quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Denúncias de corrupção colocam sobre próximo presidente desafio da reforma ética

Para especialista, governante encontrará ambiente propício para desenvolver políticas de combate aos desvios éticos

Resgatado com intensidade nas eleições deste ano com denúncias de desvios em órgãos públicos e empresas estatais, o tema corrupção coloca sobre os ombros do próximo governante do País, seja ele Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB), o desafio de trabalhar para que a política e a gestão pública no Brasil sejam exercidas com ética e sem prevaricações.
“O próximo governo encontrará ambiente para, se quiser, organizar uma Operação Mãos Limpas”, sugere o cientista político Gaudêncio Torquato. “Na história recente, só na eleição do Collor [ex-presidente e senador Fernando Collor de Mello] se falou tanto em corrupção”, prossegue Torquato.
Em 1989, Collor se elegeu presidente usando a bandeira marqueteira de “caçador de marajás”, fazendo denúncias de corrupção no governo José Sarney. Esse discurso se tornou o seu principal trampolim. Três anos depois, ele próprio deixaria a Presidência ao sofrer impeachment ao ser acusado de ser corrupto.
Divulgação
Dilma Rousseff (PT) ou Aécio Neves (PSDB): quem for eleito para ocupar a Presidência da República terá o desafio de limpar máquina pública

Na mesma época, na Itália, juízes e procuradores davam início a depuração que afastou o poder organizações mafiosas e setores do crime organizado da política. A intervenção ficou conhecida como Operação Mãos Limpas.
Na avaliação de especialistas, a campanha eleitoral se desenvolve sob o efeito das manifestações de junho do ano passado, que pediu melhor mobilidade urbana e serviços públicos de qualidade, além de colocar em pauta o combate à corrupção.
Nas eleições deste ano, o tema não ganhou dimensão apenas em comícios, propaganda política ou nos debates que os candidatos travaram. A corrupção esteve presente em campanhas de Norte a Sul do País e ajudou a vitaminar políticos que apostaram na bandeira da ética na política como plataforma na campanha.
Dois deles, Álvaro Dias (PSDB) e José Reguffe (PDT), foram eleitos para o Senado com votações expressivas em suas bases, respetivamente, Paraná e Distrito Federal. O caso mais emblemático, no entanto, é o do governador eleito do Mato Grosso, senador Pedro Taques (PDT), que quebrou a polarização e a alternância de duas décadas entre o PSDB e o grupo controlado pelo senador Blairo Maggi (PR).
Antes de chegar ao Senado, onde cumpriu apenas metade do mandato, Taques integrou o núcleo de procuradores da República que fez cerrado combate ao crime organizado e a infiltração deste na estrutura estatal. Um de seus alvos foi o bicheiro João Arcanjo Ribeiro, um dos mais fortes chefões do crime organizado, que exercia forte influência nos três poderes estaduais. Ribeiro foi condenado a 19 anos de prisão no ano passado por assassinato.
Taques conduziu uma investigação contra João Arcanjo Ribeiro, preso em 2003 e até hoje atrás das grades, e assume em janeiro do ano que vem como espécie de xerife que tem, entre outras demandas, o desafio de livrar a administração estadual da corrupção.
Veja imagens da campanha presidencial: 
“Não tenho dúvida que o eleitorado fez, em 2014, uma opção afirmativa pelo combate a corrupção. Venceu (nos estados) quem melhor interpretou os anseios da população”, afirma o senador reeleito Álvaro Dias, o mais bem votado do País, proporcionalmente.
Gaudêncio Torquato lembra que a corrupção é uma chaga que se instalou na época do Brasil Colônia como herança das Capitanias Hereditárias, contagiou a República e, embora tenha entrado como tema de campanhas, nunca foi enfrentada com o rigor necessário por governante algum. “Está no DNA do Brasil”, avalia ele.
O cientista político acredita que os desvios descobertos na Petrobras no meio da campanha forçou os candidatos a debater a corrupção e, indiretamente, a se comprometer com o seu enfrentamento - seja quem for o vencedor.
Torquato cita um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), para observar que anualmente escorrem pelos ralos da corrupção algo em torno de R$ 100 bilhões. A cifra, segundo ele, é modesta caso se leve em conta que a corrupção está impregnada nos três entes federativos (União, estados e municípios), mas seria suficiente, grosso modo, multiplicar por quatro o que o governo gasta anualmente para bancar o Bolsa Família.
“Se fizer uma radiografia do que realmente é desviado e de todo o custo da corrupção, vamos chegar a cerca de 20% do PIB (Produto Interno Bruto)”, aponta Torquato. Segundo ele, o efeito mais perverso da corrupção é a redução dos recursos públicos que deveriam ser direcionados para a área social. Além disso, o mal contamina as relações de poder, compromete a representatividade política e reflete negativamente tanto na economia quanto na política.
Para Torquato, o governante que tiver vontade de mexer na estrutura da corrupção pode aproveitar o momento político e o amadurecimento das instituições de controle, que já desenvolveram experiência para estancar os desvios.
Com sólida experiência, órgãos como a Polícia Federal, Ministério Público Federal, Tribunal de Contas da União e Controladoria Geral da União podem auxiliar o futuro governante a identificar os ralos da corrupção.
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