quinta-feira, 26 de setembro de 2013

MP faz operação contra sonegação e desvio de verbas no Norte de Minas - documentos apreendidos no escritório de AFONSO CELSO SOARES


Documentos apreendidos no escritório de Afonso Celso (Foto: Michelly Oda / G1)
(G1) O Ministério Público Estadual e a Receita Estadual realizaram nesta terça-feira (24), a operação Cachimônia, de combate ao desvio de recursos públicos e sonegação de impostos, no Norte de Minas Gerais. Segundo as investigações, a organização criminosa era formada por empresários, servidores públicos e profissionais liberais. Foram cumpridos nove mandados de busca e apreensão e um de prisão.
Para o Ministério Público, “a ação dos envolvidos em tais práticas criminosas é dirigida, coordenada e estimulada por Afonso Celso Soares. É ele quem se encarrega de criar e elaborar os métodos fraudulentos empregados nas atividades ilícitas”. O contador Afonso Celso foi preso na manhã desta terça-feira em Bocaiúva.
De acordo com as investigações, o esquema criminoso contava com a participação de postos de combustíveis, que forneciam cupons fiscais. A parceria, segundo o Ministério Público Estadual, foi firmada com base na facilidade que essas empresas têm de emitir as notas. 
O órgão ainda destaca que a atuação criminosa desviava recursos “que poderiam ser muito bem empregados em setores vitais como a educação, saúde, transporte, habitação, saneamento básico etc., melhorando sensivelmente a qualidade de vida, reduzindo desigualdades sociais e oferecendo condições dignas de vida à sofrida população local.”
Entenda o esquema
A fraude investigada ocorria de duas maneiras: alguns vereadores da cidade utilizavam os cupons para comprovar falsos gastos, que seriam ressarcidos com dinheiro público; a fraude neste caso, não tem estimativa de preços. E na segunda forma, empresas e municípios usavam os documentos fiscais como comprovantes de despesas para simular gastos, permitindo assim, a sonegação de impostos, com prejuízo estimado em R$ 9 milhões.
O promotor Guilherme Fernandez explica que "quando o consumidor não requer o cupom fiscal, o documento fica acumulado na memória do equipamento que o emite, e posteriormente é utilizado em favor de determinada pessoa ou empresa."
Fernandez ainda ressalta que a cada compra feita, o consumidor tem o direito e deve requerer a nota fiscal.

Vereadores
Os vereadores envolvidos, segundo o Ministério Público, seriam Isaías da Cruz, Gilmar Geraldo de Jesus, Romário Sabino Pires, João Batista de Araújo, Eduardo de Oliveira, que ocupam a função atualmente, José das Graças, Antônio Clarete Veloso e Geraldo Antônio Camelo.
No caso dos vereadores, as investigações apontam que alguns deles colocavam despesas de terceiros como pessoais. Em outra situação, constava na nota fiscal que um veículo, movido a álcool e gasolina, teria sido abastecido por óleo diesel. Em algumas situações, as mesmas notas permitiam o ressarcimento duas vezes.
Um dos parlamentares realizou, apenas no dia 15/03/2013, 17 abastecimentos, no curto período compreendido entre 08h06m47 e 08h39m32, totalizando 109,48 litros de combustível, para um único veículo, com capacidade para 50 litros no tanque.
Um posto também emitiu 56 notas referentes a 819 litros de combustível para um único veículo em apenas um dia. Outra empresa de combustíveis também forneceu documentos fiscais no valor de R$ 70 mil em dois anos para um dos representantes do Legislativo Municipal.
De acordo com informações do presidente da Câmara de Bocaiúva, Ronildo Andrade, o salário bruto de um vereador da cidade, chega a R$ 6 mil. Como o número de parlamentares na atual legislatura subiu de nove para 13, a verba indenizatória ficou em R$ 1.200 em janeiro e fevereiro, e passou para R$ 1.800 a partir de março.
Ainda segundo Andrade, a verba pode ser usada para despesas dos vereadores com manutenção de veículo, combustível e serviços de impressão e informática, relacionados à atuação de cada um dos parlamentares.
A comprovação dos gastos é feita mediante apresentação de nota fiscal para a tesouraria da Câmara, e o vereador assina um documento atestando que recebeu o recurso conforme a descrição da despesa.
O presidente da Câmara diz que "não acredita em fraude". E acrescenta que "há vereadores que viajam muito, para Brasília, Belo Horizonte, atrás de recursos, e há os que têm eleitorado na zona rural. As notas fiscais são verdadeiras".

Empresas e municípios
De acordo com o relatório de inteligência elaborado pela Receita Estadual, após atuar junto às empresas, Afonso Celso Soares, passava a "manipular as escritas fiscais e, por meio da inserção de elementos falsos ou inexatos, procede emissão de incontáveis notas fiscais de uma para outra empresa, todas sob sua responsabilidade contábil, de forma a reduzir a zero (ou quase zero), de forma criminosa, o montante dos impostos devidos aos fiscos federal e estadual”.
Com a emissão das notas frias, os custos e despesas das empresas aumentam, provocando a redução dos impostos. E quando as notas não são emitidas, não é cobrado o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte e Comunicação (ICMS), impossibilitando a arrecadação tributária, já que a mercadoria circula sem nota fiscal.
Nas investigações consta a seguinte conversa gravada com autorização da justiça:

Interlocutor: Eu estou com o menino aqui olhando no sistema para “puxar” o estoque. Deixa eu te falar. É quantos mil tem que tirar, que cê falou?
Afonso: Aproximadamente uns 400 mil.
Interlocutor: Mais ou menos 400 mil. Agora deixa eu te perguntar aqui. Eu vou pagar quantos por cento sobre estes 400 mil de imposto?
Afonso: Não. Como você tá vendendo seu próprio estoque não vai dar imposto não.
Interlocutor: Não vai dar imposto não...
Afonso: Não. Federal, não. É porque o custo de mercadoria vendida é o que você está vendendo. Então o estoque da venda morre com o próprio valor do estoque.
Interlocutor: Pois é então não vou pagar imposto nenhum?
Afonso: Não. Federal não vai dar não.
Interlocutor: E o estadual?
Afonso: Teria que levantar. Estadual tem que ver conforme a emissão das notas sim. O que é “substituição” é “substituição” e o que “tributado” é “tributado”.
Interlocutor: Não tem como eu saber assim... eu tô com medo de tira esses 400 mil e dá mil, dois mil contos de imposto.
Afonso: Aí só depois do lançamento para agente apurar.
Interlocutor: Eu vou lançar aqui uns 100 mil em nota do estoque e aí eu mando para você. Eu mando as notinhas do ECF?
Afonso: É o ECF. Redução “Z”.
Interlocutor: A redução “Z” que eu mando? Então tá. Eu vou tirar a redução “Z” e tirar umas notas de despesas de “perca” aqui, para mandar junto e aí vê quando que vai dar pra mim ter uma noção porque as vezes chega um imposto que eu não vou dar conta de pagar...
Afonso: Aí não justifica. Não, mas você pode tirar mais... cê pode tirar valores maiores.
Interlocutor: Valores maiores cê fala. Prá dar os 100 mil.
Afonso: : Não uns 200 mil, 300 mil.
Interlocutor: 200?
Afonso: É. Pra você zerar seu estoque logo que você já fechou aí,né?
Interlocutor: Pois é, mas se eu zerar este estoque meu todo e vier imposto caro demais Celso? Eu tô com medo é disso.
Afonso: Eu sei como é que é. Não, mas faz aí o que puder e me manda e agente vai contabilizando.
Interlocutor: Então tá. Ei vou tirar aqui o que eu puder aqui agora e mando pro cê. Eu ligo e falo com menino pra pegar aqui no “coisa”. Viu? Você contabiliza e me fala mais ou menos.

Empresas de fachada
As investigações apontam também que como as empresas assessoradas por Afonso Celso Soares não apresentavam a capacidade de gerar lucro, comprovada pelas despesas atestadas nas notas fiscais, também tinham dificuldade em obter empréstimos com instituições financeiras. Para ter acesso ao crédito, empresas de fachada eram criadas e apresentavam condições legais para conseguirem recursos com os bancos.
“Para obter os empréstimos, no entanto, os empresários apresentam declarações falsas de faturamento para atestar a saúde financeira da empresa", aponta a investigação. A empresa de fachada seria subsidiada à primeira e só era criada em caso de necessidade de financiamentos. Como é possível constar em outra conversa gravada com autorização da justiça.

Interlocutor: Celso?
Afonso: Oi?
Interlocutor: Deixa eu te falar. O Ministério do Trabalho chegou aqui no depósito e pegou um tanto dos meninos aqui que é registrado na outra firma
Afonso: Não, não, não. Mas se tá registrado na outra firma não tem problema não.
Interlocutor: O que é que eu falo?
Afonso: Não, fala que ele estão prestando serviço, tão carregando aí, mas pra outra empresa que trabalha com você aí... fala que é uma empresa que trabalha junto com você aí é.. fazendo carregamento e eles foram aí ajudar a fazer a carga.
Interlocutor: Mas e se eles perguntarem aonde é.. porque ela não existe, né... esta “tal tal”...
Afonso: Deixa ver. Se eles questionar alguma coisa “nós pertence a outra empresa e nós viemos aqui buscar a mercadoria”. Aí cê pode falar o endereço que tá no documento, mesmo que eles não encontrem nada lá. Porque eles tem que ir pelo documento.
Interlocutor: Mas eles não vão encontrar nada lá.
Afonso: Não, mas não tem problema não. Cê fala assim... cê fala é de outra empresa aí, pronto. Que empresa é essa? Dá só o nome da empresa e dá mais ou menos o endereço. E deixa eles não encontrar nada lá.

Posicionamento dos envolvidos
Todos os investigados afirmaram ao G1 que ainda não foram notificados e que as despesas com o abastecimento são coniventes com os gastos. Não foram encontrados para se pronunciar sobre o assunto Geraldo Camelo e José Soares. O advogado de Afonso Celso Soares também não foi encontrado.

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