Trabalhadores e usuários do transporte coletivo de Araraquara, interior do estado de São Paulo, foram surpreendidos no princípio de 2014 com o anúncio de que o governo iria tentar privatizar a empresa municipal de transporte coletivo, CTA (Companhia Tróleibus de Araraquara). A surpresa de muitos se deu devido as seguidas garantias dadas pelo governo e presidência da CTA de que não estariam cogitando a privatização. Se sentindo traídos e diante da perspectiva de desemprego certo para os mais de 600 funcionários, trabalhadores da empresa se uniram a movimentos sociais da cidade visando organizar mobilizações que barrassem o processo de privatização.
Em meio a agitação das ruas o ex-diretor financeiro da empresa, José Eduardo de Oliveira, se dirigiu a câmara dos vereadores elencando as razões pelas quais achava necessária a abertura de investigações no transporte coletivo da cidade visando apurar responsabilidades pela crise da empresa municipal. Dentre outros aspectos enumerou os motivos que o levavam a acreditar que a empresa vem passando há tempos por um processo de sucateamento proposital, processo que teria objetivo de angariar apoio da população para que o transporte coletivo da cidade fosse privatizado.
Também foi apontado que as politicas públicas municipais para o transporte estavam onerando o patrimônio público, ilustrando a afirmação com exemplos como o de que eram dadas as linhas da cidade com mais passageiros para empresa privada (Paraty) e com menos para a empresa pública. Tratava-se da retomada de pedido de investigações feito anteriormente por movimentos sociais da cidade um anos antes. O resultado obtido foi similar. Oliveira deixou a câmara sem nenhuma das seis assinaturas dos vereadores da cidade necessárias para a abertura de investigações. Nem mesmo o surgimento de denúncias na imprensa de que ônibus inteiros da CTA estariam sendo desmontados na garagem da empresa foi suficiente para ao menos um vereador da cidade apoiar formalmente a criação de uma Comissão de Investigações.
Em meio as tentativas de levar adiante o processo de terceirização do transporte passam a surgir outros procedimentos duvidosos por parte da presidência da CTA e administração pública local. Faltando poucos dias para a audiência pública necessária para dar inicio a terceirização das linhas de ônibus vem a público a contratação para “consultoria técnica” da CTA de empresa ligado a Pedro Kassab. Trata-se de irmão do ex-prefeito de São Paulo, conhecido pela sua ligação com sindicatos patronais do transporte coletivo na grande São Paulo. Em diversas cidades – como em Rio Claro e Jandira – as consultorias de Kassab encontram-se sob investigação e denúncias de direcionamento de licitações no transporte coletivo.
Diante do imobilismo das autoridades em investigar, setores da própria população se levantaram. Centenas de pessoas – entre funcionários da empresa de ônibus, estudantes e sindicalistas – inviabilizaram a audiência que selaria o fim das atividades da Companhia Tróleibus de Araraquara como operadora do transporte da cidade. Aos gritos de “Nenhuma demissão” e “Não a privatização” a audiência foi interrompida, com o presidente da empresa e diretores que o acompanhavam deixando o recinto sob gritos para que abandonassem a cidade e não retornassem mais.
Relatos de endurecimento com funcionários da empresa por parte dos diretores se tornam frequentes. Inúmeros trabalhadores que participaram da audiência receberam suspensões, com base em supostas faltas de condutas cotidianas. Funcionários chegam a afirmar que se vive uma ditadura dentro da empresa. As garantias dadas de que trabalhadores seriam recontratadas pelas novas empresas que assumissem o transporte ou pela própria prefeitura soam pouco convincentes, uma vez que vem dos mesmos que lhes garantiram ao longo de 2013 que não haveria privatização da Companhia. Muitos chegam a temer mesmo não receber seus direitos trabalhistas, com base em relatos de colegas demitidos em 2013 que afirmam estarem tendo dificuldade de obter os valores aos quais teriam direito.
Mais evidências de corrupção passam também a emergir em meio a tentativa de terceirização, envolvendo super-faturamento de gastos na prefeitura. O recente anúncio de aumento da passagem para 3 reais chegou as ruas quase simultaneamente a divulgação de laudo encomendado pela justiça apontando que lousas digitais adquiridas pela prefeitura para escolas locais teriam sido superfaturadas em 959%. O promotor público envolvido no caso pede ação exemplar. Tais fatos despertaram a insatisfação dos usuários do transporte coletivo. Mostram-se descrentes em acreditar que não seria possível evitar um aumento diante da recusa de legisladores da cidade em investigar o transporte coletivo e das evidências de corrupção. Os impasses em torno do transporte coletivo se acirram e polarizam-se, evidenciando o conflito de interesses que cerca o setor e privam a população de um transporte público acessível e de qualidade.
Pedido de investigações no transporte coletivo da cidade é ignorado
Audiência que iria selar fim de operação da CTA no transporte é interrompida e inviabilizada por manifestantes
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