Em mais uma entrevista da nossa série com os expositores pró-vida da audiência sobre a ADPF 442 realizada pelo Supremo Tribunal Federal no início de agosto, o Sempre Família conversou com a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva. Doutora em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), a advogada aprofundou alguns dos temas tratados na sua exposição e deixou claro que manter a legislação sobre o aborto como está é uma questão de proteção à própria mulher. Confira:
Sempre Família: A senhora lembrou que com o passar dos anos a legislação brasileira se tornou cada vez mais atenta à proteção aos vulneráveis. Como a proteção ao nascituro se encaixa nesse processo?
Regina Beatriz Tavares da Silva: A nossa legislação é protetiva, a começar pela Constituição Federal, que não gera qualquer margem de dúvida a respeito da proteção da vida desde a concepção em seu artigo 5º, que fala do “direito à vida” e não do “direito à vida do ser humano nascido”. Quando a lei não distingue, não cabe ao interprete distinguir – esse é um princípio básico da intepretação das normas jurídicas. O problema está justamente em propor a modificação da legislação através do STF, o que iria muito além da sua competência. O STF não tem competência legislativa e muito menos competência de alteração constitucional. Eu tenho a expectativa de que o STF não exacerbe a sua competência ao modificar leis quando não pode fazê-lo. O que o STF pode fazer é interpretar as leis na consonância da Constituição Federal.
SF: A senhora afirmou que o direito à vida por vezes colide com outros direitos fundamentais, mas diante deles não admite ponderação.
Regina Beatriz: Exato. O direito à vida é o mais importante de todos, chamado de direito fundamental no Direito Constitucional e de direito da personalidade no Direito Civil. É indiscutivelmente o mais importante porque só a partir da vida outros direitos podem ser exercidos. A partir do momento em que fosse autorizado matar um nascituro, obviamente ele jamais poderia exercer qualquer outro direito. Então é claro que o princípio da ponderação, que é tão bem visto no Direito brasileiro – como deve ser –, se aplica a outros direitos, mas não ao direito à vida. Tanto que no Brasil não existe pena de morte e a vida do ser humano é protegida de muitas formas.
SF: A senhora acha que exista uma tendência cultural que põe o direito à vida abaixo de outros direitos?
Regina Beatriz: Não é uma tendência cultural. É a tendência de apenas um movimento, que se diz feminista, mas nem sequer o é efetivamente. Feminismo é um movimento de proteção à mulher, inclusive do ser humano do gênero feminino que está por nascer, que gera igualdade e não privilégios. O feminismo é protetivo, mas o que se defendeu junto ao STF foi a autorização a matar um ser humano em gestação. Isso não é feminismo. Isso não é proteção. E não corresponde a uma tendência cultural. A maior parte dos brasileiros não aceita o aborto, a não ser nas condições excepcionais já previstas no Código Penal. No meu modo de entender, essas exceções estão corretas. Uma mulher que foi estuprada não pode ser obrigada a levar a gestação adiante. Assim como, entre a vida da mulher e a do ser humano em gestação, prevalece a vida da mulher. O Código Penal é sábio. E a maioria dos brasileiros pensa assim e hoje sabe se expressar muito bem contra o aborto. Até um tempo atrás, a maioria era silenciosa. Apenas as minorias gritavam. A maioria precisa falar em voz alta como as minorias, para que tenhamos noção de todo. Senão a gente passa a imaginar que todo mundo quer o aborto.
SF: A questão da proteção à mulher se relaciona com algo que a senhora disse na audiência: que a legalização do aborto aumentaria o número de casos em que a mulher é coagida a abortar.
Regina Beatriz: Sim, e menciono esses casos não baseada em estatísticas, que não são confiáveis, mas em razão da minha própria advocacia. Trato de conflitos em relações familiares o tempo todo. Vejo isso no dia a dia. Uma mulher gestante é vulnerável e fica fragilizada mesmo quando tem todo o suporte possível. Quem dirá uma mulher sofrendo pressão para abortar. E se tiver liberado, claro, é muito mais fácil. A argumentação de quem coage fica facilitada. Manter a legislação como está é uma questão de proteção à própria mulher. Toda mulher que aborta leva em si a marca do aborto. Não conheço uma mulher sequer que tenha realizado um aborto e não leve para o resto da vida a culpa de ter feito isso.
SF: A senhora disse ainda que é necessário pensar em outras soluções para esse tipo de problema. Que caminhos seriam possíveis para evitar esses casos?
Regina Beatriz: A curto prazo, uso de preservativos: camisinha, o mais barato – é de graça, não apenas no carnaval. Métodos contraceptivos que não sejam abortivos, porque a pílula do dia seguinte é obviamente abortiva. A médio prazo, a educação. Educar as meninas e meninos desde novos, ensinando-lhes que não devem ter relações sexuais prematuramente. Ensinar a eles que a relação sexual é algo muito importante durante toda a vida de uma pessoa. São necessárias políticas públicas que, além de divulgar melhor o acesso ao preservativo e questões relacionadas a doenças sexualmente transmissíveis, passem a se preocupar com a educação sexual no sentido positivo, inclusive para os homossexuais – jogando no lixo a ideologia de gênero, que não se confunde com a homossexualidade. Ideologia de gênero é querer que todas as crianças passem a sofrer de disforia de gênero, que é uma doença.
Assista à exposição de Regina Beatriz Tavares da Silva no STF:
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