O neurologista americano Jonathan Pincus diz que um assassino frio é fruto de doenças mentais, danos neurológicos e abuso infantil.
Imagine se você tivesse que trabalhar frente a frente com um dos mais perigosos assassinos do seu país. Esse é o trabalho do neurologista americano Jonathan Pincus, que, em 25 anos de profissão, já conversou com mais de 150 psicopatas em busca dos motivos que os levaram a cometer crimes cruéis. Chefe de Neurologia do Hospital dos Veteranos de Washington e professor de Medicina na Universidade Georgetown, ele esteve ao lado de gente como Kip Kinkell, o estudante de 15 anos que chocou o mundo em 1998 depois de matar o pai e a mãe e metralhar os colegas de escola em Springfield, Oregon, Estados Unidos. Autor do livro Base Instincts – What Makes Killers Kill (Instintos básicos – O que faz matadores matarem, inédito no Brasil), ele diz que é uma simplificação dizer que a pobreza é a causa dos crimes cruéis.
Em agosto de 2002 a revista super interessante fez uma entrevista muito rica e detalhada com Jonathan Pincus, onde com muita clareza o neurologista especialista neste assunto esclarece algumas questões e desmente alguns mitos sobre o tema. Confira:
Super – Em seu livro, você diz que doenças mentais, danos neurológicos e abusos infantis estão presentes na formação de um assassino frio. Isso é verdade em todos os casos?
Somados, esses três fatores estão presentes em dois terços dos assassinos cruéis. Nos outros casos, você encontra pelo menos uma ou duas dessas causas. É claro que a doença mental, sozinha, não é suficiente para causar a violência – já que a imensa maioria dos doentes mentais não são violentos, assim como inúmeras pessoas que sofreram danos neurológicos. Também é claro que a experiência de ter sofrido o abuso infantil nem sempre basta para acionar a violência. Mas, quando estão juntos, esses fatores minam a capacidade do cérebro de conter os impulsos da violência.
O senhor nunca esteve ao lado de um assassino sem esses pré-requisitos?
Recentemente estive horas com Russell Weston, que atirou e matou dois guardas dentro do Capitólio dos Estados Unidos, o prédio do Congresso americano. Ele não tinha danos neurológicos e acredito que não sofreu abuso na infância. Mas, alguns anos antes, em Montana, ele já havia estado em uma instituição mental por ouvir vozes. Há pessoas que são neurologicamente sadias e que, ao tomar drogas, ficam alucinadas e matam. Mas esses casos são raros e é preciso investigar com cuidado. As pessoas tendem a minimizar ou negar que sofreram abuso infantil. Em alguns casos, precisei de um esforço extraordinário para saber o que realmente ocorreu. Estive com um homem que estuprou e matou uma mulher. Quando tinha oito anos, ele havia sido estuprado por um tio. Sua irmã viu o abuso – ela também foi violentada. O criminoso chegou a afirmar que não gostava desse tio mas não sabia a origem da repulsa.
Você não acredita que uma pessoa normal possa cometer crimes violentos?
Eu ainda não vi um caso desses. Há 25.000 assassinatos nos Estados Unidos todos os anos. Eu estudei só 150. Talvez seja uma questão de amostra. Por outro lado, 150 é um bom número. Ainda não temos como explicar por que algumas pessoas são vulneráveis e não são violentas. Mas há momentos em que, se você tem alguns dos problemas que citei, estará mais propenso a agir dessa forma.
Psicopatas têm livre-arbítrio?
Têm. A diferença é que o escopo desse livre-arbítrio é mais restrito. Imagine um psicopata como uma espécie de compositor que escreve uma sinfonia e precisa de uma orquestra para apresentar seu trabalho. A apresentação da orquestra é terrível. Você pode imaginar que o problema está no compositor, mas descobre que a orquestra está cheia de instrumentos quebrados. O cérebro de um psicopata é como uma orquestra com instrumentos quebrados por doença mental, danos neurológicos e traumas de abuso infantil. Para que sua apresentação não fosse tão ruim, o compositor teria que ter se esforçado mais do que as outras pessoas para não cometer alguns desses atos de violência. A punição deve levar em conta que havia fatores que ele não controlava – acho que a pena de morte nesses casos é muito severa. Mesmo assim, ele tinha algum discernimento sobre os seus atos.
Um psicopata pode ser reabilitado?
Não.
Se não há recuperação, como o Estado deve lidar com essas pessoas?
Prendendo-as num ambiente com psiquiatras e medicação apropriada.
Por que psicopatas não sentem remorso?
Remorso é algo que vem do nosso cérebro, assim como todos os nossos sentimentos e pensamentos. Quando o cérebro está danificado, a capacidade de sentir remorso também fica danificada. Um assassino frio até sabe que está errado. A diferença é que ele não consegue sentir que está errado.
A genética tem algum papel na predisposição para algum comportamento criminoso?
Não acredito que os genes sejam responsáveis. Apenas no sentido limitado de que algumas doenças psiquiátricas são genéticas. Alguns estudos feitos na Escandinávia compararam o comportamento de filhos biológicos e filhos adotados para ver se poderia haver algum traço hereditário de violência. O resultado mostrou que quando os filhos de pais violentos crescem ao lado de pais não-violentos eles não mostram nenhuma tendência para a violência. Mas quando os pais adotivos são violentos, as crianças sempre se tornam agressivas.
Há como descobrir se alguém vai se tornar um criminoso no futuro?
Não. Há um homem chamado Joel Rifkin que matou 16 prostitutas em Nova York. Ele matou a primeira quando tinha 32 anos e agora está preso. Se eu tivesse visto ele antes dos 32 anos, poderia ter concluído que ele tinha problemas neurológicos, sofreu abuso infantil e tinha fantasias estranhas com prostitutas... Ele nunca havia sido violento antes, embora houvesse pensado em matar pessoas durante um bom tempo. Mas você não pode punir pessoas por suas fantasias. Seria difícil também prever seus atos já que nem todas as pessoas com esses três fatores são violentas.
Não há nada a fazer?
Acho que a sociedade pode se concentrar na luta contra a violência e o abuso infantil – é aí que está a relação entre pobreza e a formação de assassinos, uma vez que a violência infantil é mais comum em regiões pobres. Isso tem que se tornar algo inaceitável – e não uma questão particular sobre o jeito que cada um trata seus filhos. A sociedade tem um grande papel para evitar o abuso sexual e a violência – identificando pessoas que são violentas com crianças para reeducá-las. Alguns casos são resultado de pura ignorância. Um exemplo é uma mãe segurando um bebê que começa a chorar. Ela troca a fralda da criança e o bebê continua chorando. Põe a mamadeira e a criança não pára de chorar, já que não está com fome. Frustrada, a mãe sacode a criança. Hoje, sabemos que esses atos podem causar danos cerebrais.
Filmes e jogos eletrônicos violentos podem incentivar atos de violência?
Duvido. A não ser que a pessoa já seja vulnerável. Conheci assassinos que assistiram ao mesmo filme de horror dezenas de vezes e fizeram algo muito similar ao que viram no filme. Quando você investiga, descobre que o verdadeiro horror em suas vidas havia acontecido antes de assistirem ao filme – quando foram violentados, por exemplo. Ou seja: pessoas vulneráveis podem ser influenciadas, mas não pessoas normais.
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