Para especialista, governante encontrará ambiente propício para desenvolver políticas de combate aos desvios éticos
Resgatado com intensidade nas eleições deste ano com denúncias de desvios em órgãos públicos e empresas estatais, o tema corrupção coloca sobre os ombros do próximo governante do País, seja ele Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB), o desafio de trabalhar para que a política e a gestão pública no Brasil sejam exercidas com ética e sem prevaricações.
“O próximo governo encontrará ambiente para, se quiser, organizar uma Operação Mãos Limpas”, sugere o cientista político Gaudêncio Torquato. “Na história recente, só na eleição do Collor [ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello] se falou tanto em corrupção”, prossegue Torquato.
Em 1989, Collor se elegeu presidente usando a bandeira marqueteira de “caçador de marajás”, fazendo denúncias de corrupção no governo José Sarney. Esse discurso se tornou o seu principal trampolim. Três anos depois, ele próprio deixaria a Presidência ao sofrer impeachment ao ser acusado de ser corrupto.
Na mesma época, na Itália, juízes e procuradores davam início a depuração que afastou o poder organizações mafiosas e setores do crime organizado da política. A intervenção ficou conhecida como Operação Mãos Limpas.
Na avaliação de especialistas, a campanha eleitoral se desenvolve sob o efeito das manifestações de junho do ano passado, que pediu melhor mobilidade urbana e serviços públicos de qualidade, além de colocar em pauta o combate à corrupção.
Nas eleições deste ano, o tema não ganhou dimensão apenas em comícios, propaganda política ou nos debates que os candidatos travaram. A corrupção esteve presente em campanhas de Norte a Sul do País e ajudou a vitaminar políticos que apostaram na bandeira da ética na política como plataforma na campanha.
Dois deles, Álvaro Dias (PSDB) e José Reguffe (PDT), foram eleitos para o Senado com votações expressivas em suas bases, respetivamente, Paraná e Distrito Federal. O caso mais emblemático, no entanto, é o do governador eleito do Mato Grosso, senador Pedro Taques (PDT), que quebrou a polarização e a alternância de duas décadas entre o PSDB e o grupo controlado pelo senador Blairo Maggi (PR).
Antes de chegar ao Senado, onde cumpriu apenas metade do mandato, Taques integrou o núcleo de procuradores da República que fez cerrado combate ao crime organizado e a infiltração deste na estrutura estatal. Um de seus alvos foi o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, um dos mais fortes chefões do crime organizado, que exercia forte influência nos três poderes estaduais. Ribeiro foi condenado a 19 anos de prisão no ano passado por assassinato.
Taques conduziu uma investigação contra João Arcanjo Ribeiro, preso em 2003 e até hoje atrás das grades, e assume em janeiro do ano que vem como espécie de xerife que tem, entre outras demandas, o desafio de livrar a administração estadual da corrupção.
Veja imagens da campanha presidencial:
“Não tenho dúvida que o eleitorado fez, em 2014, uma opção afirmativa pelo combate a corrupção. Venceu (nos estados) quem melhor interpretou os anseios da população”, afirma o senador reeleito Álvaro Dias, o mais bem votado do País, proporcionalmente.
Gaudêncio Torquato lembra que a corrupção é uma chaga que se instalou na época do Brasil Colônia como herança das Capitanias Hereditárias, contagiou a República e, embora tenha entrado como tema de campanhas, nunca foi enfrentada com o rigor necessário por governante algum. “Está no DNA do Brasil”, avalia ele.
O cientista político acredita que os desvios descobertos na Petrobras no meio da campanha forçou os candidatos a debater a corrupção e, indiretamente, a se comprometer com o seu enfrentamento - seja quem for o vencedor.
Torquato cita um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), para observar que anualmente escorrem pelos ralos da corrupção algo em torno de R$ 100 bilhões. A cifra, segundo ele, é modesta caso se leve em conta que a corrupção está impregnada nos três entes federativos (União, estados e municípios), mas seria suficiente, grosso modo, multiplicar por quatro o que o governo gasta anualmente para bancar o Bolsa Família.
“Se fizer uma radiografia do que realmente é desviado e de todo o custo da corrupção, vamos chegar a cerca de 20% do PIB (Produto Interno Bruto)”, aponta Torquato. Segundo ele, o efeito mais perverso da corrupção é a redução dos recursos públicos que deveriam ser direcionados para a área social. Além disso, o mal contamina as relações de poder, compromete a representatividade política e reflete negativamente tanto na economia quanto na política.
Para Torquato, o governante que tiver vontade de mexer na estrutura da corrupção pode aproveitar o momento político e o amadurecimento das instituições de controle, que já desenvolveram experiência para estancar os desvios.
Com sólida experiência, órgãos como a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União podem auxiliar o futuro governante a identificar os ralos da corrupção.
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