos dormindo em berço esplêndido nas prateleiras do Fórum de Montes Claros
A juíza Rosana Cerqueira Paixão, da comarca de Montes Claros, condenou na última quarta-feira (25) o ex-prefeito Luiz Tadeu Leite a pagar a Prefeitura Municipal de Montes Claros o valor de R$ 533.000,00 números corrigidos em 2011, por ter exonerado o servidor municipal Paulo César da Silveira, o popular Pancho, por razões meramente políticas.
Triste nesta história é que esta teria sido a primeira condenação em Montes Claros de danos ao erário contra o ex-prefeito de Montes Claros, mesmo ele tendo cometido várias prevaricações e ter sido um dos piores prefeitos desta cidade. Diga-se de passagem, Tadeu sempre foi protegido pela nossa justiça. Por isso, que todos os pedidos de prisões da Polícia Federal e Ministério Público contra ele foram recusados. Sabendo disso, a PF e o MP mudaram de estratégia e pediram sua prisão preventiva em outras comarcas. Na operação "Violência Invisível", deflagrada pela Polícia Federal para combater o desvio de recursos públicos - organização criminosa atuava por meio do direcionamento de licitações e compensação ilegal de precatórios judiciais, Tadeu Leite teve sua prisão decretada pela juíza da comarca de Pirapora, Arlete Aparecida da Silva Coura, mas o ex-gestor estava foragido da Justiça, e nem a Interpol conseguiu prendê-lo.
Triste nesta história é que esta teria sido a primeira condenação em Montes Claros de danos ao erário contra o ex-prefeito de Montes Claros, mesmo ele tendo cometido várias prevaricações e ter sido um dos piores prefeitos desta cidade. Diga-se de passagem, Tadeu sempre foi protegido pela nossa justiça. Por isso, que todos os pedidos de prisões da Polícia Federal e Ministério Público contra ele foram recusados. Sabendo disso, a PF e o MP mudaram de estratégia e pediram sua prisão preventiva em outras comarcas. Na operação "Violência Invisível", deflagrada pela Polícia Federal para combater o desvio de recursos públicos - organização criminosa atuava por meio do direcionamento de licitações e compensação ilegal de precatórios judiciais, Tadeu Leite teve sua prisão decretada pela juíza da comarca de Pirapora, Arlete Aparecida da Silva Coura, mas o ex-gestor estava foragido da Justiça, e nem a Interpol conseguiu prendê-lo.
Segue a íntegra da sentença
Ação de Indenização
Processo n.: 0433.08.247955-4
Requerente: Município de Montes Claros
Requerido: Luiz Tadeu Leite
Vistos, etc.
O Município de Montes Claros propôs a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO em face de Luiz Tadeu Leite, devidamente identificado nos autos em epígrafe, pelos fatos adiante expostos.
Em apertada síntese, sustenta o Município de Montes Claros que saiu vencido em “ação anulatória de ato administrativo cumulada com pedido de reintegração e cobrança de vencimentos” (autos nº. 0433.97.009727-8), na qual o então requerente Paulo César da Silveira aduziu que teria sido exonerado de seu cargo público efetivo pelo então prefeito Luiz Tadeu Leite, por razões meramente políticas.
Alega o Município que foi condenado ao pagamento de substancial quantia em referido processo, razão pela qual pleiteia a condenação do requerido ao pagamento dos danos materiais sofridos pela municipalidade, sob o fundamento de que o ex-prefeito foi o real causador do dano, notadamente porque agiu com dolo.
A inicial foi instruída com os documentos de fls. 22/377.
Devidamente citado, o requerido apresentou contestação às f. 383/392 e levantou a preliminar de carência da ação. No mérito, sustentou a inexistência de prejuízo aos cofres municipais, bem como a ausência de dolo ou culpa do requerido.
Com a resposta, vieram os documentos de f. 393/423.
Em decisão de f. 441/443, a preliminar levantada pelo réu foi rejeitada. Na mesma oportunidade, deferiu-se a produção de prova testemunhal.
Às f. 455/456, 460/461 e 469, realizou-se audiência, com a oitiva de duas testemunhas, tendo-se encerrado a instrução.
Intimadas as partes para tanto, apenas o autor apresentou alegações finais (f. 476).
É o relatório do necessário. DECIDO.
Trata-se de ação indenizatória ajuizada em face do ex-prefeito Luiz Tadeu Leite, por meio da qual o Município de Montes Claros pretende ser ressarcido de prejuízo material sofrido, ao argumento de que o réu agiu com dolo ao demitir indevidamente o servidor público municipal Paulo César da Silveira.
Não há preliminares a serem decididas. Passa-se à análise de mérito.
Sabe-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, §6º, assegura ao Estado o direito de regresso em face do seu agente que, por dolo ou culpa, lhe causar prejuízos. Assim, a Administração Pública tem o direito de ser ressarcida pelos danos que os seus agentes causarem ao erário.
Ressalte-se, todavia, que, enquanto a responsabilidade do Estado em face do particular, via de regra, é objetiva; a responsabilidade do agente causador do dano ao erário é subjetiva, sendo imprescindível a comprovação de que o agente público agiu com dolo ou culpa na condição de agente público.
Sobre o tema, tem-se o magistério de José dos Santos Carvalho Filho:
O direito de regresso é o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quando tenha este agido com culpa ou dolo.
É importante lembrar que no tema da responsabilidade civil do Estado existem duas relações jurídicas diversas - uma que liga o lesado ao Estado e outra que vincula o Estado a seu agente. Essa última relação é que consubstancia o direito de regresso do Estado, estando prevista na parte final do art.37, §6, da Constituição Federal. (In Manual de Direito Administrativo. 24.ed. 2011, pág.695).
Desse modo, o direito de regresso em face do agente público é possível quando se comprovar a conduta antijurídica, o dano ao erário, o nexo de causalidade e o elemento subjetivo do agente público causador do dano (dolo ou culpa). É o que se passa a verificar no caso em análise.
Inicialmente, ressalta-se o conjunto probatório acostado aos autos traz cópia da ação anulatória de ato administrativo (autos nº. 0433.97.009727-8, às f. 27/376) que fundamenta a presente ação de regresso. Tais documentos devem ser considerados como “prova emprestada”, instituto do direito processual amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência pátria e que encontra fundamento no princípio da economia processual.
Acerca do tema, tem-se o magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves:
A regra concernente à produção da prova é de que esta se realize dentro do processo em que será utilizada como meio de convencimento do juiz. Em determinados casos, entretanto, em respeito ao princípio da economia processual, é possível aplicar no processo prova já produzida em outro processo, em fenômeno conhecido como “prova emprestada”. A utilização da prova já produzida em outro processo responde aos anseios de economia processual, dispensando a produção de prova já existente, e também da busca da verdade possível, em especial quando impossível produzir novamente a prova (In Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2011. P. 426).
In casu, mostra-se plenamente possível a aceitação da referida prova emprestada. A uma, porque houve absoluta garantia ao contraditório, que é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de modo que o réu teve totais condições de se insurgir contra a prova e de refutá-la no bojo do presente processo. A duas, porque já está superado o argumento de que a prova emprestada apenas pode ser utilizada em processos em que figurem partes idênticas.
Nesse sentido, observe-se recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 48.174 -SP Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Data Julgamento: 03/02/2015 EMENTA PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DENÚNCIA. PROVA EMPRESTADA. PARTES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. POSTERIOR SUBMISSÃO DA PROVA AO CONTRADITÓRIO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É admissível, desde que assegurado contraditório, a prova emprestada vinda de processo do qual não participaram as partes do feito para o qual prova será trasladada.
2. Com efeito, esta Corte Superior manifesta entendimento no sentido de que "a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo" (EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 17/06/2014).
A prova oral colhida neste processo não teve o condão de acrescentar nada à presente lide. Entretanto, os documentos juntados foram suficientes para comprovar as alegações iniciais. Repita-se que, com relação a eles, foram assegurados o contraditório e a ampla defesa, sendo que o Requerido teve amplo acesso aos documentos desde sua primeira manifestação nos autos. Portanto, mostra-se admissível a prova em análise, que será valorada nos termos do art. 131 do CPC.
Pois bem. Da detida análise do feito, tem-se que a conduta, o dano ao erário e o nexo causal são patentes. O conjunto probatório acostados aos autos comprova que Paulo César da Silveira moveu “ação anulatória de ato administrativo cumulada com pedido de reintegração e cobrança de vencimentos” (autos nº. 0433.97.009727-8) em face do Município de Montes Claros, tendo os pedidos iniciais sido julgados procedentes, para condenar a municipalidade (i) à reintegração do autor ao cargo de origem; e (ii) ao pagamento de todas as parcelas remuneratórias devidas desde a exoneração indevida. É o que se depreende da sentença de f. 262/264 e do acórdão de f. 318/323, que transitou em julgado (f. 327).
Em execução de sentença, apurou-se que o montante devido pelo Município de Montes Claros a Paulo César da Silveira em agosto de 2011 somava o vultoso valor de R$533.900,65 (quinhentos e trinta e três mil, novecentos reais e sessenta e cinco centavos), consoante se infere dos documentos de f. 390 e 405/406 dos autos em apenso (autos nº. 0433.97.009727-8).
É incontroverso, pois, que o Município de Montes Claros foi condenado ao pagamento de significativa quantia a Paulo César da Silveira por ter sido demitido indevidamente pelo então prefeito, ora réu, Luiz Tadeu Leite (Decreto de demissão, de nº. 1.344/93, à f. 55) – presente, portanto, o dano material.
Quanto ao elemento subjetivo do agente público que praticou o ato causador do dano ao erário, depreende-se da prova dos autos, especialmente daquela produzida nos autos da ação anulatória de ato administrativo que foi juntada ao presente feito, que Luiz Tadeu Leite agiu dolosamente ao demitir indevidamente o servidor público municipal.
Conforme se extrai do conjunto probatório, o servidor Paulo César da Silveira foi demitido pelo réu logo no início do seu mandato como prefeito (1993/1996), sendo que a demissão foi motivada pela ligação do servidor público com o grupo político adversário ao requerido.
Nesse sentido, têm-se os depoimentos colhidos nos autos nº. 0433.97.009727-8 (cópia às f. 138/143) – e não impugnados pelo réu em nenhum momento -, que comprovam a perseguição política realizada pelo requerido:
DEPOIMENTO DE PEDRO NARCISO (f. 139): Que foi vice-prefeito de Montes Claros no período de 989 a 1992; que sabe que o autor, assim como outros funcionários, no início da administração do então prefeito Tadeu Leite, já no ano de 1993, ficaram em situação difícil porque não lhes foram atribuídas tarefas para o desempenho de suas funções, colocados assim “no corredor”, isto por clara motivação política, já que o autor era homem de confiança do anterior prefeito Dr. Mário Ribeiro, que então passou a ser perseguido em face do rompimento político havido entre o Sr. Tadeu Leite e o Sr. Mário Ribeiro. (grifo posto)
DEPOIMENTO DE REINALDO DE OLIVEIRA XAVIER (f. 140): Que no início da administração de Tadeu Leite no ano de 1993, o autor, bem como o depoente e outras pessoas de confiança do ex-prefeito Dr. Mário Ribeiro, foram colocadas “no corredor”, sem lhes ser designada nenhuma tarefa para o cumprimento de suas funções e lhes negando acesso à folha de presença; (…) que também foram vítimas de retaliações os servidores Célio Amilton Moebus, economista e secretário da Fazenda da administração Mário Ribeiro que foi colocado para trabalhar no balcão da Unimontes, Cláudio Vieira de Castro e o Sr. Hamilton Trindade que foram ameaçados para trabalhar no lixão de Montes Claros (…).
DEPOIMENTO DE GERALDO RENAN MILO VELOSO (f. 141): (…) Que sabe que no início da segunda administração do sr. Tadeu Leite, no ano de 1993, o autor assim como outros funcionários foram colocados “à disposição”, não lhes sendo designada nenhuma tarefa para o exercício de suas funções, não lhes sendo negado entretanto o acesso físico às repartições (…). (grifo posto)
Corroborando a presença de dolo na demissão indevida, oportuno ressaltar que o então prefeito Luiz Tadeu Leite determinou a abertura de sindicância para exoneração do servidor Paulo César Silveira em 1º de fevereiro de 1993 (f. 54), sendo que o servidor público gozou férias de 04/01/1993 até 02/02/1993, conforme consta no próprio procedimento administrativo que culminou com a sua demissão (f. 52).
Ora, com apenas 30 dias como prefeito, o réu consignou na Portaria 005/93 que Paulo César da Silveira havia cometido infrações disciplinares na condição de servidor público, mas o servidor estava de férias durante praticamente todo o mês de janeiro - inclusive na data de expedição da referida Portaria. Ademais, o réu afirmou expressamente na Portaria 005/93 que o servidor teria praticado infrações disciplinares, mas não chegou sequer a apontar ou a descrever quais infrações seriam essas.
Demonstra-se, de maneira inequívoca, que a presença de Paulo César da Silveira era indesejável pelo ex-chefe do Executivo municipal, restando evidente o cunho político (e ilegal) da sua demissão.
A motivação política da demissão sub judice também foi amplamente reconhecida no bojo da ação nº. 0433.97.009727-8. Tem-se, por exemplo, a manifestação do Promotor de Justiça que oficiou no feito, no sentido de que que “claro ficou o cunho político da divergência, sendo o autor exonerado de seu cargo por pertencer a facção política diversa da então administração municipal” (f. 162), bem como o parecer do Procurador de Justiça, afirmando que “igualmente provada, através de depoimentos, a perseguição política da administração à época” (f. 310) (grifos postos).
Mais ainda, merece destaque o consignado na sentença e no voto proferido pelo Des. Francisco Figueiredo, relator da Apelação Cível, ambos reconhecendo expressamente a motivação política na demissão indevida perpetrada pelo réu. Observe-se:
Ademais, a prova testemunhal é toda no sentido de que existiu, de fato, um cunho político na exoneração do autor, não logrando êxito o Município-réu, também desta vez, em provar a legalidade da exoneração (sentença às f. 262/264) (grifo posto).
Feita esta breve exposição, é de se ver que o acervo probatório bem nos revela a edição de um ato adredemente preparado pelo então prefeito, que encontrou na demissão por abandono de cargo uma forma de livrar-se dos servidores e confiança do seu antecessor, num ato que, longe de servir ao interesse público, colocou-se em favor pessoal do agente político, que parece não se haver bem com a diferença, elemento este característico da democracia, que muitos propagam, mas pouco praticam.
Coisas da política não podem afetar os direitos e garantias dos administrados e bem se conduziu o ilustre sentenciante ao determinar a reintegração no cargo, pois, chega a causar espécie o documento de fls. 26, bem como a prova testemunhal produzida, todas dando conta das reais intenções do alcaide em relação ao seu opositor (f. 322) (grifo posto)
Não é demais frisar que o réu não trouxe qualquer argumento capaz de elidir as provas constantes no feito, restringindo-se a alegar que (i) não houve prejuízo ao erário – argumentação já afastada em decisão de f. 441/443 – e que (ii) não houve dolo ou culpa em sua conduta – afirmação em total dissonância com a prova dos autos, que demonstra o contrário.
Nessa contextura das ideias, é indubitável que Luiz Tadeu Leite demitiu o servidor público municipal Paulo César da Silveira por razões políticas, evidenciando seu dolo no ato ilícito. Assim, resta configurado o dever do réu de ressarcir ao erário os danos causados com a demissão indevida, nos termos do art. 37, §6º, da CF/88.
Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e condeno o réu Luiz Tadeu Leite a ressarcir ao Município de Montes Claros/MG o montante de R$533.900,65 (quinhentos e trinta e três mil, novecentos reais e sessenta e cinco centavos), referente à condenação imposta à municipalidade nos autos nº. 0433.97.009727-8 em face da demissão indevida de Paulo César da Silveira pelo ex-prefeito.
O quantum deve ser corrigido monetariamente pela tabela da CGJMG e acrescido de juros de mora de 0,5% ao mês desde a última atualização do débito (agosto de 2011, conforme f. 390 dos autos 0433.97.009727-8, em apenso).
Determino a extinção do processo, conforme artigo 269, I, do CPC, e condeno o requerido ao pagamento das custas processuais.
Sem condenação em honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Montes Claros – MG, 25 de março de 2015.
ROZANA SILQUEIRA PAIXÃO
Juíza de Direito
Processo n.: 0433.08.247955-4
Requerente: Município de Montes Claros
Requerido: Luiz Tadeu Leite
Vistos, etc.
O Município de Montes Claros propôs a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO em face de Luiz Tadeu Leite, devidamente identificado nos autos em epígrafe, pelos fatos adiante expostos.
Em apertada síntese, sustenta o Município de Montes Claros que saiu vencido em “ação anulatória de ato administrativo cumulada com pedido de reintegração e cobrança de vencimentos” (autos nº. 0433.97.009727-8), na qual o então requerente Paulo César da Silveira aduziu que teria sido exonerado de seu cargo público efetivo pelo então prefeito Luiz Tadeu Leite, por razões meramente políticas.
Alega o Município que foi condenado ao pagamento de substancial quantia em referido processo, razão pela qual pleiteia a condenação do requerido ao pagamento dos danos materiais sofridos pela municipalidade, sob o fundamento de que o ex-prefeito foi o real causador do dano, notadamente porque agiu com dolo.
A inicial foi instruída com os documentos de fls. 22/377.
Devidamente citado, o requerido apresentou contestação às f. 383/392 e levantou a preliminar de carência da ação. No mérito, sustentou a inexistência de prejuízo aos cofres municipais, bem como a ausência de dolo ou culpa do requerido.
Com a resposta, vieram os documentos de f. 393/423.
Em decisão de f. 441/443, a preliminar levantada pelo réu foi rejeitada. Na mesma oportunidade, deferiu-se a produção de prova testemunhal.
Às f. 455/456, 460/461 e 469, realizou-se audiência, com a oitiva de duas testemunhas, tendo-se encerrado a instrução.
Intimadas as partes para tanto, apenas o autor apresentou alegações finais (f. 476).
É o relatório do necessário. DECIDO.
Trata-se de ação indenizatória ajuizada em face do ex-prefeito Luiz Tadeu Leite, por meio da qual o Município de Montes Claros pretende ser ressarcido de prejuízo material sofrido, ao argumento de que o réu agiu com dolo ao demitir indevidamente o servidor público municipal Paulo César da Silveira.
Não há preliminares a serem decididas. Passa-se à análise de mérito.
Sabe-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, §6º, assegura ao Estado o direito de regresso em face do seu agente que, por dolo ou culpa, lhe causar prejuízos. Assim, a Administração Pública tem o direito de ser ressarcida pelos danos que os seus agentes causarem ao erário.
Ressalte-se, todavia, que, enquanto a responsabilidade do Estado em face do particular, via de regra, é objetiva; a responsabilidade do agente causador do dano ao erário é subjetiva, sendo imprescindível a comprovação de que o agente público agiu com dolo ou culpa na condição de agente público.
Sobre o tema, tem-se o magistério de José dos Santos Carvalho Filho:
O direito de regresso é o assegurado ao Estado no sentido de dirigir sua pretensão indenizatória contra o agente responsável pelo dano, quando tenha este agido com culpa ou dolo.
É importante lembrar que no tema da responsabilidade civil do Estado existem duas relações jurídicas diversas - uma que liga o lesado ao Estado e outra que vincula o Estado a seu agente. Essa última relação é que consubstancia o direito de regresso do Estado, estando prevista na parte final do art.37, §6, da Constituição Federal. (In Manual de Direito Administrativo. 24.ed. 2011, pág.695).
Desse modo, o direito de regresso em face do agente público é possível quando se comprovar a conduta antijurídica, o dano ao erário, o nexo de causalidade e o elemento subjetivo do agente público causador do dano (dolo ou culpa). É o que se passa a verificar no caso em análise.
Inicialmente, ressalta-se o conjunto probatório acostado aos autos traz cópia da ação anulatória de ato administrativo (autos nº. 0433.97.009727-8, às f. 27/376) que fundamenta a presente ação de regresso. Tais documentos devem ser considerados como “prova emprestada”, instituto do direito processual amplamente aceito pela doutrina e jurisprudência pátria e que encontra fundamento no princípio da economia processual.
Acerca do tema, tem-se o magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves:
A regra concernente à produção da prova é de que esta se realize dentro do processo em que será utilizada como meio de convencimento do juiz. Em determinados casos, entretanto, em respeito ao princípio da economia processual, é possível aplicar no processo prova já produzida em outro processo, em fenômeno conhecido como “prova emprestada”. A utilização da prova já produzida em outro processo responde aos anseios de economia processual, dispensando a produção de prova já existente, e também da busca da verdade possível, em especial quando impossível produzir novamente a prova (In Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Método, 2011. P. 426).
In casu, mostra-se plenamente possível a aceitação da referida prova emprestada. A uma, porque houve absoluta garantia ao contraditório, que é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de modo que o réu teve totais condições de se insurgir contra a prova e de refutá-la no bojo do presente processo. A duas, porque já está superado o argumento de que a prova emprestada apenas pode ser utilizada em processos em que figurem partes idênticas.
Nesse sentido, observe-se recente julgado do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 48.174 -SP Relatora: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA Data Julgamento: 03/02/2015 EMENTA PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. DENÚNCIA. PROVA EMPRESTADA. PARTES DIVERSAS. POSSIBILIDADE. POSTERIOR SUBMISSÃO DA PROVA AO CONTRADITÓRIO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. É admissível, desde que assegurado contraditório, a prova emprestada vinda de processo do qual não participaram as partes do feito para o qual prova será trasladada.
2. Com efeito, esta Corte Superior manifesta entendimento no sentido de que "a prova emprestada não pode se restringir a processos em que figurem partes idênticas, sob pena de se reduzir excessivamente sua aplicabilidade, sem justificativa razoável para tanto. Independentemente de haver identidade de partes, o contraditório é o requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada, de maneira que, assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo" (EREsp 617.428/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/06/2014, DJe 17/06/2014).
A prova oral colhida neste processo não teve o condão de acrescentar nada à presente lide. Entretanto, os documentos juntados foram suficientes para comprovar as alegações iniciais. Repita-se que, com relação a eles, foram assegurados o contraditório e a ampla defesa, sendo que o Requerido teve amplo acesso aos documentos desde sua primeira manifestação nos autos. Portanto, mostra-se admissível a prova em análise, que será valorada nos termos do art. 131 do CPC.
Pois bem. Da detida análise do feito, tem-se que a conduta, o dano ao erário e o nexo causal são patentes. O conjunto probatório acostados aos autos comprova que Paulo César da Silveira moveu “ação anulatória de ato administrativo cumulada com pedido de reintegração e cobrança de vencimentos” (autos nº. 0433.97.009727-8) em face do Município de Montes Claros, tendo os pedidos iniciais sido julgados procedentes, para condenar a municipalidade (i) à reintegração do autor ao cargo de origem; e (ii) ao pagamento de todas as parcelas remuneratórias devidas desde a exoneração indevida. É o que se depreende da sentença de f. 262/264 e do acórdão de f. 318/323, que transitou em julgado (f. 327).
Em execução de sentença, apurou-se que o montante devido pelo Município de Montes Claros a Paulo César da Silveira em agosto de 2011 somava o vultoso valor de R$533.900,65 (quinhentos e trinta e três mil, novecentos reais e sessenta e cinco centavos), consoante se infere dos documentos de f. 390 e 405/406 dos autos em apenso (autos nº. 0433.97.009727-8).
É incontroverso, pois, que o Município de Montes Claros foi condenado ao pagamento de significativa quantia a Paulo César da Silveira por ter sido demitido indevidamente pelo então prefeito, ora réu, Luiz Tadeu Leite (Decreto de demissão, de nº. 1.344/93, à f. 55) – presente, portanto, o dano material.
Quanto ao elemento subjetivo do agente público que praticou o ato causador do dano ao erário, depreende-se da prova dos autos, especialmente daquela produzida nos autos da ação anulatória de ato administrativo que foi juntada ao presente feito, que Luiz Tadeu Leite agiu dolosamente ao demitir indevidamente o servidor público municipal.
Conforme se extrai do conjunto probatório, o servidor Paulo César da Silveira foi demitido pelo réu logo no início do seu mandato como prefeito (1993/1996), sendo que a demissão foi motivada pela ligação do servidor público com o grupo político adversário ao requerido.
Nesse sentido, têm-se os depoimentos colhidos nos autos nº. 0433.97.009727-8 (cópia às f. 138/143) – e não impugnados pelo réu em nenhum momento -, que comprovam a perseguição política realizada pelo requerido:
DEPOIMENTO DE PEDRO NARCISO (f. 139): Que foi vice-prefeito de Montes Claros no período de 989 a 1992; que sabe que o autor, assim como outros funcionários, no início da administração do então prefeito Tadeu Leite, já no ano de 1993, ficaram em situação difícil porque não lhes foram atribuídas tarefas para o desempenho de suas funções, colocados assim “no corredor”, isto por clara motivação política, já que o autor era homem de confiança do anterior prefeito Dr. Mário Ribeiro, que então passou a ser perseguido em face do rompimento político havido entre o Sr. Tadeu Leite e o Sr. Mário Ribeiro. (grifo posto)
DEPOIMENTO DE REINALDO DE OLIVEIRA XAVIER (f. 140): Que no início da administração de Tadeu Leite no ano de 1993, o autor, bem como o depoente e outras pessoas de confiança do ex-prefeito Dr. Mário Ribeiro, foram colocadas “no corredor”, sem lhes ser designada nenhuma tarefa para o cumprimento de suas funções e lhes negando acesso à folha de presença; (…) que também foram vítimas de retaliações os servidores Célio Amilton Moebus, economista e secretário da Fazenda da administração Mário Ribeiro que foi colocado para trabalhar no balcão da Unimontes, Cláudio Vieira de Castro e o Sr. Hamilton Trindade que foram ameaçados para trabalhar no lixão de Montes Claros (…).
DEPOIMENTO DE GERALDO RENAN MILO VELOSO (f. 141): (…) Que sabe que no início da segunda administração do sr. Tadeu Leite, no ano de 1993, o autor assim como outros funcionários foram colocados “à disposição”, não lhes sendo designada nenhuma tarefa para o exercício de suas funções, não lhes sendo negado entretanto o acesso físico às repartições (…). (grifo posto)
Corroborando a presença de dolo na demissão indevida, oportuno ressaltar que o então prefeito Luiz Tadeu Leite determinou a abertura de sindicância para exoneração do servidor Paulo César Silveira em 1º de fevereiro de 1993 (f. 54), sendo que o servidor público gozou férias de 04/01/1993 até 02/02/1993, conforme consta no próprio procedimento administrativo que culminou com a sua demissão (f. 52).
Ora, com apenas 30 dias como prefeito, o réu consignou na Portaria 005/93 que Paulo César da Silveira havia cometido infrações disciplinares na condição de servidor público, mas o servidor estava de férias durante praticamente todo o mês de janeiro - inclusive na data de expedição da referida Portaria. Ademais, o réu afirmou expressamente na Portaria 005/93 que o servidor teria praticado infrações disciplinares, mas não chegou sequer a apontar ou a descrever quais infrações seriam essas.
Demonstra-se, de maneira inequívoca, que a presença de Paulo César da Silveira era indesejável pelo ex-chefe do Executivo municipal, restando evidente o cunho político (e ilegal) da sua demissão.
A motivação política da demissão sub judice também foi amplamente reconhecida no bojo da ação nº. 0433.97.009727-8. Tem-se, por exemplo, a manifestação do Promotor de Justiça que oficiou no feito, no sentido de que que “claro ficou o cunho político da divergência, sendo o autor exonerado de seu cargo por pertencer a facção política diversa da então administração municipal” (f. 162), bem como o parecer do Procurador de Justiça, afirmando que “igualmente provada, através de depoimentos, a perseguição política da administração à época” (f. 310) (grifos postos).
Mais ainda, merece destaque o consignado na sentença e no voto proferido pelo Des. Francisco Figueiredo, relator da Apelação Cível, ambos reconhecendo expressamente a motivação política na demissão indevida perpetrada pelo réu. Observe-se:
Ademais, a prova testemunhal é toda no sentido de que existiu, de fato, um cunho político na exoneração do autor, não logrando êxito o Município-réu, também desta vez, em provar a legalidade da exoneração (sentença às f. 262/264) (grifo posto).
Feita esta breve exposição, é de se ver que o acervo probatório bem nos revela a edição de um ato adredemente preparado pelo então prefeito, que encontrou na demissão por abandono de cargo uma forma de livrar-se dos servidores e confiança do seu antecessor, num ato que, longe de servir ao interesse público, colocou-se em favor pessoal do agente político, que parece não se haver bem com a diferença, elemento este característico da democracia, que muitos propagam, mas pouco praticam.
Coisas da política não podem afetar os direitos e garantias dos administrados e bem se conduziu o ilustre sentenciante ao determinar a reintegração no cargo, pois, chega a causar espécie o documento de fls. 26, bem como a prova testemunhal produzida, todas dando conta das reais intenções do alcaide em relação ao seu opositor (f. 322) (grifo posto)
Não é demais frisar que o réu não trouxe qualquer argumento capaz de elidir as provas constantes no feito, restringindo-se a alegar que (i) não houve prejuízo ao erário – argumentação já afastada em decisão de f. 441/443 – e que (ii) não houve dolo ou culpa em sua conduta – afirmação em total dissonância com a prova dos autos, que demonstra o contrário.
Nessa contextura das ideias, é indubitável que Luiz Tadeu Leite demitiu o servidor público municipal Paulo César da Silveira por razões políticas, evidenciando seu dolo no ato ilícito. Assim, resta configurado o dever do réu de ressarcir ao erário os danos causados com a demissão indevida, nos termos do art. 37, §6º, da CF/88.
Em face do exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial e condeno o réu Luiz Tadeu Leite a ressarcir ao Município de Montes Claros/MG o montante de R$533.900,65 (quinhentos e trinta e três mil, novecentos reais e sessenta e cinco centavos), referente à condenação imposta à municipalidade nos autos nº. 0433.97.009727-8 em face da demissão indevida de Paulo César da Silveira pelo ex-prefeito.
O quantum deve ser corrigido monetariamente pela tabela da CGJMG e acrescido de juros de mora de 0,5% ao mês desde a última atualização do débito (agosto de 2011, conforme f. 390 dos autos 0433.97.009727-8, em apenso).
Determino a extinção do processo, conforme artigo 269, I, do CPC, e condeno o requerido ao pagamento das custas processuais.
Sem condenação em honorários.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Montes Claros – MG, 25 de março de 2015.
ROZANA SILQUEIRA PAIXÃO
Juíza de Direito
Nenhum comentário:
Postar um comentário