segunda-feira, 12 de abril de 2021

Serviço postal não é só carta e lucro Artigo do advogado e pós-graduado em Economia do Trabalho, Fábio Augusto Mello Peres.

 

Serviço postal não é só carta e lucro


Artigo do advogado e pós-graduado em Economia do Trabalho, Fábio Augusto Mello Peres.
 
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A história dos Correios no Brasil confunde-se com a própria história do Brasil. Se, há mais de 350 anos (1663), o Correio-mor era responsável pelas correspondências entre a colônia e Portugal, os seus serviços vão, hoje, muito além da entrega de cartas e encomendas, e têm grande relevância na integração do vasto território nacional. Esses interesses não podem se submeter às leis da “livre concorrência”.
 
Primeiro, há de se afastar a ideia pré-concebida de que qualquer empresa privada é mais eficiente que empresas de controle estatal. Há setores da atividade econômica que dependem de investimentos tão altos que só o Estado conseguiu ou consegue arcar com eles. Setores como eletricidade, petroquímica, pesquisa, água e saneamento, infraestrutura física, entre outros, conseguiram se desenvolver apenas graças à ação direta ou indireta do Estado. O boom econômico do pós-guerra na Europa Ocidental e a industrialização de países como Brasil, Coreia do Sul, México e China reforçam esse fato.
 
Essas atividades e os serviços postais têm características de estrutura de mercado que a própria literatura econômica clássica chama de “monopólio natural”: custos fixos elevados, custos variáveis e marginais reduzidos, grande escala, dificuldade ou impossibilidade da entrada de outros players no mercado. Aliás, como a grande escala é necessária, a entrada é até indesejável, pois a pulverização de consumidores poderia inviabilizar a própria existência dos players pela diminuição da escala. Noutras palavras, a possibilidade de concorrência num mercado dessa natureza é, no mínimo, limitada.
 
Não à toa, foram revertidas quase 900 privatizações no mundo entre 2000 e 2020, de acordo com o centro de estudos Transnational Institute, em razão de serviços ora caros, ora ruins, ora ambos (até os EUA contribuem com o ranking, com 67 casos).
 
Essa falsa ideia é ainda mais contrária à realidade nacional no caso da ECT, ante a heterogeneidade do povoamento do território e das atividades econômicas do país. Segundo dados de 2017 do IBGE, quase 60% da população vive numa faixa de até 200 quilômetros do litoral, e os principais centros dinâmicos e industriais da economia estão nessa área, integrada por infraestrutura terrestre, aérea, bancária e de telecomunicações, com baixo custo de operação. O restante do território ainda depende da ação do Estado para se desenvolver, diante dos altos custos e da baixa lucratividade de operação nas áreas mais isoladas do país.
 
A venda dos Correios pode fragmentar essa integração, que é realizada pela ECT não apenas pela entrega de cartas e encomendas, mas também por outros serviços, como o Banco Postal (única forma de bancarização para milhões de pessoas, servindo 89% dos municípios brasileiros), auxílio ao e-commerce, à exportação, ao esporte, entre outros. Entregar essas operações de rentabilidade quase inexistente à lógica simplista do lucro ameaça o fechamento de agências em cidades pequenas e o retorno a condições econômicas quase pré-modernas para milhões de pessoas.
 
Em termos de custo ao consumidor, não há nenhuma evidência de que haverá melhora com a privatização, pela estrutura de mercado. Além disso, parece bastante óbvio que haverá alta no valor das entregas de e para as áreas longínquas, o que dificultará o desenvolvimento e integração do interior do Brasil, principalmente de pequenos e médios empresários, em tempos de e-commerce.
 
Embora seja desejável, os Correios não precisam “dar lucro”. Essa empresa, construída por várias gerações de brasileiros, precisa levar correspondências e mercadorias aos quatro cantos do país de forma eficiente e barata, como sempre o fez. Há uma importante função social e econômica que não pode ser quebrada com a privatização. Eventuais malfeitos nas administrações e o seu uso político não podem justificar a entrega de uma função pública de grande relevância a um ente privado cuja única função é distribuir dividendos a seus acionistas.

 
Direção Nacional da ADCAP

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