O agricultor José Mendes e a água escura extraída de um dos poços |
(Por Luiz Ribeiro) Todos os dias, o agricultor Santos Mendes da Silva, de 48 anos, deixa o sítio e se desloca por 15 quilômetros até a cidade de Pai Pedro, no Norte de Minas, dirigindo um trator atrelado a uma carretinha carregada. Ele vende algo indispensável à vida: água. A população do município – de 5,9 mil habitantes recebe água tratada em casa. O problema é que o líquido retirado de um poço tubular é salobre (tem alta concentração de sal). Não serve nem para matar a sede das cabras. A saída para os moradores é comprar água doce ou, então, buscá-la em Porteirinha, a 25 quilômetros. Castigado pela seca, Pai Pedro é um dos municípios mineiros mais carentes, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,59 (a escala varia de 0 a 1).
O drama de Pai Pedro se repete em outros lugares, atingindo, sobretudo, moradores da zona rural. A situação é comum na área do semiárido, onde 70% da água subterrânea são considerados salobres ou salinas, com uma quantidade de sais dissolvidos (entre 0,5 e 30 gramas de sais por litro) superior à da água doce e inferior à do mar. De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), dos 85 municípios do Norte de Minas, vales do Jequitinhonha e Mucuri, que estão dentro do semiárido, 60 apresentam lençóis freáticos com altas concentrações de sal.
O Governo Federal anunciou o Programa Água Doce, para instalar dessalinizadores em 69 comunidades mineiras. Pai Pedro está na lista. Enquanto o programa não chega, os moradores se viram para ter água doce em casa. A própria prefeitura providencia a busca de água potável em Porteirinha para o atendimento de creches e escolas e para o consumo dos funcionários de suas repartições. Comerciantes de Pai Pedro adotam o mesmo mecanismo. É o caso de Alvelina Gomes, a “Nenzinha”, dona de restaurante. Ela diz que um sobrinho busca água doce, de carro, a oito quilômetros de distância. “É o jeito. A que recebemos aqui não serve para cozinhar. Só presta para banheiro e para limpar chão.”
Quem não têm carro para transportar água recorre ao “delivery” de Santos Mendes, que todas as manhãs carrega 10 tambores de 240 litros cada (total de 2,4 mil litros). “As pessoas ligam para meu celular e eu entrego.” Ele busca água doce em uma serra nas proximidades do seu sítio e cobra R$ 15 por tambor. “Mas não vendo água. Cobro pelo serviço.” despista Santos, que faz o serviço há 20 anos e até melhorou de vida. “Gosto de servir o povo.” Ele fatura em torno de R$ 800 por mês.
Gosto ruim
A biomédica Vanessa Moraes Santos, de 31 conta que chegou a Pai Pedro recentemente e que desconhecia o problema. “Usei água (da tubulação) para cozinhar, mas a comida ficou escura e com gosto ruim”, diz, acrescentando que usou a água salobre para dar banho no filho Adones, de 2 anos, e a criança teve reações alérgicas nos braços e no cabelo.” Outra moradora que compra água é Geralda Neries de Souza, de 59. “Uso a salobre para lavar roupas. Mas como tem muito sal, a roupa fica dura.”
Como reconhece o próprio vendedor Santos Mendes, “há pessoas em Pai Pedro que não têm dinheiro para comprar água e, muitas vezes tem que beber salobre ou passa sede”. A aposentada Leonor Maria de Jesus, de 58 anos, caminha cerca de 500 metros e vai até o Rio Serra Branca apanhar água, que carrega em tambores em um carrinho de mão. A água que retira no manancial não tem tratamento. “Mas não é salgada e serve para beber.”
Conforme o secretário municipal de Agricultura e Meio Ambiente de Pai Pedro, Hamon Ferreira de Souza, o excesso de sal na água subterrânea ocorre praticamente em todo o município. A combinação seca/água salobre provocou um custo adicional ao Poder Público. Como os poços abertos para garantir a permanência do homem no campo no município resultaram em água com excesso de sal, a prefeitura tem que enviar água doce em carro-pipa para o consumo humano.
O agricultor José Mendes Silva, da localidade de São Sebastião, no município de Monte Azul, mostra uma água de coloração escura retirada de um poço. “É salobre e só serve para o gado.” Ele apanha água doce no sítio de um vizinho, que, por sua vez, recorre a um manancial de uma serra, como também faz outros moradores. “Há lugares mais isolados do município onde não chega o carro-pipa e as pessoas têm que se contentar em beber água salobre mesmo”, revela Francisco de Assis Gonçalves (PP), vereador em Monte Azul. (Com Mateus Parreiras)
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