Por Thatiany Nascimento, thatiany.nascimento@svm.com.br 23:13 / 21 de Março de 2020 ATUALIZADO ÀS 10:33 / 22 DE MARÇO DE 2020
O momento é complexo e tem efeitos físicos, psicológicos e emocionais. Mas, psicólogos enfatizam: é preciso ter em mente que esta situação é passageira e há formas de agir para manter o bem-estar psíquico
Uma dica durante o recolhimento é experimentar novas atividades
Foto: José Leomar
Casos suspeitos.Confirmados. Mortes em diversos países. Decretos de emergência por parte dos governos. A transmissão do coronavírus tem impactado aspectos emocionais, físicos e psicológicos. Estresse e medo, neste momento, parecem condições comuns que unem os mais diversos perfis da população.
No Ceará, o Governo tenta avançar no combate à doença e garantir a assistência necessária. Um dos pedidos, que se tornou apelo, é a manutenção do isolamento social.
Para enfrentar o momento e garantir saúde mental, especialistas ouvidos pelo SVM, enfatizam: é preciso ter em mente que a situação é passageira e é necessário agir para manter o bem-estar psicológico, apesar da complexidade do período.
O medo, condição natural e generalizada entre os seres humanos, se agrava neste momento de registro e aumentos de casos da nova doença mundo afora. O problema é que, devido à tensão, pode haver uma mobilização das emoções rumo à ansiedade e ao pânico e, ao abandonar dimensões reais da vida cotidiana, esse medo humano pode evoluir para quadros patológicos.
“Um dos maiores medos que o ser humano tem é de morrer. Toda a ciência, toda a civilização é construída para garantir a vida humana. Então, o medo de morrer, de adoecer, de sofrer é algo muito avassalador, porque mexe com uma das coisas mais difíceis para o ser humano que é a sua impotência. Toda vez que a gente se vê diante de uma situação que nos colocam em fragilidade, a gente sofre”, explica Alessandra Silva Xavier, psicóloga, professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e doutora em psicologia clínica.
Iniciativas
A especialista alerta que a atual situação é complexa, pois coloca a população diante de limites e fragilidades e, isso, naturalmente causa sofrimentos. Isto porque há um despreparo da sociedade, de modo geral, para lidar com esses temores no cotidiano. Além disso, ressalta, há grupos como pessoas que têm quadros de depressão, fobia, síndrome do pânico, transtorno de ansiedade generalizada, dentre outros que, neste momento, podem ter ainda mais dificuldade de compreender o que está ocorrendo.
Esses grupos, explica ela, já têm necessidade de apoio social e o isolamento – necessário, agora, para a proteção coletiva – tem afetado por distanciar ainda mais essas pessoas de iniciativas que as aliviam como a prática de atividades físicas e as ações de suporte. Essas condições, enfatiza, precisam de atenção, assistência e solidariedade.
Bem como, os idosos que sentem as ameaças biológicas da doença ainda mais próximas.
A professora também destaca as fronteiras entre o medo e o pânico. “O medo é uma coisa que faz parte. Ao atravessar uma rua você olha para um lado e outro e se certifica da segurança que você precisa ter. Todas as recomendações como passar álcool em gel, evitar abraços, lavar as mãos são atitudes de um medo legítimo, mas se você está em casa, sem contato com ninguém e, mesmo assim você não dorme, passa álcool gel o tempo inteiro, coloca termômetro mesmo sem sentir nada, você acha que o tempo todo algo vai acontecer, é um quadro de ansiedade”, ressalta.
Alessandra acrescenta ainda que, toda vez que as reações são desproporcionais aos fatos, e o ser humano tem uma carga emocional além do que deveria ter com medos irreais, isso se caracteriza como um quadro de pânico.
Quarentena
O psicólogo e integrante do Grupo de Pesquisas e Intervenções sobre Violência, Exclusão Social e Subjetivação (Vieses) da Universidade Federal do Ceará (UFC), Luis Fernando Benício, reitera que “estamos experimentando algo novo. Essa questão do isolamento, não temos um histórico como lidar”. Fernando reforça que o desafio é reinventar esse cotidiano e apostar em uma reinvenção de si.
O psicólogo lembra que é preciso ter em mente que, apesar do apelo ao isolamento, nem toda a população “teve direito” à quarentena. Há muitas pessoas, ressalta ele, que seguem trabalhando e impedidas de isolar-se.
Fernando esclarece que não há fórmulas para enfrentar o momento e garantir equilíbrio psíquico e emocional, mas a ciência estuda para encontrar “pistas” de como lidar com essas situações de grande impacto. Psicólogos clínicos, explica, orientam a adoção de algumas estratégias que podem ajudar a enfrentar os efeitos da pandemia. Dentre as ações está compreender o que está acontecendo a partir de informações concretas, aproveitar o tempo de recolhimento para experimentar atividades que no cotidiano não eram desenvolvidas, tentar contribuir para que pessoas da sua rede se mantenham protegidas e desenvolver formas comunitárias de usos de recursos de enfrentamento.
Novo momento
O psicólogo também avalia que a atual experiência ajuda a sociedade, de modo geral, a entender que o narcisismo não é uma opção saudável e que como seres humanos somos vulneráveis ao imprevisível e às situações de ruptura. A professora Alessandra Xavier reitera a análise “Não podemos ter só projetos individuais. O vírus nos traz a necessidade de reforçarmos os projetos coletivos, a solidariedade, temos visto muitas coisas bonitas. Ações de pessoas oferecendo serviços gratuitos, ajudas. Isso é muito importante”, reforça.
Outras dinâmicas relevantes, defendem os psicólogos, é da valorização da ciência, da cooperação entre países e da existência do Sistema Único de Saúde (SUS) inclusive para as necessidades da saúde mental. “A situação, apesar de ser drástica, faz com que a gente reflita sobre o valor da vida. A solidariedade. Estamos vivendo uma bela reflexão sobre empatia. Acho que a gente pode sair dessa crise um pouco melhor como espécie humana”, finaliza Alessandra.
Conselho orienta atuação online
A prestação de serviços psicológicos por meio de tecnologias da informação e da comunicação é regulamentada por uma Resolução nº 011/2018 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Neste momento de pandemia, e devido às recomendações do Ministério da Saúde, Organização Mundial da Saúde (OMS), Secretarias de Saúde e autoridades civis, o CFP informa para os profissionais que optarem pela prestação de serviços online, devem realizar o cadastro pelo site “Cadastro e-Psi”, mas devido à gravidade da situação, para os meses de março e abril não será necessário aguardar a confirmação da plataforma para começar o trabalho.
A resolução do CFP autoriza a oferta online de serviços como consultas e atendimentos psicológicos, processos de seleção de pessoal, supervisão técnica e aplicação de testes psicológicos. Os psicólogas devem se comprometer a seguir a Resolução, segundo o CFP, principalmente em relação às vedações de público e recomendações em busca do menor prejuízo das pessoas.
A medida, ressalta em nota o Conselho, “se deu para tentar atenuar os impactos do vírus na sociedade, assim como para facilitar o atendimento e o trabalho dos psicólogos, tão necessário para a saúde mental da população, especialmente em um momento de pandemia, no qual há implicações emocionais de uma possível quarentena e de aspectos psicológicos do isolamento”.
Caso o profissional opte por continuar realizando atendimentos presenciais, o CFP recomenda a prestação de serviços em locais ventilados, não fechados, que permitam manter distância de um a dois metros entre o profissional e o paciente. A instituição destaca ainda que é inadequado o atendimento psicológico online de casos que necessitem de intervenções por profissionais e equipes de forma presencial como pessoas e grupos em situação de urgência e emergência. Além disso, é vedado o atendimento online de pessoas e grupos em situação de emergência e desastres, bem como, em situação de violação de direitos ou de violência.
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